O grupo Sea Me tem, atualmente, 10 espaços físicos (para quatro restaurantes) e quatro marcas virtuais: os restaurantes Sea Me – Peixaria Moderna, Soão, O Prego da Peixaria e Meat Me e os virtuais Olivia, Dionísio, Sea Me at home e A-BAO-T, criados em pleno Confinamento.
“O Olivia surgiu como um spin off do Prego da Peixaria”, explica António Querido à EXAME. Com nove opções de hambúrgueres, a marca foi lançada no dia 17 de março, ainda nem havia estado de emergência, e só é possível aceder-lhe nas plataformas de entrega ao domicílio Uber Eats e Glovo. Logo depois surgiram a Dionísio (uma garrafeira online com a carta de vinhos dos restaurantes do grupo), o Sea Me at Home (que entrega peixe fresco já amanhado aos lisboetas) e a A-BAO-T, desta feita um spin-off do Soão, que se comprometeu a entregar em casa os melhores baos (uns pãezinhos asiáticos brancos cozidos a vapor) e que também só tem presença virtual.
António Querido, que partilha a propriedade do grupo com outros dois sócios, explica que as quatro marcas foram uma reação quase natural ao encerramento dos quatro restaurantes que, durante o Grande Confinamento, foram obrigados a fechar portas e a colocar 70% do pessoal em lay-off. Entretanto, já foram retomando a atividade, com exceção do Meat Me, no Chiado, em Lisboa.
Praça virtual para chegar mais longe
Agora, outro desenvolvimento natural: o nascimento da Brothers&Sisters, uma praça de alimentação virtual que vai levar os produtos dos vários conceitos do grupo a quem quiser consumi-los em casa, e que implica um investimento em redor dos 100 mil euros, revela o empresário à EXAME.
“É um conceito que já existe em outros países, o das dark kitchen, que é basicamente uma cozinha onde se recebem apenas pedidos online e onde é possível confecionar os pratos que temos disponíveis nas várias marcas, e que permitem que as pessoas escolham o que preferirem sem pagarem várias taxas de entrega”. A nova cozinha do grupo está a ser montada em Telheiras, o que faz com que o Sea Me chegue também a uma zona de Lisboa onde ainda não tinha presença: Benfica, Telheiras, Sete Rios…O objetivo é que comece a funcionar ainda este mês de julho, se tudo correr conforme o planeado.
Na verdade, Querido não põe de parte ter mesmo um serviço de entregas próprio, a médio prazo. Um cenário que é preciso começar a considerar, numa altura em que os hábitos de consumo parecem mesmo ter-se alterado com os consumidores a querer consumir cada vez mais em casa. O facto de haver apenas duas grandes empresas que prestam serviços de delivery em Lisboa faz com que se torne difícil negociar as taxas, o que pesa bastante nos custos dos restaurantes, explica.
Em países como o Brasil ou os EUA, onde a entrega de refeições em casa é muito comum há vários anos, a grande maioria dos restaurantes ou grupos empresariais tem as suas próprias frotas de estafetas. Poderá ser um caminho a considerar se se confirmar a tendência de aumento de compra de refeições para consumo caseiro.
A Brothers&Sisters é a “solução perfeita para os jantares de amigos, onde cada um quer um prato de inspiração diferente, por exemplo”, justifica à EXAME o empresário, sentado a uma das mesas do Sea Me – Peixaria Moderna que, entretanto, voltou a abrir as portas.
Abrir as portas a uma nova realidade
No entanto, o cenário não é particularmente animador: a lotação máxima foi, como em todos os espaços, reduzida a metade, e o facto de a grande maioria das empresas que operavam no Chiado ter os funcionários ainda em trabalho remoto levou a decisões: agora o Sea Me só abre para almoços entre sexta-feira e domingo, a carta foi reduzida e o preço médio global baixou em 20% – “com cortes nas margens dos vinhos, sobretudo”. Ao jantar, se antes a faturação chegava aos 11 mil euros por noite, “hoje não passa dos mil euros”, nota António Querido.
Apesar de ainda ser cedo para fazer prognósticos, os acionistas não descartam a hipótese de fechar um dos espaços do grupo, se isso for essencial para garantir a sustentabilidade da empresa, que hoje emprega cerca de 200 pessoas. É que só no eixo Cais do Sodré – Chiado, onde estão o Sea Me, o Meat Me e um dos Prego da Peixaria – as perdas têm sido na ordem dos 80% a 90%, revela o empresário.
Até agora, o Soão parece ser o menos afetado, com uma quebra de apenas 10% na sua atividade. Globalmente, o Prego da Peixaria perde 15%.
E pede iniciativa ao Governo para legislar as questões das rendas, por exemplo, que representam um dos mais elevados custos fixos para os restaurantes que não possuem espaços próprios. “Temos 10 espaços. Falei com todos os meus senhorios para pedir uma reunião onde pudéssemos falar da questão do valor das rendas. Sabe quantos acederam a sentar-se à mesa comigo? Um! Era importante perceber se há algo que se possa fazer. Como é que eu consigo pagar ao mesmo valor da renda se agora faturo dez vezes menos?”, questiona. “E olhe que eu sou um liberal, mas acho que há questões que têm mesmo que ter decisões do Estado, porque isto não é uma situação normal”, esclarece.
10 anos de história
António Querido está, ainda assim, otimista. O grupo Sea Me celebra este ano o seu 10.º aniversário, pelo que já nasceu em crise, cresceu num cenário económico adverso e tem conseguido resistir às tempestades.
Primeiro, foi o Sea Me – Peixaria Moderna, que em 2010 apareceu, querendo homenagear os pescadores, a tradição do peixe fresco, mas trazer ainda inspirações asiáticas a uma cozinha que se quer muito portuguesa. Um conceito high end, em pleno Chiado lisboeta, que rapidamente passou a fazer parte dos restaurantes ‘de culto’ dos amantes da gastronomia na capital.
Logo depois, no mesmo ano, avançavam com O Prego da Peixaria – outro conceito, com refeições mais baratas, e com mais espaços físicos espalhados pela cidade. Um prego de peixe fresco, leve e de qualidade.
Em 2018, foi a vez do Soão – Taberna Asiática, que conquistou a Avenida de Roma com pratos inspirados na culinária de seis países asiáticos, uma decoração discreta e convidativa e muita originalidade na confeção. E logo no ano seguinte, em 2019, o Meat Me, um restaurante dedicado totalmente às carnes, sobretudo as maturadas, no Chiado. Ao lado do Teatro Nacional de São Carlos, o Meat Me destaca-se ainda pelo bar de estilo clássico que encanta os amantes de um bom cocktail.
“Tínhamos imensas coisas pensadas para celebrar os 10 anos do grupo, na verdade”, admite o responsável da empresa. Mas a verdade é que a Covid-19 lhe trocou as voltas, como fez a tantas outras organizações nacionais e os eventos pensados ficaram adiados sine die. Por isso, ao invés de festas de celebração, agora há mais marcas para gerir e projetos novos a nascer.
Há, naturalmente, também dúvidas sobre o investimento que vai ser feito e se vai ser possível recuperá-lo num tempo sensato, mas para António Querido não parece haver alternativa: é preciso reagir, tendo em conta a informação disponível e aquilo que parece ser a vontade do consumidor.
O Sea Me continua assim a mostrar capacidades para se reinventando para fazer face às diversas fases do ciclo económico. Em 2018 – o ano mais recente de que há contas públicas – tinha uma situação financeira confortável, com lucros garantidos na ordem dos vários milhares de euros e com um risco de failure baixo, segundo os dados da Informa D&B.
O coronavírus chegou em ano da viragem da década, mas os acionistas não estão particularmente temerosos. “Acho que vamos emagrecer, mas também acho que vamos ser das maiores organizações em Lisboa”, acredita Querido, de olhos postos no futuro, e sobretudo no final do ano, quando espera que Lisboa volte a receber visitantes a um ritmo mais parecido com o dos anos anteriores. Porque, para já, a única certeza é a de que este verão está perdido.