Quem já passou por um episódio de epilepsia descreve-o como uma espécie de curto-circuito cerebral. O que não está muito longe do fenómeno fisiológico: descargas elétricas que podem causar confusão mental temporária e o clássico ataque epilético – com convulsões e perda de consciência. Apesar de estar disponível uma razoável panóplia de medicamentos no mercado e até intervenções cirúrgicas para evitar estes episódios, nenhuma solução é cem por cento eficaz. Daí que médicos e cientistas continuem a procurar outras soluções.
Já há muito tempo que é conhecida a relação entre música e epilepsia, um assunto tratado com detalhe no livro do neurologista Oliver Sacks, Musicofilia. Em algumas situações a música pode desencadear um ataque, noutras pode prevenir. Os cientistas têm tentado esclarecer quais as músicas que têm um efeito positivo e qual o mecanismo.
No ano passado, um trabalho do Instituto Krembil do Cérebro mostrou que a Sonata para Dois Pianos em Ré Maior, de Mozart, reduzia a ocorrência de ataques epiléticos. O que não acontecia se os pacientes ouvissem uma versão remasterizada de forma aleatória da mesma composição. Outros trabalhos com crianças com epilepsia tinham chegado a conclusões semelhantes, como o estudo de um grupo de médicos de Edimburgo, que envolveu 45 crianças dos dois aos 18 anos.
Até agora, a melhor explicação para este efeito positivo da música relacionava a sobreposição entre as áreas cerebrais ativadas durante a escuta e as alteradas pela doença. Um estudo revelado este sábado 19, durante o 7º congresso da Academia Europeia de Neurologia, veio esclarecer esta questão: são as propriedades acústicas da música – portanto, os aspetos relacionados com a física – que acabam por ter este resultado. “Acreditamos que as características físicas acústicas da música de Mozart afetam as oscilações – ou ondas cerebrais – que são responsáveis por reduzir as descargas epilépticas”, descreve Ivan Rektor, do Centro de Epilepsia do Hospital de Santa Ana, na República Checa.
As primeiras hipóteses sugeriam que o efeito Mozart na epilepsia estaria relacionado com os impactos emocionais da música, já que a dopamina – o principal neurotransmissor associado aos mecanismos cerebrais de recompensa – é libertada quando se ouve música. Um mecanismo que não foi ainda demonstrado. “Descobrimos que a redução nas descargas elétricas era maior no lobo temporal lateral, que é a parte do cérebro que participa na tradução dos sinais acústicos, e não na região límbica mesial temporal, que tem um papel importante na resposta emocional à música”, explica o investigador.
Os investigadores sublinham também duas outras questões, que reforçam a justificação física: por um lado, os pacientes envolvidos no estudo não eram particularmente apreciadores de música clássica, portanto não haveria grande razão para libertação da dopamina. Além disso, a resposta a uma composição de Haydn só produzia efeitos positivos na supressão de descargas em mulheres. Nos homens, por outro lado, provocou aumento das descargas elétricas. Pelo que, sublinharam os investigadores durante a apresentação do trabalho no congresso, as propriedades acústicas, tais como o ritmo, dinâmica e tom, têm um efeito diferente em homens e mulheres.
Uma em cada duzentas pessoas sofre de epilepsia, sendo que presentemente seis milhões de europeus a viver com a doença. Ivan Rektor sugere, por isso, que se continue a investigar o efeito da música na redução dos episódios, mantendo o foco nas propriedades acústicas e no seu efeito preventivo não invasivo.