É possível que um dos dados mais curiosos deste inquérito seja o facto de 93% dos inquiridos referir que pretende manter-se na empresa após ter passado este período crítico, provocado pela pandemia do [já não tão] novo coronavírus, enquanto os restantes 7% preferem pensar no desenvolvimento de um negócio próprio. Os gestores que responderam ao inquérito desenvolvido pela AESE Business School encontram-se, na sua maioria (59%), em teletrabalho a tempo integral. Apenas 19% dos inquiridos não estava em regime de trabalho remoto. Os restantes 22% estão a trabalhar a partir de casa a tempo parcial.
Esta iniciativa pretendia apurar o impacto da pandemia na vida familiar e laboral dos gestores, uma categoria profissional que fica muitas vezes esquecida e que vai ser posta à prova, sobretudo, no período de relativa normalidade que se espera após o verão. Para alguns especialistas, aliás, os líderes serão quem mais vai ter de reinventar-se, não apenas em termos de estratégias de comunicação mas também na forma como terão de comprometer-se e acompanhar as suas equipas, separadas por mais do que apenas um cubículo ou secretária.
É que, sim, parece já não haver dúvidas de que o teletrabalho veio para ficar. Embora a maioria dos gestores (90%) afirme não preferir o trabalho remoto a 100%, a verdade é que, em termos de produtividade, os resultados são animadores. Foram 64% os inquiridos que responderam que são tanto ou até mais produtivos no atual regime – e se tivermos em conta que grande parte dos profissionais não está a trabalhar nas condições ideais, com os filhos em idade escolar a ter aulas a distância, estes resultados têm ainda mais significado. Além de que ainda há a apontar o facto de, genericamente, as pessoas estarem a trabalhar mais horas do que num dia habitual de trabalho – 38% dos inquiridos referem que têm trabalhado mais de nove horas por dia.
No mesmo sentido, a conciliação com a vida pessoal e familiar tem uma avaliação relativamente positiva (são 47% os que respondem que a experiência está a ser positiva ou a decorrer sem problemas, e 40% os que admitem que, apesar de ser difícil, está a ser possível fazê-lo com alguma tranquilidade). No entanto, importa salientar que é aqui que a desigualdade de género tende a agravar-se: entre as mulheres, 17% afirmam que tem sido muito difícil garantir essa conciliação. Entre os homens, esse número desce para 10 por cento.
E depois?
Este inquérito tentou também perceber que alterações poderemos esperar, nas empresas, após o período do “Grande Confinamento”. Uma delas deverá ser o número de viagens de trabalho, até aqui tidas como fundamentais na sua grande maioria. No entanto, 76% dos gestores inquiridos consideram agora que vão passar a viajar menos: os conselhos dados pelos especialistas em alterações climáticas, que há vários anos defendem que muitas das reuniões e dos encontros profissionais podem ser substituídos por videoconferências, vão finalmente ser ouvidos.
São eles também os que mais têm aplaudido a experiência positiva do trabalho remoto, lembrando que a poluição causada pela utilização intensiva de transportes públicos e individuais tem igualmente a sua quota-parte no agravamento de alguns problemas de saúde – nomeadamente os respiratórios. Em declarações recentes à revista EXAME, Pedro Matos Soares, físico especialista em alterações climáticas, sublinhava que, se se conseguisse manter parte das pessoas em teletrabalho e se se fizessem apenas as viagens de trabalho absolutamente essenciais, “a qualidade ambiental das cidades seria muito melhor. “Haveria menos ruídos, por exemplo”, notava. “Do ponto de vista desta quarentena fatídica, podemos dizer que isto nos permite perceber que as cidades se tornam muito mais agradáveis se tivermos a consciência de que a qualidade do ar é muito importante”, reforçava o investigador do Instituto Dom Luiz, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
E é curioso que, apesar de estarmos genericamente separados dos nossos colegas de trabalho, a verdade é que, para os gestores ouvidos pela AESE Business School, o trabalho em equipa não apenas sobreviveu (50%) como em grande parte dos casos (46%) aumentou. Para Ramiro Martins, o professor que dirigiu este inquérito, esta questão pode prender-se com o facto de as lideranças se terem também mostrado mais atentas àquilo que são as necessidades individuais de cada um dos elementos das suas equipas, o que tem um efeito coletivo positivo.
Durante a apresentação dos resultados deste inquérito, realizada à distância, naturalmente, Ramiro Martins destacou ainda o facto de as reuniões online – que têm ocupado parte considerável dos dias de todos nós – se terem revelado, para 35% dos gestores, sobretudo entre os mais jovens, mais produtivas do que os encontros presenciais. Este professor de Política Comercial e Marketing na AESE Business School, que acumula décadas de experiência em contexto empresarial, mostrou-se genericamente otimista com os resultados não apenas deste inquérito mas também da experiência a que fomos todos obrigados. “Quando vemos que empresas como a Google dizem que os trabalhadores só retomarão o trabalho presencial em 2021, que estão muito satisfeitos com os resultados do registo em teletrabalho, creio que devemos ficar otimistas. Vamos minimizar a presença, e isso são menos custos de viagens, menos custos de equipamento, menos custos nos seguros de acidente de trabalho, menos custos de imobiliário: tudo isto sempre foi apontado como possível, mas nunca se teve coragem para implementá-lo”, recorda o responsável, salientando que uma redução genérica de custos é sempre bem vista com bons olhos pelas organizações, sobretudo em tempos de incerteza como aqueles que se avizinham.
Na certeza de que viveremos num mundo diferente após o “Grande Confinamento” – e 75% dos inquiridos admitem uma mudança na sua vida –, o grande desafio será aprender com esta experiência e tentar evitar ser novamente apanhado desprevenido. Apesar de muitos defenderem que esta pandemia não era expectável, Catarina Horta, diretora de Recursos Humanos do Novo Banco, recordava recentemente à EXAME que, “quando trabalhava na Marconi, alguns anos antes do 11 de Setembro [de 2001], fomos avisados de que tínhamos de ter um plano de contingência para o caso de nos entrar um avião pela janela. Na altura, toda a gente achou aquilo um disparate. Mas, afinal, o avião entrou mesmo pela janela de empresas…”, nota a responsável, lamentando que as organizações sejam tão pouco abertas a planos para acontecimentos inesperados. “Acho que as empresas vão finalmente levar a sério estes planos de contingência que, muitas vezes, eram concebidos para encher papel”, sublinhava na ocasião.
Certo é que as mudanças foram feitas, estão à vista e tiveram impacto na estrutura hierárquica de todas as organizações, num acontecimento sem precedentes da História recente. Talvez seja por isso que 44% dos gestores que responderam ao inquérito da AESE acreditem mesmo que, depois disto, o mundo mudará para melhor.
Artigo publicado originalmente na edição 434, de junho, da revista EXAME