Este artigo foi publicado originalmente na edição de maio de 2019 da EXAME, como parte integrante do trabalho “O dinheiro é verde?”
Antes de entrarmos no exercício propriamente dito, e nos sete dias em que tentei ser uma pessoa mais “verde”, um ponto prévio: algumas das opções ambientalmente mais responsáveis aqui referidas (como o uso de transportes públicos em vez de veículo particular) já fazem parte do meu quotidiano. Tal como acontece com a contenção de desperdícios energéticos e geração de resíduos.
Isso não inviabiliza comparações com outros cenários nem impediu que procurasse alternativas ainda mais responsáveis.
Parti para esta semana, a primeira de abril, com um pequeno cabaz de compras que tinha mesmo de fazer e que incluiu, por exemplo, detergente e amaciador para a roupa só com ingredientes naturais ou respeitadores do ambiente e uma escova de dentes biodegradável (bambu), a tempo de substituir a velhinha de plástico, comprados numa loja da especialidade; usei um saco de pano para substituir os de plástico nas compras mais frequentes. Pelo correio chegou, entretanto, um outro utensílio: uma cápsula de café reutilizável, para uso numa conhecida marca de máquinas. Mas nem tudo funcionou – ou correspondeu ao que era esperado.
As lojas sem plásticos são uma miragem, as poucas que disponibilizam produtos ambientalmente responsáveis ou a granel ficam distantes da minha zona de residência e uma deslocação até lá podia acarretar uma pegada ainda maior para arriscar comprar aquilo de que não precisava. Assim, por uma questão de conveniência – proximidade de casa e facilidade de concentrar tudo num só momento –, acabei a fazer as compras da semana ao domingo numa grande superfície comercial. E logo aí – talvez mais desperto por este trabalho – começou a dificuldade. São corredores e corredores de presença esmagadora de embalagens de plástico. É difícil, para não dizer impossível, encontrar algo que não tenha uma película deste género a envolvê-lo. Exemplos não faltam. Os pacotes das bolachas até são de cartão… mas por dentro estão em bolsas de plástico individualizadas. E quando, para evitar a já normal caixa de plástico, arrisquei comprar uma barra de manteiga de uma marca nacional que me parecia envolvida em papel, descobri ao chegar a casa que também esta película era… plástica.
É difícil, para não dizer impossível, encontrar algo que não tenha uma película deste género a envolvê-lo.
Será mais uma embalagem a caminho do ecoponto, e parte dos resíduos que produzo por dia – mais de 1 kg, a julgar pelas contas da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), que estima que cada português gera em média, por ano, 473 kg de resíduos. Deste valor, só 10% são enviados para reciclagem. Recolher e tratar resíduos custa mais de 75 euros por pessoa, por ano.
No hipermercado, perante a maré de plásticos, no carrinho de compras entrou o mínimo indispensável de produtos. Segui para os frutos e legumes e aqui – orgulhosamente – puxei do saco de pano e meti lá dentro tudo aquilo de que ia precisar para a semana. Coincidentemente, aquela superfície comercial tinha iniciado recentemente a venda de sacos de algodão na zona da fruta e até disponibilizava um cartão onde colar os códigos de barras obtidos nas balanças de pesagem. Também a zona da padaria, onde abundam as embalagens, tinha adotado recentemente um novo saco de papel, sem película plástica e feito a partir de fibras naturais 100% recicláveis.
As rotinas
Chegado a casa, procurei ainda adaptar as rotinas. Enquanto não chegou a cápsula reutilizável para uso na máquina, café só de cafeteira italiana para evitar lixo plástico. Produzi e consumi em casa o máximo de refeições possível, para poder controlar a origem dos produtos e reduzir desperdícios. Para o trabalho, a comida seguiu dentro de um recipiente reutilizável – um hábito que, confesso, já não adotava há algum tempo.
Os benefícios para a saúde parecem incontestáveis: nos EUA, segundo um estudo da George Washington University e da Universidade da Califórnia (Berkeley), quem come fast-food ou comida preparada em restaurantes apresenta níveis de ftalatos (químicos usados em embalagens descartáveis ou em luvas de manuseamento, por exemplo, que podem causar danos em vários órgãos do corpo humano) quase 35% superiores a quem cozinha e come a sua própria comida.
Durante uma semana, evitei também confecionar pratos com carne – um estudo publicado no ano passado na revista Science concluiu que as zonas de cultivo poderiam ser reduzidas em mais de 75% se abdicássemos do consumo de carne e de laticínios. Sem contar com o impacto na utilização de água e no papel do setor pecuário na emissão de gases de efeito de estufa – 14,5% do total, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Atenção redobrada às lâmpadas ligadas (quase todas já de baixo consumo) e a desligar os equipamentos em standby sempre que não estivesse em casa. Banhos rápidos e ensaboadelas com a torneira fechada – as temperaturas, anormalmente elevadas para a altura do ano, também ajudaram a suportar a experiência. Um copo de água para a lavagem dos dentes. Secar as mãos em toalha ou toalhete de papel – os secadores elétricos convencionais têm um impacto ligeiramente maior do que o papel na geração de emissões, segundo um estudo realizado pelo MIT em 2013.
Aconteceu a semana de experiência coincidir também com a do início da redução dos preços dos passes metropolitanos em Lisboa e no Porto. Mais dinheiro na carteira, potencialmente menor impacto no ambiente (no meu caso, o mesmo), mas nem por isso mais rapidez na chegada ao emprego. Durante os cinco dias úteis, procurei combinar variantes de transporte público e partilhado para um percurso diário de cerca de 38 km (19 km em cada sentido).
Uma viagem entre a zona de Santa Apolónia, em Lisboa, e a Quinta da Fonte, em Oeiras, onde está instalada a EXAME, demora em carro particular cerca de 30 minutos utilizando estrada e autoestrada. Em média, nos dias desta experiência, demorei quase três vezes mais (80 minutos) a fazer o percurso em cada sentido do que se viesse de automóvel. Uma média que foi deturpada pelo uso de bicicleta partilhada, como veremos à frente, mas que ainda assim se saldou por um impacto positivo no ambiente.
Fazer em automóvel o percurso de cerca de 185 km numa semana de trabalho significaria emitir 40 kg de CO2 para a atmosfera, de acordo com o site carbonfootprint.com. O mesmo percurso envolvendo o uso combinado de autocarro (23 km no total) e de comboio e metro (126 km) gerou quatro vezes menos CO2 – 10 kg, segundo o mesmo site.
Nesta semana, os 36 km que faltam às contas tiveram um impacto desprezível: 16 km foram percorridos em deslocações a pé (impacto nulo) e apenas 20 km numa boleia de automóvel (1,5 kg de CO2 neste caso).
Ao terceiro dia procurei tornar ainda mais ecológica uma parte do percurso até ao trabalho e substituir a deslocação em autocarro dentro de Lisboa pela bicicleta, aplicando os €21 poupados com a entrada em vigor dos novos preços dos transportes num passe anual da rede Gira. Mas não foi tarefa fácil. Só para chegar à estação mais próxima com bicicletas partilhadas disponíveis, na Praça do Município, em Lisboa, tive de percorrer 2,5 km a pé.
Em bicicleta elétrica, demorei meia hora até Belém, onde esperava deixar o veículo e daí seguir de comboio até Paço de Arcos. Mas foi impossível, porque a estação junto ao Padrão dos Descobrimentos, inativa, não permitia deixar a bicicleta e terminar a viagem. Para o fazer, tive de regressar ao Cais do Sodré, quase ao ponto de partida. É que, junto ao Tejo, todas as restantes três estações que encontrei pelo caminho também estavam inativas. Resultado: mais de uma hora perdida.
Em resposta por email a questões da EXAME, fonte da EMEL (que gere a rede) explicou que só 74 das 92 estações Gira estão em operação devido a falhas da empresa que fornece os veículos, a Órbita, como falta de bicicletas e de componentes. Coincidentemente, dias depois, a EMEL anunciou a rescisão do contrato com a empresa de Águeda, a aplicação de multas de €4,6 milhões por incumprimento do contrato e o lançamento de um novo concurso para a rede.
A cápsula que não funcionou
No meu local de trabalho, evitei ao máximo o uso de elevador para chegar ao segundo andar – além de mais ecológica, a opção pelas escadas também é mais saudável. Água, só a que entrou na garrafa reutilizável, o que permitiu reduzir o número de copos de plástico a zero (se, por absurdo, se usassem três copos por dia, seriam 15 por semana a ir parar ao caixote dos plásticos). Só no café continuei a recorrer à máquina de vending e aos copos de papel, dois por dia.
É que a cápsula metálica, comprada online a uma empresa na longínqua China, acabou por nunca funcionar na máquina por pressão insuficiente da água.
A cápsula metálica, comprada online a uma empresa na longínqua China, acabou por nunca funcionar na máquina por pressão insuficiente da água
Em casa, no trabalho e nas deslocações, sete dias foi pouco para perceber toda a extensão do resultado das escolhas ecológicas feitas nesta semana. Os produtos de limpeza amigos do ambiente continuam a ser utilizados, mas como são inodoros, fica-se no final com a sensação de que a roupa só passou por água. E confesso que a adaptação à escova de bambu ainda é um work in progress…
Nas poucas compras que tive de fazer durante a semana, foi quase impossível escapar aos invólucros plásticos, por muito que tentasse – numa loja de uma cadeia de supermercados de proximidade, até o alho-francês vinha embrulhado neste material.
Mas fica a esperança de que escolhas como a redução do uso de carne nas refeições e a recusa de materiais descartáveis possam ter feito alguma diferença. Ficou, pelo menos, a sensibilização para, sempre que possível, fazer a escolha mais ecológica. Mesmo que isso signifique perder mais algumas horas nos transportes ou gastar alguns euros extra em produtos menos agressivos para o ambient