O acesso da região de Setúbal a fundos comunitários que permitam à península fazer a reindustrialização e a descarbonização das suas indústrias, aliada à digitalização, foi um dos temas centrais da segunda conferência realizada no âmbito do mais recente ciclo do Fórum PME Global, que decorreu esta quinta-feira naquela cidade. Entre as preocupações deixadas pelos participantes esteve a necessidade de destacar a região da Área Metropolitana de Lisboa (AML), onde foi incluída em 2013 e que, justificam, penaliza o território (o quarto mais pobre do País, cujo PIB é 55% da média europeia) no acesso a fundos comunitários.
“Foi uma medida tomada para robustecer a AML, mas foi um robustecimento artificial, pois corresponde a duas realidades distintas,” defendeu Nuno Maia da Silva. O diretor geral da AISET – Associação Industrial da Península de Setúbal disse que há anos se tenta reverter a situação, mas as entidades responsáveis não dão os passos administrativos necessários. “Existem na Península de Setúbal empresas com grande intensidade carbónica que têm de descarbonizar e digitalizar e para entrar na indústria 4.0 e precisam de beneficiar do Green Deal europeu e de outros fundos. E vemos o Green Deal a passar à nossa frente sem lhe podermos tocar,” acrescentou o responsável.
Em causa, citou o bastonário da Ordem dos Economistas, está a possibilidade de a região perder 2.000 milhões de euros em fundos devido a esta organização geográfica que fez confluir Grande Lisboa e Península de Setúbal numa única NUTS II, a Área Metropolitana de Lisboa. “Como recebem menos fundos também desinteressam os investidores,” adicionou Rui Leão Martinho, recorrendo depois aos casos da Autoeuropa, da Secil, da Navigator ou da Sapec para exemplificar os investimentos de que a região mais precisa para o novo ciclo. “Temos de encontrar empresas como as que se fixaram nos últimos 50 ou 60 anos e que nos últimos 20 deixaram de vir,” acrescentou.
Vinho, instrumentos médicos e o futuro digital
Diretamente visadas, tanto pelo enquadramento geográfico, como pelas possíveis estratégias de reindustrialização ou de fixação de novas atividades são as pequenas e médias empresas da região, duas das quais estiveram presentes com os seus exemplos numa mesa redonda nesta iniciativa da Ageas Seguros e da Ordem dos Economistas, um painel moderado por Camilo Lourenço.
Na área do vinho, em que a península é forte, Filipe Cardoso trouxe o exemplo da Quinta do Piloto, um projeto familiar já na quarta geração, que passou de produzir só vinho a granel para entrar também no vinho de quinta, apostando numa distribuição especializada e num preço mais elevado que a média. “O preço médio dos vinhos da região é barato, quisemos posicionar para vinhos diferentes. Optámos por colocar o preço lá em cima e não estar nas grandes superfícies e nessa faixa de preços,” disse o sócio-gerente da Quinta Piloto – Vinhos, Lda, que hoje recorre aos 200 hectares de vinhas próprias para produzir por ano cerca de 100 mil garrafas, vendidas a um preço que ronda os 6 euros por unidade.
Numa área muito diferente opera a Micromil, que a partir da região vende e dá assistência técnica a equipamentos de imagem médica. Sem dimensão, explicou o CEO, Mário Ramos, coube à empresa apresentar soluções de que a concorrência não é capaz e competir pelo preço num mercado, o de dispositivos médicos, de baixo custo e que é dominado por grandes empresas. “Conseguimos fazer o que uma grande empresa faz. Falta confiança do cliente Estado de que uma empresa como a nossa é capaz de fazer o que uma multinacional faz,” lamentou. Tal como outras firmas, teve de se reinventar na última crise (passou de empresa de vendas para uma de serviços) e foi isso que lhe permitiu crescer. Com a Covid-19, virou-se temporariamente para os equipamentos de proteção individual, o que lhe permitiu manter as portas abertas.
Essa transformação pela qual a generalidade das empresas já está a passar ou terá de vir a passar nos próximos anos na sequência da crise sanitária foi também abordada por Abel Aguiar na mesa redonda. Citando um estudo da consultora McKinsey, o diretor executivo para parceiros e PME da Microsoft Portugal disse que teremos ainda alguns meses de fase de resposta à pandemia, para depois, no segundo ou terceiro trimestre de 2021, entrarmos na fase da reimaginação. “O que os nossos estudos mostram é que quem fizer esse caminho agora acelera processos e poupa dinheiro,” disse, sublinhando a necessidade de perceber que a nova realidade não será igual à anterior, que as missões das empresas serão repensadas. “Não devemos cair no erro de pensar que realidade digital é o mesmo que tínhamos antes, mas em tecnologia – devemos identificar o que é que é único e não replicável e construir a estrutura à volta desse ativo crítico de uma forma digitalizada,” concluiu.
Inovar para prevenir
Com ou sem pandemia, o que não deixará de existir na vida das pessoas e das empresas é o risco. O que pode é haver formas de lidar com ele, nomeadamente prevenindo-o e evitando-o, como lembrou o CEO da Ageas, José Gomes. Na sua intervenção na conferência, desafiou as empresas a candidatarem-se ao prémio Inovação em Prevenção, uma iniciativa da Ageas e da EXAME, cujas inscrições decorrem até ao próximo dia 31 de outubro. A distinção, atribuída em parceria com a Ordem dos Economistas e o ISQ, pretende premiar e promover as boas práticas mais inovadoras nas áreas de prevenção e segurança e divide-se em quatro categorias: pessoas, património, ambiente e o melhor a nível nacional. “Não quer dizer prevenção ao nível da NASA”, salientou o responsável. “Podem ser coisas pequenas, processos. Não precisam de inventar.”
A propósito de prevenção, Alexandra Catalão, diretora de marketing da Ageas Seguros, chamou a atenção para a necessidade da prevenção na gestão do risco das empresas, desde logo porque, afirmou, os custos indiretos dos sinistros (impactos emocionais, interrupção de cadeia de produção) são quatro vezes superiores aos diretos, como os que têm impacto nos recursos físicos, ambiente, financeiros, danos a terceiros. “A prevenção é um investimento. Um investimento em prevenção tem custos, mas um retorno de 2,20 euros por cada euro investido,” afirmou, referindo-se a um serviço da seguradora, o PAR – Prevenção e Análise de Risco, que já diagnosticou o risco a quase mil empresas.
Esta é a segunda conferência deste segundo ciclo, tendo a primeira decorrido em julho em Viana do Castelo. Está prevista uma terceira, a realizar a 24 de novembro, em local ainda a definir.