Pode não ser muito consensual que as crises sejam os momentos certos para reforçar ou alterar as culturas das empresas. Mas o que aparenta ser certo é que as empresas com culturas fracas saem fragilizadas em tempos de crise. Já que as que conseguiram construir culturas fortes ao longo dos últimos anos tenderão a sair reforçadas, segundo as conclusões do debate sobre como reforçar a cultura das empresas, inserido na iniciativa “O Futuro de Trabalho”.
Os novos padrões de trabalho forçados pela pandemia serviram como uma espécie do teste de algodão à solidez das culturas e lideranças empresariais. “No momento que vivemos, que é de enorme transformação, a cultura é o facilitador para o crescimento, apesar de haver empresas que estavam melhor ou pior adaptadas”, defendeu Pedro Amorim. O managing director da Experis Portugal indicou que “os líderes transparentes e que conseguem gerar confiança nas suas equipas” terão muito maior probabilidade de superar os desafios colocados em momentos como o que vivemos.
Pedro Amorim considera que os gestores de “empresas que não se adaptaram, e que tiveram a dissonância entre o que é ser líder e ser chefe, terão muitos problemas”. Até porque o padrão de trabalho que se observava antes da pandemia poderá nunca regressar. Também Pedro Afonso defende que “estes momentos da verdade põem à prova o que andámos a fazer nos últimos anos”. O CEO da Vinci Energies realça que “o trabalho de desenvolvimento da cultura é feito em longo prazo, em permanência e muito antes da chegada dos problemas”. E conclui: “Não é nesta altura que se desenvolve cultura”.
Mas essa perspetiva não é consensual. Maria de Fátima Carioca, dean da AESE Business School, refere que “tudo aquilo por que estamos a passar são momentos fortes e podem ser muito unitivos dentro de uma organização”. Defende que que “momentos fortes são momentos para criar cultura forte”.
Cultura das empresas posta à prova
A pandemia colocou desafios difíceis às culturas e lideranças empresariais. Maria de Fátima Carioca mencionou um estudo feito pela IESE em vários países sobre a emoções das pessoas que foram forçadas a ficar em casa. “Uns aceitaram, outros continuaram com uma zanga interior devido à situação e houve quem entrasse em depressão”. Num cenário deste tipo, indica a diretora da AESE, “a primeira coisa que o líder tem de fazer é gerir todas essas emoções que acabam por vir à tona e perceber como é que com uma equipa deslocalizada e virtual se consegue desenvolver coletivamente a cultura única e a unidade entre pessoas relativamente dispersas”.
Mas isso apenas pode ser assegurado se já se tiver construído uma cultura forte e uma liderança humilde nas organizações. “Não há milagres. Não é possível dizer agora que venham para aqui uns consultores porque as pessoas estão muito distantes”, realça Pedro Amorim. O managing director da Experis Portugal realça que quem tem mais ferramentas para lidar com este tipo de situações foram “os que construíram equipas fortes e operam com integridade as suas pessoas com culturas muito orientadas para a transparência”.
E é neste tipo de situações que vem ainda mais ao de cima a diferença entre chefe e líder, entre quem pensa ter todas as certezas e quem se preocupa em saber formular as perguntas corretas. “Mostrar confiança não significa mostrar certeza”, explica Pedro Afonso. O gestor detalha que “confiança e certeza são coisas diferentes e se tenho muitas certezas é porque alguma coisa não está bem”. O CEO da Vinci Energies considera que “o primeiro grande trabalho do líder é escolher a equipa com que trabalha e depois estudar muito para ter cada vez mais dúvidas e fazer as boas perguntas, de forma a levar as pessoas a encontrar as respostas necessárias para a descoberta de soluções”.
Apesar de todas as exigências colocadas pela pandemia, Maria de Fátima Carioca avisa que “o verdadeiro desafio começa agora”. O mais provável é que se assista à implementação de modelos híbridos, com algumas pessoas a trabalhar de forma presencial e outras de forma remota. Será necessário “impedir que os que estão distantes sintam que não estão presentes” e assegurar “uma única equipa entre os que estão perto e distante. Este modo híbrido é que é o desafio”.