Ana Rita Cavaco, Gouveia e Melo e Steven Braekeveldt conversaram com Camilo Lourenço sobre as dificuldades e os desafios trazidos para as lideranças durante a pandemia, no caso concreto dos enfermeiros. A iniciativa da Ageas Seguros – Fórum das Ordens Profissionais – tem reunido os profissionais de várias Ordens para discutir os temas em agenda. Depois de Engenheiros, Arquitetos, Médicos, Psicólogos, esta quinta-feira, 2 de dezembro, foi a vez de ouvir os enfermeiros.
Num discurso marcado pela crítica ao Executivo socialista, a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, lamentou que o Governo tivesse tardado a colocar à frente do processo de vacinação alguém sem filiação política, sublinhando que no início lhes faltaram “respostas técnicas”, o que dificultou o trabalho dos enfermeiros.
Na mesma ocasião, a responsável aproveitou para lembrar que Portugal continua “na cauda [da OCDE] de tudo o que são indicadores de saúde” sobretudo no que diz respeito ao número de profissionais. “Temos um número de enfermeiros muito abaixo da média. “O que é um absurdo e revela, na nossa ótica, a falta de estratégia e de visão que o Governo tem. E não é de agora. Há cinco anos que andamos a pedir para contratar enfermeiros. Se eu gasto €80 milhões em horas extraordinárias e podia ter contratado 3000 enfermeiros por €65 milhões, sou incompetente”, refere.
A responsável fazia alusão aos últimos números revelados pelo Executivo sobre o investimento feito na Saúde, numa altura em que várias equipas hospitalares têm posto os lugares à disposição alegando falta de condições para trabalhar.
“O Governo não gosta de profissionais de saúde, e particularmente não gosta de enfermeiros”, acusa ainda. “A ministra da Saúde não gosta de profissionais de saúde ou não nos teria insultado. É perigoso insultar pessoas que estão tão cansadas”, avisa.
Ana Rita Cavaco nota que os enfermeiros se têm sentido desesperados por “não conseguirem chegar às pessoas”, para além das dificuldades de comunicação com a tutela que, assegura, é transversal a várias ordens profissionais. Lamentou ainda a forma como os enfermeiros são vistos pela sociedade, recordando que estes profissionais “fazem investigação, são mestres, são doutorados. Mas a cabeça das pessoas não acompanhou essa evolução”, afirma.
E foi só depois de ter deixado todas as críticas que a Bastonária se dedicou aos elogios ao trabalho da task-force da vacinação, na pessoa de Gouveia e Melo. “O nosso relacionamento com a ‘task force’ foi muito bom. Quando apareceu o senhor vice-almirante estávamos com o Dr. Francisco Ramos [à frente do processo]. Aquilo que aqui foi dito, de que estávamos numa missão, é verdade. E quando estamos numa missão não podemos ter partidos. Faltavam-nos respostas técnicas. Sentíamo-nos um bocadinho como nos sentimos ao longo dos anos – que quem nos está a liderar não sabe o que está a fazer, e que temos de nos sujeitar às ordens que nos dão. E este senhor”, diz apontado para o militar sentado ao seu lado, “quando chega, chega com um comportamento igual ao nosso: sabia o que era preciso fazer”, elogia.
Henrique Gouveia e Melo relativiza e garante que fez apenas o que era suposto, apostando numa linguagem clara e simples e em processos eficazes, com a noção de que cada um teria de fazer a sua parte. “Cerca de 40% dos portugueses tinha dúvidas sobre a vacina e era preciso esclarecê-las […] Era preciso explicar às pessoas que estávamos perante uma coisa muito má, que nos afetava fortemente e que estávamos a precisar de trabalhar como grupo. Por isso, a forma fácil era comparar isto a uma guerra”, esclarece.
“Uma boa comunicação é fundamental. É simples. Eu usei, no início, e não sei se se recordam, a expressão ‘todos vão ser forçadamente vacinados’ porquê? Porque este vírus tem uma capacidade tão grande de transmissão que nós vamos todos ser vacinados ou pelo vírus ou pela vacina. Preferimos ser pelo vírus, arriscando um desfecho que não sabemos, ou pela vacina que está cientificamente comprovada?”, recorda.
“No fundo, a liderança passa por isso: explicar às pessoas de forma simples o que há a fazer”, resume.
Steven Braekeveldt lembrou que um líder tem sempre de olhar para as ações de curto prazo com a noção de que elas têm de ter impacto a longo prazo, e lamenta que em Portugal isso seja pouco considerado. “A pandemia esta aqui há dois anos, se calhar vamos viver com isto mais dois ou três anos. Se criamos mais camas temos de ter mais enfermeiros; ora, cerca de 50% dos novos enfermeiros vão para fora, segundo os dados oficiais. E temos muitos a reformar-se. Portanto…toda a gente está a ver isto a acontecer. Onde estão as decisões a médio e longo prazo para dignificar estas pessoas, aumentar salários, tê-los disponíveis?”, pergunta. “Sinto a falta destas ações que são consequentes a médio e longo prazo”.
Gouveia e Melo anui e nota que os ciclos eleitorais prejudicam fortemente a tomada de decisões. Na ocasião, o vice-almirante aproveitou para lembrar que a sua tarefa acabou por ser facilitada por, precisamente, não ser político. “Uma liderança e uma comunicação erráticas partem o grupo que está por baixo. A comunicação é uma das coisas mais cruciais. E não é apenas para fora, é para dentro. Porque temos de ter a capacidade de nos organizarmos e fazermos as coisas que temos a fazer. Não podemos dizer ‘oxalá que corra bem’. Eu não vou para um submarino a pensar ‘Oxalá que ele volte para cima’”. Por isso, esclarece, é que usou tantas expressões como “colinho dá a mãe em casa”, durante o tempo que liderou o processo de vacinação em Portugal. “Agora, eu tinha a vantagem de poder dizer estas barbaridades porque não era politico”, graceja.
O militar escusou-se ainda a fazer quaisquer comentários sobre o atual cenário do processo vacinal em curso.
No final da sessão, Ana Rita Cavaco fez uma emocionada homenagem a Gouveia e Melo, a quem ofereceu um cartão de membro honorário da Ordem dos Enfermeiros.
O CEO da Ageas Portugal aproveitou para recordar quem durante este tempo, a seguradora alterou e reforçou os pacotes de benefícios dirigidos aos profissionais de Saúde.