Não aprendemos nada com o passado recente. Bem que podia começar este artigo a escrever uma simpática introdução, algo nostálgica, de como 2020 foi imprevisível. Podia acrescentar igualmente, que foi uma excelente oportunidade para uma economia emergente, fruto da digitalização à força e, na sequência, elencar inúmeras tendências de consumo para 2021. Infelizmente não o posso fazer.
Sem bullshit, vou direto ao assunto.
Já é uma certeza que os consumidores descobriram as maravilhas das compras à distância. Ora, depois de uma natural adaptação do mercado à avalanche que ocorreu em março e abril, seria totalmente expectável que aprendêssemos a preparar-nos para o futuro. Sim, porque afinal ninguém vislumbrava que a pandemia iria passar nos meses seguintes. E isso, foi exatamente o que aconteceu – a pandemia piorou e o serviço das marcas ao consumidor também.
2020. Um ano recorde de reclamações
Comecemos pelos dados estatísticos que servem o propósito de uma análise científica. 2020 foi sem dúvida um ano atípico e os dados demonstram exatamente essa circunstância. Registámos meses com crescimento de 120%, face ao período homólogo, nos meses do estado de emergência e subsequentes – entre março e junho -, explicados pela adaptação aos novos modelos de consumo, com a agravante do teletrabalho da maioria dos colaboradores. Até aqui, tudo perfeitamente expectável. No entanto, não seria igualmente expectável que essa aprendizagem fosse produtiva, para a melhoria dos processos de compra, entrega e apoio ao cliente, nos períodos da segunda e terceira vaga? Mais uma vez, não.
Chegámos a novembro e, pela primeira vez, experienciámos uma Black Friday totalmente digital, onde as reclamações por falta de entrega das encomendas e a rutura de stocks, foram responsáveis pela média de 53 reclamações por dia. Seguiu-se o período de Natal e o que parecia mal, pior ficou. 22.562* foi o volume de reclamações registado apenas no mês de dezembro, com uma média de 727 por dia. Mais uma vez, a dificuldade de entrega das encomendas para o Natal, as burlas e esquemas de fraude, as dificuldades de contacto através dos canais de apoio ao cliente e a falta de entrega de alimentação ao domicílio, marcaram um mês recorde, que ninguém antecipava.
As consequências são nefastas para um setor que ambicionava ser a solução para o contraciclo do estado da economia no país. Os consumidores perdem a confiança, após más experiências de consumo e certamente que irão optar pela velha e tradicional compra física, logo que possível. Mais uma vez, Portugal irá figurar nos últimos lugares dos estudos acerca do e-commerce, tudo porque falhámos em construir um ecossistema seguro, fiável e eficiente.
As medidas políticas do governo são inócuas para o consumidor
Se por um lado, as marcas perdem clientes por baixa reputação e desconfiança dos consumidores, por outro, o Estado tem a obrigação de regular e supervisionar os mercados, apoiando as transições de hábitos de consumo, assentes na informação e educação dos consumidores, mas principalmente defendo os seus interesses. Mais uma vez, o Estado falhou junto dos consumidores. Então vejamos, as medidas de apoio à economia, visam sempre as empresas, ou seja, o vendedor, o prestador de serviços e nunca o comprador. Onde estão as medidas políticas que reforçam a confiança dos consumidores na hora de comprar? Onde estão as medidas que capacitam os consumidores menos instruídos e experientes a terem acesso às mesmas oportunidades, durante o período de confinamento, daqueles que há muito consomem online? Onde estão as medidas que equipam com tecnologia, os consumidores mais desfavorecidos a terem acesso à compra à distância, quando não podem sair de casa?
Como pode o Sr. Ministro da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, imaginar uma economia digital, sem consumidores?
No passado dia 22, estive presente no evento “Diálogo com os consumidores”, promovido pela Direção-Geral do Consumidor, no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia, onde curiosamente, por ironia, não foi possível dialogar com os consumidores por dificuldades técnicas na transmissão digital do evento. Assim, assistimos mais uma vez, a monólogos políticos conjugados no indicativo futuro e não no pretérito perfeito que tanto ambicionamos.
Preparar-nos-emos para a segunda vaga de reclamações!
*dados Portal da Queixa