Em tempos de pânico nos mercados financeiros e de elevada incerteza sobre o futuro da economia, a Reserva Federal dos EUA tende a recorrer ao efeito surpresa e corta as taxas de juro de forma repentina e sem aviso prévio. Foi assim após a falência do Lehman Brothers ou na crise das tecnológicas no início do milénio. Esta terça-feira o banco central da maior economia do mundo voltou a recorrer a essa tática de emergência para conter os danos económicos causados pelo coronavírus.
Sob pressão de Donald Trump para baixar juros, o presidente da Reserva Federal dos EUA anunciou uma descida de 50 pontos base (0,5 pontos percentuais) na taxa de fundos federais. “Os fundamentos económicos dos EUA continuam fortes. No entanto, o coronavírus coloca riscos crescentes à atividade económica. Tendo em conta estes riscos e para apoiar o objetivo de alcançar o emprego máximo e a estabilidade de preços, o Comité Federal de Mercado Aberto decidiu baixar o intervalo para as taxas de fundos federais em meio ponto percentual para entre 1% e 1,25%”, indicou a Fed em comunicado.
A autoridade monetária realçou que “está a monitorizar de perto os desenvolvimentos e as suas implicações para o cenário económico e irá utilizar as suas ferramentas e agir de firma apropriada para apoiar a economia”. Por outras palavras, Jerome Powell não descarta mais medidas de emergência para apoiar os mercados financeiros e a economia. Após a decisão, Trump recorreu ao Twitter para exigir descidas adicionais na taxa que define o custo do dinheiro.
Os receios de uma travagem brusca da economia global levaram as bolsas a registar, na semana passada, o pior desempenho desde a crise financeira de 2008. A China, a segunda maior economia do mundo, teve uma quebra significativa na atividade económica devido às quarentenas para limitar a propagação do novo coronavírus. Mas está-se cada vez mais próximo de uma pandemia com casos confirmados em 74 países e um número crescentemente preocupante de infeções na Europa e nos EUA.
No início da semana, a OCDE reviu em baixa as projeções para a economia. Cortou a perspetiva para o crescimento global de 2,9% para 2,4% e não descartou que, num cenário em que o coronavírus se dissemine de forma intensa em todo o mundo, o PIB cresça apenas 1,5% – cerca de metade do crescimento inicialmente previsto.
Efeito surpresa atingido. Mas cortes de juros são eficazes?
Na semana passada, alguns responsáveis da Fed descartavam a necessidade de medidas de emergência. “É um dramático volte-face”, referem os economistas da Capital Economics. Mas, ressalvam num relatório, que “com a turbulência nos mercados financeiros e a crescente evidência de que o coronavírus se está a desenvolver para uma pandemia, a mudança de espírito da Fed é inteiramente compreensível”. A decisão da autoridade liderada por Jerome Powell surgiu depois dos ministros das Finanças e banqueiros centrais do G-7 terem garantido, num comunicado, que existia disponibilidade para se tomarem medidas para mitigar os efeitos do coronavírus na economia.
Apesar de a Fed ter passado das palavras às ações, os investidores continuam céticos. Após as quedas pesadas da semana passada, os principais índices bolsistas americanas acumulam descidas superiores a 1% esta terça-feira. Já as ações europeias conseguiram alguma margem para respirar de alívio. No entanto, apesar do efeito surpresa, os economistas têm defendido que há pouco que os bancos centrais possam fazer para resolver o problema da perturbação das cadeias de abastecimento globais (devido às quarentenas na China) e os danos já causados nos setores de turismo e aviação.
“A ação do banco central é controversa devido às dúvidas sobre até que ponto podem ser eficazes. Os cortes nas taxas de juro não fazem com que as fábricas produzam mais se não conseguirem garantir importações vitais de países atingidos pelo vírus. Da mesma forma, é improvável que flexibilizar a política monetária estimule os gastos dos consumidores no curto prazo se estes tiverem medo de sair de casa”, consideram os economistas da Capital Economics.
Também os analistas do banco ING duvidam que descidas de juros como as da Fed possam resultar num “impulso significativo para a procura”. Admitem, no entanto, que “implementar cortes de juros pode ajudar a mitigar algumas das potenciais restrições no sistema financeiro e a melhorar a confiança”, afirmam os analistas do ING numa nota a investidores a que a EXAME teve acesso”.
Além da Reserva Federal do EUA, os bancos centrais da Austrália e da Malásia já tinham descido as taxas de juro para ajudar a economia a mitigar os efeitos do coronavírus. O ING antecipa que o mesmo venha a suceder no Canadá e até o Banco Central Europeu poderá seguir o mesmo caminho, apesar de ter pouca margem de manobra.
Os juros na Zona Euro estão já em 0% e a taxa de depósitos é negativa, o que tira espaço ao BCE para grandes descidas de forma a apoiar o sistema financeiro e a economia. “Há muito pouco que o BCE possa fazer, além de acalmar os mercados financeiros. Para ser franco, no ponto atual uma vacina iria ajudar bem mais que outro corte de juros”, referem os economistas do ING.
À procura da resposta económica mais eficaz
Apesar de toda a ação dos bancos centrais, os economistas defendem que medidas orçamentais que facilitem o financiamento e diminuam o esforço das empresas serão muito mais eficazes. Os analistas da ING exemplificam com “garantias estatais, empréstimos intercalares e benefícios fiscais temporários”. Já os economistas da Capital Economics argumentam que “ao oferecer benefícios fiscais e empréstimos baratos às empresas, os governos e os bancos centrais podem pelo menos ajudá-las a ultrapassar um período difícil e a contribuir para limitar despedimentos”.
A OCDE também considerou que, embora juros baixos ajudem a mitigar os problemas, a política monetária não terá grande efeito nas economias desenvolvidas. Assim, a organização pede investimento aos governos. “Este episódio de fraco crescimento reforça a necessidade de um investimento público mais forte em muitos países, que inclua despesa com educação e saúde, para apoiar a procurar e acelerar as condições de vida no médio prazo”.