O stresse é apontado como uma das principais preocupações das novas gerações. Porquê?
Acho que vamos ter um novo tipo de stresse, referente à nova normalidade. As pessoas habituaram-se a um registo e poderemos ter posições mais extremadas de quem defenda bastante a retoma total de um trabalho presencial ou de quem defenda um modo mais híbrido. E isso fará com que tenham de aprender a gerir a nova rotina. A situação mais delicada pode ser, também, relativa ao futuro do seu posto de trabalho: quando, por exemplo, deixarem de existir as moratórias dadas pelo Governo, teremos situações de novo stresse financeiro. E que poderão ter consequências no resto do agregado familiar, porque há todo um estado de espírito que muda.
Os mais novos, aqueles que entraram agora no mercado de trabalho, foram os que sofreram mais?
Diria que sim. Fazer passar o conhecimento e os valores das organizações foi extremamente difícil, porque foi complicado tentar simular um ambiente presencial. A nova geração não tem qualquer problema em pegar no telefone e ligar a quem quer que seja, mas há uma cerimónia inevitável provocada pela ausência das pessoas. Ela poderá ter aqui um défice de cultura organizacional, mas, como houve muitas organizações a tentarem contrariar isso, é possível que o impacto seja minimizado. Diversos estudos, incluindo os da Deloitte, apontam para a necessidade de as empresas alterarem a forma como trabalham. Nos EUA isso já está a acontecer. Em Portugal, além da possibilidade de trabalho híbrido, não parece que vá haver grandes alterações. Porquê? Há aqui uma tendência que é muito de “wait and see”: ir acompanhando e atuando em função do que se vai observando, sem tomar a dianteira das alterações. Isso pode criar um problema, que é as empresas reagirem a estímulos internos, porque os seus profissionais vão sendo confrontados com outras realidades e convidados a trabalhar noutras organizações onde, se calhar, essa preocupação com o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, bem-estar e afins, é tomada como uma prioridade. De qualquer forma, ainda estamos no período de pandemia e acho que até há uma certa legitimidade para não se assumir de uma forma frontal a posição que se vai tomar. O que não significa que não haja quem não esteja já a tomar decisões verdadeiramente estratégicas para tomar partido da situação.
O que tem de mudar, realmente?
Durante muito tempo as organizações dedicaram a sua atenção aos seus consumidores finais, com o foco na visão do “cliente 360º” – quem é, do que gosta, como interajo com ele. A nossa exigência como consumidores vai intensificar-se também dentro das organizações. A partir do momento em que a pandemia teve uma duração mais alargada do que pensávamos, começa a haver a visão do “empregado 360º”. Todo este processo veio trazer uma visão importante que é: as pessoas movem-se por desafios. Se eu não me sinto desafiado, acolhido, se não estou a fazer aquilo de que realmente gosto, estou recetivo a outro desafio. E se olharmos para a geração dos nossos pais e avós, em que havia um emprego para a vida e era inquestionável mudar a não ser que houvesse uma catástrofe, percebemos que, ao longo do tempo, houve uma mudança radical: agora, se a pessoa não se sentir desafiada, muda sem pensar duas vezes.
O que é um problema em termos de sustentabilidade…
Perder pessoas altamente qualificadas representa um risco e um esforço muito grandes. Há que olhar para aqueles três eixos de que falávamos acima: quem faz, onde faz e porque faz? No fundo, mais do que transferir para um remoto o que já faço hoje, é perceber como se consegue otimizar um processo de trabalho. Mesmo num formato híbrido, devo investir no meu local de trabalho físico, para torná-lo suficientemente atraente para os momentos em que as pessoas estão no presencial [ver caixas das empresas nestas páginas]. No tempo que eu passo a trabalhar em casa tenho de ter as condições técnicas para conseguir estar em segurança e dar uma resposta aceitável, com as ferramentas de colaboração essenciais. A pandemia veio permitir o trabalho remoto, mas com uma transferência dos processos atuais. E acho que é preciso melhorar esses processos, recorrendo ao que a tecnologia nos pode trazer, reconhecendo função a função quem faz o quê e em que melhor contexto. Porque se eu tiver um colaborador que demora 1h30 a chegar ao escritório, e já chega exausto, se calhar ele é muito mais produtivo se trabalhar desde casa. Mesmo que haja um dia ou dois em que tenha de estar presencialmente.
Isso significa que precisamos de lideranças ainda mais efetivas?
Precisamos, antes de mais, de uma mudança de mindset, que tem de passar da política do controlo para a política da confiança. Atualmente ainda estamos muito no momento de controlo e picar o ponto, mas lá chegaremos… Isto vai requerer tolerância, flexibilidade e conhecimento das pessoas. Uma liderança pouco interventiva e envolvente não lhe dá sensibilidade para perceber o que está a acontecer. As pessoas vão deixar, cada vez mais, de ser números e passar a ser mais pessoas com um contexto e uma realidade – é fundamental perceber isso. É preciso que as pessoas sintam que fazem um trabalho de maior valor acrescentado, mas também procurar um equilíbrio na forma como esse trabalho é feito. É natural que vá haver abusos, como há sempre. Mas o que é engraçado é que, pelo que observámos, não era por haver obrigatoriedade de picar um ponto que conseguíamos perceber se as pessoas estavam a ser produtivas ou não. Isso descansava os chefes porque viam as pessoas. Mas hoje há mecanismos para que se possa monitorizar o trabalho. E digo monitorizar porque tenho receio de usar a palavra controlo.
Portanto, era preciso haver alguma proatividade nesta liderança?
Se eu sou um líder de uma grande organização não posso andar apenas às apalpadelas. Acho que era importante agora alguma organização ser mesmo disruptiva, diferenciadora e tomar a dianteira. Gostava que não fosse por ameaças mais drásticas de partilha de talento a uma escala global que, de repente, houvesse uma atuação forçada para garantir que os recursos não fogem. Em Portugal, por termos pessoas altamente qualificadas, somos um alvo mais fácil. O facto de conseguirmos desbloquear situações que parecem não ter solução – o que chamamos de “lógica do desenrasca” [risos] – é um ativo! Mas não é o facto de ter pessoas qualificadas e olhar para elas de forma isolada que vai resolver a situação. A pressão que o mercado vai exercendo e as condições em que atuamos, muito confrontados com empresas a operarem em Portugal, vai fazer com que os níveis de exigência que queremos ter subam. E “Todo este processo veio trazer uma visão importante que é: as pessoas movem-se por desafios. Se eu não me sinto desafiado, acolhido, se não estou a fazer aquilo de que realmente eu gosto, então estou recetivo a outro desafio”
Esta entrevista foi publicada na edição 449 de setembro de 2021 da revista EXAME