Todos temos talento. O problema é descobri-lo. Esta é uma das principais mensagens deixadas por Juan Carlos Cubeiro, um dos maiores especialistas ibéricos em liderança, numa conversa com o diretor da Exame, Tiago Freire, inserida na iniciativa o “Futuro de Trabalho”. “Todas as pessoas têm talento, mas só poucas descobrem o talento que têm”, afirma o também advisor do Human Age Institute do Manpower Group.
Mas, afinal, como descobrir o talento? “Quando tens algo que gostas, que fazes bem, que o mercado considera e paga por isso, aí é talento”, responde Juan Carlos Cubeiro, autor de cerca de cinco dezenas de livros sobre liderança e coaching. O especialista, que aconselha algumas das maiores empresas espanholas, detalha que “talento é pormos em valor aquilo que sabemos, podemos e querer fazer”. E realça que “quando nas empresas dizemos que as pessoas são o mais importante, isso não é propriamente verdade. O talento é mais importante”.
Segundo as estimativas de Juan Carlos Cubeiro, 40% das pessoas nunca chegam a descobrir o seu talento. Isso pode ser explicado por fatores como o tipo de sociedade em que vivemos, que valoriza principalmente o espetáculo e o show business. Há vantagens e desvantagens, indica o especialista em liderança. Um dos pontos negativos é que há profissões muito úteis que não têm a mesma visibilidade e valorização que futebolistas e atores, algo que ficou bem evidenciado nesta crise pandémica no que diz respeito aos profissionais do setor da saúde.
Além da valorização do espetáculo, outro entrave à descoberta de talento pode residir na educação. Juan Carlos Cubeiro realça que em Espanha, por exemplo, a educação não aparece como uma das principais prioridades e preocupações da opinião pública. E isso é um problema, já que “não pode haver desenvolvimento do talento se não houver desenvolvimento da educação”. O especialista defende que “o talento é capacidade, compromisso e contexto” e que a escola tem de ajudar a desenvolver esse tipo de competências.
A escassez de talento, a contratação por aptidão e o despedimento por atitude
Para encontrar o talento, as pessoas têm mesmo de querer fazê-lo, defende Juan Carlos Cubeiro. E querer é mesmo querer e não apenas dizê-lo, sublinha. Ao mesmo tempo que muitos ainda não o descobriram, os empregadores desesperam por encontrá-lo: em cerca de 40% das posições para as quais procuram candidatos, as empresas acabam por não conseguir localizar aqueles que têm o talento pretendido para as funções, observa o especialista.
Na hora de contratar, as empresas olham principalmente para as competências técnicas, a aptidão e o conhecimento. Mas isso não quer dizer que as soft skills não sejam essenciais. Mas a regra, diz Juan Carlos Cubeiro é que as empresas “selecionam por aptidão e despedem pela atitude (soft skills)”.
Nas lideranças, este tipo de competências (como a autoconfiança, o autocontrolo a orientação para resultados, a empatia e a influência) são ainda mais essenciais, de forma a cultivar o talento coletivo. As empresas deveriam ter coaching individual e de equipa, sobretudo ao nível da direção. Temos de conseguir que o talento coletivo seja muito mais que a soma de talentos individuais”, aponta o autor.
As soft skills já são bastante valiosas e o mais provável é que no futuro tenham ainda mais importância. “Já ouvimos que dois terços dos empregos do futuro ainda não existem”, relembra Juan Carlos Cubeiro. Muitas funções que são desempenhadas atualmente por humanos passarão ser feitas por computadores ou robots. “O que não se vai digitalizar? A criatividade, a inteligência emocional e a empatia”, acrescenta.
Teletrabalho, capatazes e as novas lideranças
A pandemia forçou muitas empresas a fazer em cinco meses uma transformação digital de cinco anos. Muitos tiveram de ficar em casa em teletrabalho e a forma como este desafio está a ser encarado pode fazer a diferença entre o sucesso e o insucesso das organizações. “Com o teletrabalho, muita gente tenta reproduzir a burocracia e o taylorismo. Muitos ficaram 14 horas por dia à frente de um ecrã, o que não é produtivo”, refere Juan Carlos Cubeiro. O autor ilustra com o caso de Espanha que, tal como Portugal, é um dos países mais onde impera o “presencialismo”.
“Ficava-se até que o chefe fosse embora, porque o capataz queria sentir-se capataz e ter todas as pessoas. Em algumas empresas ainda se espera que quando isto terminar se vá regressar a este modelo. Mas o capataz não tem de regressar. Não aporta valor. Essa desconfiança, descontrolo e justificação da burocracia não fazem sentido”, considera o consultor.
Juan Carlos Cubeiro fala de uma “nova liderança” em que o líder quer ser o primus inter pares em vez do macho alfa que fala mais alto na sala. “80% a 90% das empresas continuam a escolher o homem que fala mais alto e vão morrer a uma velocidade rápida, contrariamente às que escolhem a autêntica liderança, inspiradora, integradora, imaginativa e intuitiva”. E realça que os países que têm este tipo de liderança com “ideias claras” e “empatia” (como Taiwan, a Nova Zelândia, Alemanha e os países nórdicos) têm conseguido gerir melhor a crise pandémica.
Futebol e liderança
Alguns dos livros de Juan Carlos Cubeiro analisam como o futebol pode ser um exemplo na liderança. O autor já se debruçou sobre os métodos de José Mourinho (quando o treinador português orientava o Real Madrid), Pep Guardiola e Zinedine Zidane.
Em comum, essas lideranças de sucesso têm a aprendizagem rápida e a vontade de “continuarem a crescer, a aprender e a melhorar”. Quanto a José Mourinho, o especialista considera que é um “criador de personagens” e mestre no “desenvolvimento de futebolistas de muito potencial”. Usa a provocação nas conferências de imprensa para “desviar a atenção e a pressão sobre os jogadores”. Já Zidane, o atual técnico do Real Madrid, é um exemplo na liderança de millennials (abaixo de 40 anos) e centennials: “Sussurra-lhes para que entendam os objetivos, mantém sempre a serenidade e tenta convencê-los de que estão num projeto entusiasmante,” exemplifica o especialista.
Os debates e reflexões sobre trabalho que decorrem até à próxima sexta-feira, 6 de novembro, decorrem no âmbito do evento “O Futuro do Trabalho”, uma iniciativa da EXAME. Os painéis, que se desenvolvem todos os dias às 11:00 e em alguns dias também às 12:00, podem ser consultados na imagem em baixo.