A gestão e prevenção de riscos nas empresas não é imune ao contexto económico e geopolítico de um país ou região. Pelo contrário. A ele responde e se adapta. Ora, uma guerra na Europa, a par da maior escalada inflacionista em 30 anos, no rescaldo de uma pandemia, será com certeza um contexto desafiante, desde logo pela elevada incerteza que encerra. Ainda assim, Rui Leão Martinho destaca dois fatores positivos e, também eles, incomuns, pela sua dimensão e raridade, na economia portuguesa: a estabilidade política assegurada, agora, por uma maioria parlamentar; e o enorme pacote de fundos comunitários disponíveis para serem aplicados nos próximos anos. Será, porventura, uma forma de ver o copo meio cheio.
Para o economista – que falava ontem na entrega dos Prémios Inovação em Prevenção, uma iniciativa da Ageas Seguros e da EXAME, que segue este ano na sua segunda edição – a maioria parlamentar de que goza o atual executivo abre a oportunidade – e também a responsabilidade? – de “atuar de forma mais célere na aplicação dos fundos comunitários e das reformas necessárias para que consigamos atingir um desenvolvimento superior ao que tivemos no passado”. Um crescimento que António Saraiva classifica de anémico. “Portugal nestes 20 anos terá recebido qualquer coisa como 143 mil milhões de euros. Mas também nestes 20 anos, Portugal não atingiu um crescimento digno desse nome. Porque crescimentos anémicos de 1,5%, não são crescimentos”.
O Presidente da CIP – Confederação Empresarial Portugal considera que é chegada a hora, não de recuperar a economia portuguesa, mas de a transformar. O que significa, resolver os nossos problemas estruturais, para que consigamos enfrentar os desafios conjunturais com maior desenvoltura. Com três reformas à cabeça: administração pública, justiça e fiscal. “É tempo. Quanto mais tempo passa, menos tempo temos, neste jogo da globalização, para nos afirmarmos”. Haja vontade política e capacidade de aplicar corretamente os 62 mil milhões de euros de que Portugal disporá em fundos comunitários nos próximos anos.
Já quanto à estratégia, Rui Leão Martinho está crente de que terá de sofrer ajustes: “Estou convicto de que o PRR vai ter revisões, tal como qualquer plano, de qualquer empresa, quando há razões e há desvios. Colegas de outros países sentem o mesmo e, portanto, penso que o movimento será nesse sentido”.
Estou convicto de que o PRR vai ter revisões, tal como qualquer plano, de qualquer empresa, quando há razões e há desvios. Colegas de outros países sentem o mesmo e, portanto, penso que o movimento será nesse sentido.
Rui Leão Martinho
Mas se em Portugal falta desígnio, e na União Europeia (UE) abunda dinheiro, já a máquina, política e burocrática, continua a ser um entrave a esta mutação acelerada global, lá como cá. “A UE tem crescido em território e tem diminuído em política. Temos de ter flexibilidade, capacidade de reação, de adaptação. Enquanto os outros blocos avançam a um ritmo de desenvolvimento e de crescimento desses espaços económicos, a UE, no seu processo decisório – complicado, burocrático – é uma tartaruga nas respostas”, critica Saraiva.
Aos desafios impostos pelas estruturas políticas e administrativas, há que somar as condições impostas pelo próprio mercado, desde logo aquelas que afetam um dos mais importantes fatores de produção: a mão de obra. “Temos falta de mão de obra em todos os setores. Teremos qualquer coisa como 5 milhões de população ativa, não temos população ativa para suprir as necessidades”, afirma o Presidente da CIP. Por isso, defende a continuidade da política iniciada pelo anterior executivo, através da criação de acordos bilaterais de circulação com países, desde logo com alguma afinidade cultural e linguística com Portugal. “Temos de ter captação de mão de obra através uma política de imigração económica”. Essa mesma escassez está a provocar uma subida generalizada dos salários no país, nota o responsável, com as empresas a entregarem à economia mais dois mil milhões de euros em massa salarial no primeiro trimestre de 2021, face ao período homólogo de 2019.
Temos de ser razoáveis e objetivos. Ouvir os sindicatos reivindicarem que os trabalhadores não podem perder poder de compra, no quadro internacional que vivemos… Temos custos de gás natural que subiram 500%.
António saraiva
António Saraiva descarta, no entanto, mais subidas salariais, por via da inflação: “Temos de ser razoáveis e objetivos. Ouvir os sindicatos reivindicarem que os trabalhadores não podem perder poder de compra, no quadro internacional que vivemos… Temos custos de gás natural que subiram 500%. As empresas estão a tentar incorporar isso, não refletindo nos preços dos seus produtos ou serviços, porque então a inflação dispararia. Estamos num momento em que todos temos de perder e todos temos de participar. E por isso o diálogo social é mais importante do que nunca”.