O voluntariado é uma das mais importantes expressões de solidariedade e cidadania. A sua fundamentação histórica quando baseada unicamente em conceitos como a caridade, assistência, filantropia ou solidariedade, corre o risco de ser associada a uma visão paternalista, na qual quem pratica voluntariado é visto de forma simplista como alguém que dá algo a quem não tem. Esta visão cria uma separação entre quem pratica e quem beneficia, como se a jornada do voluntariado fosse unidireccional e não uma estrada de dois sentidos, com benefícios e impactos positivos, tanto para quem é beneficiário, como para quem é voluntário. A transformação que o voluntariado potencia requer uma jornada evolutiva de um voluntariado transaccional, onde os objetivos e os indicadores de impacto são sobretudo quantitativos, para um voluntariado transformador, onde se ressalva a humanidade enquanto base comum que a todos une e onde medimos como esta experiência nos transformou e nos fez mudar conviccões, pensamentos e atitudes.
O ato de entrega em prol do outro traz novas experiências e aprendizagens para ambas as partes envolvidas neste processo. Não só porque as experiências que o voluntariado proporciona ajudam a formar novas ligações neuronais (a neuroplasticidade que nos permite aprender ao longo da vida), que vão impulsionar formas mais empáticas e inclusivas de ver o mundo e de agir perante o outro, como também potenciam o desenvolvimento de competências que serão aplicadas na vida pessoal e profissional de cada um.
Para que este caminho com dois sentidos se materialize é necessário que o voluntário reflita sobre a experiência vivida. A utilização de um Dilema Desorientador, método que se insere na Teoria Transformacional de Aprendizagem para Adultos criada por Jack Port Mezirow em 1978, é um enorme aliado nesse sentido. A aprendizagem ocorre quando um novo significado é transmitido a uma experiência anterior ou um antigo significado é reinterpretado e visto sob um novo ângulo. Esse processo de “transformação” possui três dimensões: Psicológica (mudanças na compreensão do eu perante o mundo), Conviccional (o que eu acredito ser verdade no mundo) e Comportamental (a forma como eu ajo e atuo no mundo). Este dilema deve confrontar os voluntários com a realidade e fazê-los refletir sobre os verdadeiros impactos que a experiência de voluntariado lhes trouxe. Pensar sobretudo no que ganharam e como a interação com pessoas fora do seu “inner circle” os fez evoluir nas dimensões acima identificadas e como os ajudou a ter maiores níveis de empatia.
Este novo paradigma, a que chamamos de Voluntariado Transformador, tem várias implicações para as empresas que o promovem. Em primeiro lugar, é preciso mudar a forma como se comunica o voluntariado. O voluntariado não deve ser visto simplesmente como uma forma de dar, mas sim como uma forma de aprender e crescer. Em segundo lugar, é preciso criar oportunidades de voluntariado que sejam significativas e que permitam aos voluntários desenvolver a sua empatia. Em terceiro lugar, é preciso avaliar e medir o impacto do voluntariado de forma holística, incluindo a criação de empatia como um dos indicadores de impacto.
“Não podemos continuar a passar pelas coisas sem as habitar, a falar com os outros sem os ouvir, a juntar informação que nunca chegamos a aprofundar.” Sim, vivemos num mundo acelerado.
Nem sempre é fácil, caminhar, essa combinação de movimento, humildade, equilíbrio, curiosidade, cheiros, sons e luz e um sentimento de desejo, como refere Erling Kagge. Contudo, é necessário. Só assim nos tornamos mais conscientes daquilo que nos rodeia. Só caminhando é que vamos conseguir transformar lugares distantes, em lugares que nos habitam – e como esta frase de José Tolentino de Mendonça podia por si só descrever o voluntariado.
De facto, cientes que é tempo de agir, mas que é necessária uma mudança de olhar, deixámos uma Era de caridade e assistencialismo, transformando a forma como atuamos na Sociedade, libertando-nos de pensos rápidos ou cuidado paliativos e apostando em soluções transformadoras.
Uma mudança de paradigma, que veio colocar na agenda das empresas, e de todos nós, a sustentabilidade, tem levado a que o imediato esteja a dar lugar ao duradouro, que as partes estejam a dar lugar ao todo, fomentando um caminho de parcerias, porquanto “a mera soma dos interesses individuais não é capaz de gerar um mundo melhor para toda a humanidade”.
No entanto é um caminho, mais ou menos sinuoso consoante a organização. Para algumas um custo ainda, para outras um claro investimento nas comunidades e nas suas Pessoas. Conscientes que são o seu maior ativo, estas são colocadas na linha da frente da responsabilidade social corporativa ao mesmo tempo que é fomentando um método mais disruptivo de formação, mas que permite aos seus colaboradores habitar lugares que antes eram distantes, conhecer a diferença e acima de tudo, fazer a diferença, identificarem-se com o propósito da organização, tornando-os agentes de mudança e líderes pelo sentido.
O Voluntariado tem esta magia, de criar líderes pelo sentido, tão bem definido no livro de Milton de Sousa com o mesmo nome. Torna-se condição sine qua non ter um trabalho com significado, onde ao nosso recurso mais valioso, o tempo, é dado sentido.
No entanto apesar de ser evidente que o voluntariado transforma, nem sempre é fácil medir o seu verdadeiro impacto.
Tal como o sucesso de uma história, nas palavras de Marzec, não se mede apenas pelo que se diz, mas pelo impacto que cria e pela capacidade de mobilizar quem ouve – devendo por isso ser pensada não para ser lida, mas para ser recontada – também o impacto do voluntariado não deve estar dependente apenas de números.
Quando estamos no terreno, sabemos que o verdadeiro impacto vai muito além destes símbolos, que nos permitem fazer a representação de quantidades, medidas ou ordem, mas que parecem insuficientes para valorar a transformação. Como se mede o que se sente? A transformação que se deixa e aquela que levamos em nós? O valor dos sonhos que voltam a florescer?
O caminho está à nossa frente. Um caminho em que fica claro que o lucro não pode ser a única unidade de medida das empresas, e em que a mudança sistémica está dependente da nossa evolução enquanto sociedade, aprendendo a trabalhar em rede, com a certeza de que somos todos pontos de luz, interligados, com o potencial para iluminar o mundo.
O voluntariado 2.0 tem o potencial de transformar o mundo. Aqui estão algumas dicas para o promover:
· Comunique o voluntariado como uma forma de aprender e crescer. Ajude os voluntários a compreender que o voluntariado é uma oportunidade de se conectarem com outras pessoas, de aprenderem sobre o mundo e de desenvolverem as suas competências.
· Crie oportunidades de voluntariado que sejam significativas. Os voluntários devem sentir que o seu trabalho está a fazer a diferença. Procure oportunidades que permitam aos voluntários utilizar as suas competências e privilegiando a relação com os outros
· Avalie o impacto do voluntariado de forma holística. Além de medir os resultados tangíveis, como o número de horas de voluntariado ou o número de pessoas beneficiadas, também é importante medir os resultados intangíveis, como a criação de empatia.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.