O ambiente está a meia luz, controlado pelas pesadas cortinas que permitem que a sala pareça mesmo a casa da nossa avó. Os empregados, de trajes tradicionais a representar diversos povos do Nepal – Gurung, Tamang e Newar, no caso –, apresentam-se e é numa espécie de dança que vão colocando os pratos na mesa, não sem descreverem exatamente o que vamos comer. “A minha ideia foi trazer as memórias da minha infância. As receitas que a minha mãe e a minha avó faziam para nós”, explica Tanka Sapkota, um dos chefs lisboetas mais acarinhados pelos clientes.
A Casa Nepalesa, originalmente oferecido ao irmão Yogesh – que continua a assegurar a cozinha – vai agora beber um bocadinho mais às origens de ambos. Um passo que muitos diriam arriscados, mudar em tempos de pandemia, mas Tanka sempre teve pouco medo do risco [calculado], e não parece ser agora que vai começar a tê-lo.
A verdade é que 2020 não foi fácil, mas ainda assim o restaurante encerrou o ano com saldo positivo – a faturação caiu 50% e os lucros igualmente, mas a atividade foi positiva, ao contrário do que registaram muitos congéneres. É também nisso que Tanka se tem destacado no panorama nacional: este cozinheiro-empresário começou a sua atividade há pouco mais de 20 anos com um empréstimo de €27 mil euros, e hoje gere os seus quatro espaços de forma sustentada e consistente, sem problemas financeiros de maior. Apesar de todas as dificuldades. Gosta pouco de falar – ou melhor, adora falar mas não gosta de muita exposição pública – e concentra-se em colocar as mãos na massa de todas as suas cozinhas.
A Casa Nepalesa continua com os seus cerca de 11 empregados, todos nepaleses, que nos vão proporcionando uma verdadeira viagem pelos sabores quotidianos do seu país-natal. “Quero que saibam o que nós comíamos em casa. Mas com os melhores produtos portugueses”, explica Tanka aos jornalistas que convidou para apresentar esta nova carta, onde o cabrito foi rei e senhor. Porquê? “Porque há 40 anos praticamente não se comia cabrito, uma vez que era caro e não havia dinheiro. Era um animal muito valioso e só o comíamos na altura do Dashain”, o festival religioso anual que pode ser comparado ao nosso Natal. Hoje, Tanka quer trazê-lo para a mesa da sua Casa, para que os portugueses possam comer cabrito português a saber a Nepal.
O prato ganhador desta experiência? A sopa de cabrito cozinhado em fogo lento, inspirada na sopa que a mãe lhes fazia quando os filhos estavam doentes. “É como se fosse a vossa canja, sabem?”, explica com um sorriso. Percebemos porque é que a sopa funciona: bastante condimentada, e com sabores extremamente apurados, é comida de conforto em estado puro. E além disso é servida com ‘momos’, dumplings recheados com carne de porco preto do Alentejo, o que a torna ainda mais saborosa.
Mas Tanka, o chef que traz a trufa branca ao Come Prima, não podia fazer uma sopa normal sem lhe juntar algo de muito especial: serve-a com yarsagumba ralado, um fungo raro que cresce nos Himalaias, entre os 3000 e 5000 metros de altitude e cujos benefícios para a saúde estão comprovados. Problema? O preço ronda os €45 mil/kg, o que faz dele uma iguaria extremamente exclusiva – e que em Portugal se torna, assim, acessível a um elevado número de pessoas (a sopa custa €5,50).
Na lista de ‘pratos do dia-a-dia no Nepal’ constam ainda a Kachila –um tártaro de borrego temperado com especiarias e servido com gema de ovo, que originalmente é feito com carne de búfalo. Foi um dos nossos preferidos, também – ou o “Khasi Ko Bhutan”, miudezas de cabrito [certificado transmontano DOP], salteadas com cogumelos frescos. Pode ser difícil de comer, pelas texturas, mas é uma entrada que a avó de Tanka Sapkota fazia regularmente em dias de festa – e que prometemos que pode ser uma agradável surpresa.
A Casa Nepalesa continua a ser aquela que conhecíamos antes, mas agora talvez saiba mais a casa. A carta mantém-se extensa, com os sabores tradicionais de um País que se faz perto pelas mãos experientes dos dois irmãos cozinheiros, e a ela junta-se uma simpática e completa carta de vinhos portugueses. Na dúvida, aceite as sugestões de emparelhamento dos vinhos com os pratos, que não se vai arrepender.