A origem
O Evergrande Group foi fundado pelo empresário chinês Hui Ka Yan em 1996, no sul da China. Inicialmente denominado Hengda Group, o conglomerado privado cresceu nos últimos anos até se tornar uma das 500 maiores empresas do mundo, no ranking Fortune Global 500.
O nome Evergrande remete, segundo o site do grupo, “para uma existência eterna” (“ever”, ou “sempre” em português) e para uma vocação de “crescimento universal” (associada ao termo “grande”). “O grupo Evergrande persiste no conceito do desenvolvimento baseado no bem estar do povo e na prosperidade nacional, de modo a fazer esforços incessantes para melhorar os padrões de vida das pessoas”, refere a mesma fonte.
O universo
São oito as principais indústrias que se concentram sob o chapéu do Evergrande Group – Hengda Real Estate Group (a unidade imobiliária, negócio que está a enfrentar problemas financeiros), a New Energy Auto (fabrico de veículos elétricos Hengchi, criada em 2019 e que detém 100% da sueca NEVS, dona do negócio automóvel da SAAB), a Property Services (que começou a gerir grandes parcelas de imobiliário em 1997), a HengTen Networks (empresa ligada à internet e tecnologias digitais, dona da plataforma de streaming de vídeo Pumpkin Film e da Ruyi Films, a maior produtora de filmes e televisão do país).
Do grupo fazem ainda parte o FCB Group (plataforma de comércio online de casas e automóveis, que em março ponderou entrar em bolsa, levantando antes 2,1 mil milhões de dólares com a venda de uma fatia de 10%), a Evergrande Fairyland (promotora e construtora de parques temáticos e outras atrações turísticas), a Evergrande Health (serviços de saúde e cuidados a seniores, que está a desenvolver, além de hospitais, quatro parques de lazer dedicados a uma vida saudável ao longo das várias idades) e a Evergrande Spring, vocacionadas para produtos saudáveis e naturais como água mineral, cereais, laticínios e vegetais.
A dimensão
A empresa gere ativos na ordem dos 310 mil milhões de euros, o equivalente a 2% do PIB chinês. A ambição era chegar até 2022 com ativos totais de 395 mil milhões de euros e vendas anuais de 130 mil milhões. E tornar-se assim uma das 100 maiores empresas do mundo.
O problema
Com 1,6 milhões de apartamentos por entregar – ou seja, comprados em planta – e 1.300 projetos em desenvolvimento em 280 cidades da China, a Evergrande é considerada o promotor imobiliário mais endividado do mundo – na ordem de 263,7 mil milhões de euros. Deve-os a bancos chineses e investidores internacionais, além de pequenos investidores do retalho, que colocaram poupanças nos seus produtos, muitos dos quais empregados da empresa.
Depois de os reguladores e as autoridades de supervisão terem, no ano passado, apertado as regras para travar o crescimento desenfreado de grandes grupos económicos e o seu elevado endividamento – em particular o imobiliário – a Evergrande precisou de começar a vender ativos a desconto para ter liquidez que lhe permitisse pagar as dívidas.
A Bloomberg refere que as dificuldades de liquidez teriam chegado a ouvidos governamentais ainda em 2020 e que só não se concretizou um default porque um grupo de investidores abdicou de exigir um reembolso de 11 mil milhões de euros.
Num comunicado enviado recentemente à Bolsa de Hong Kong, o grupo deu conta de que duas das suas subsidiárias tinham falhado o reembolso do equivalente a 123 milhões de euros, mas negou os rumores sobre bancarrota e reorganização. Segundo a Bloomberg, vários bancos foram avisados no final da semana passada pelo regulador chinês que a Evergrande não conseguiria satisfazer as suas responsabilidades perante os credores esta semana.
O impacto
Nos últimos seis meses as ações do Evergrande Group perderam cerca de 80% do seu valor, com quedas acentuadas nas últimas semanas que estenderam os receios aos principais índices acionistas mundiais. As maiores agências de notação financeira (Fitch, S&P e Moody’s) cortaram o rating atribuído à dívida do grupo nos últimos meses, perante a possibilidade de default.
A preocupação é que a sucessão de incumprimentos leve a uma queda incontrolada que possa ter um impacto sistémico e risco de contágio que afete a segunda maior economia do mundo e o globo – com um efeito que poderia ser semelhante ao do Lehman Brothers. “Estes acontecimentos podem abalar a confiança dos investidores no setor imobiliário da China e nos mercados de grau especulativo em geral, possivelmente reduzindo o acesso a financiamento para entidades não relacionadas”, advertia uma nota recente da S&P. Os analistas, contudo, relativizam o desencadear de um tsunami, até porque apenas 17 mil milhões de euros são devidos a credores no estrangeiro. Mas estes poderão não ser tão brandos quanto os credores domésticos, a quem é devida a maior fatia.
“A realidade é que vai demorar semanas a perceber o impacto no crescimento [da economia], dado o impacto no mercado imobiliário”, afirmou Sebastien Galy, da Nordea Asset Management, numa nota citada pela Reuters.
As soluções
Centenas de investidores de toda a China juntaram-se recentemente frente à sede da empresa, em Shenzhen, para reclamar o retorno dos seus investimentos. Na semana passada a companhia garantiu que iria cumprir as suas responsabilidades e salvaguardar os direitos legítimos dos seus clientes (gestão de grandes patrimónios financeiros), propondo três possíveis vias de resolução, entre as quais a entrega de património imobiliário. Esta última, segundo o Global Times, já começou a ser aplicada. Outras duas soluções são o pagamento em tranches ou devolução do dinheiro já pago pela compra de imobiliário.
Esta quinta-feira vencem 529 milhões de euros em juros a pagar a detentores de obrigações denominadas em yuan, valor que entretanto foi alvo de acordo particular com o grupo chinês e que poderá não ser pago em dinheiro. “Isto parece sugerir que a empresa está a controlar a situação e a tentar encontrar uma solução com os credores,” disse à Reuters o analista Dexter Tan, da Bondsupermart.com. Mas falta ainda resolver um reembolso de obrigações denominadas em dólares e que equivale a 71 milhões de euros. E na próxima semana vencem mais 40 milhões de euros em juros de obrigações.
Esta quarta-feira o Banco da China injetou liquidez no sistema (12 mil milhões de euros) para acalmar os mercados. Para aliviar a pressão financeira, o grupo concordou entretanto vender 11% da HengTen Networks por 418 milhões de dólares – a Tencent, que tinha 16,9%, passará a deter 23,9%.
E agora?
As medidas recentemente tomadas – acordo com credores para evitar o incumprimento dos pagamentos desta quinta-feira e a injeção do Banco da China – ajudaram à recuperação dos títulos da Evergrande, que chegaram a subir 32% esta quinta-feira. Mesmo depois de um acionista, a China Estates, ter anunciado que quer vender a sua participação na empresa problemática.
O instituto estatístico chinês disse que, apesar da crise na Evergrande, o setor imobiliário local se manterá em franco desenvolvimento, de acordo com o noticiado no China Daily, meio controlado pelo PC chinês. Nos primeiros oito meses do ano, o investimento em imobiliário cresceu 10,9%, face a 12,7% um ano antes.
O caminho mais imediato da Evergrande deverá passar pela venda de património para resolver a sua crise de dívida. Segundo a Bloomberg, tanto agências de rating como investidores antecipam uma reestruturação da dívida da empresa e que, só em última instância, o Estado se chegue à frente para travar uma espiral descendente que contamine a economia e desencadeie uma crise de crédito semelhante à gerada em 2008 com a queda do Lehman Brothers. Mas, numa nota recente, a agência de notação financeira S&P dizia não prever nenhum apoio direto do Estado.À Deutsche Welle, o presidente do Kiel Institute for the World Economy, afastou comparações com a queda (e o efeito) do banco norte-americano. “Este não é um momento Lehman Brothers. O problema do Evergrande é basicamente chinês e não há um envolvimento em grande escala dos investidores internacionais”, afirmou Gabriel Felbermayr.