É o que se chama de ‘casamento perfeito’. Menos de três meses depois de ter sido criado, o projeto OpenAir, fundado por João Nascimento – estudante de neurociências em Harvard – integra agora a Organização Não-Governamental para o Desenvolvimento (ONGD) Médicos do Mundo Portugal (MdM). “Desde o início que o cunho do projeto era muito humanitário, e era preciso fazer chegar isto a quem trabalha esta questão humanitária”, começa por dizer à EXAME João, o criador da plataforma. “Por isso começámos a fazer a lista, com os médicos [que integram o OpenAir], como é o caso do Pedro Póvoas, das organizações que podiam fazer sentido, e chegámos à Médicos do Mundo”.
Isto porque a alternativa, explica o responsável, era o próprio OpenAir transformar-se numa associação para conseguir lidar com todas as questões burocráticas que advêm de certificações, implementação de projetos em diversas geografias do globo e afins. Algo que não fazia sentido a João Nascimento, uma vez que “já há muitas organizações com conhecimento no terreno” e que podiam fazer esse trabalho de forma mais eficiente.
Esta plataforma foi responsável, entre outros projetos, pela criação de um ventilador de emergência patenteado em nome da Humanidade, e cujo objetivo é que seja passível de ser produzido em qualquer lugar do mundo.
Em termos muito simples: a OpenAir desenvolve os produtos e a MdM fá-los chegar a quem mais precisa. Esta é a ideia dos responsáveis, que depois de semanas de reuniões chegaram a um entendimento sobre a melhor forma de integrar o projeto colaborativo na organização.
Para Carla Paiva, diretora-geral da MdM Portugal, depois de passada a desconfiança inicial de que o João Nascimento que a contactava era efetivamente o mesmo que tinha conseguido juntar mais de 1 000 especialistas de todos o mundo à volta de projetos muito concretos, passou à fase da análise da aplicabilidade de cada um no terreno. “Havia um sem número de pormenores que desconhecíamos e durante mais de uma semana tivemos reuniões diárias para perceber o que poderia continuar ou não, dentro da OpenAir e da Médicos do Mundo”, esclarece, divertida.
Academia e mundo de mãos dadas
Numa entrevista conjunta à EXAME, os responsáveis mostram-se entusiasmados com esta integração, que junta uma equipa alargada de voluntários da MdM e que deu um “entusiamo extra” aos participantes da plataforma OpenAir, garante João Nascimento. O fundador da OpenAir integra – “foi uma condição sine qua non para aceitarmos continuar”, diz Carla Paiva – a ONG e, com Ana Pinto de Oliveira, diretora de projetos nacionais e internacionais da MdM vai dedicar- se a ajudar a quebrar, ainda mais, as barreiras no acesso a cuidados de saúde.
“A MdM tem estada em expansão e temos estado a criar a área de Investigação e Desenvolvimento, pelo que é aí que o OpenAir se integra. Está numa área que implica a aproximação à academia, que era um dos objetivos que tínhamos”, esclarece Carla Paiva. “Era um marco importante fechar o ano de 2020 com esta ligação sustentável e com um plano de desenvolvimento concreto”.
O projeto OpenAir, que junta especialistas voluntários de todas as áreas, tem atualmente quatro projetos ativos. Um é o ventilador de emergência, cujos primeiros 20 protótipos deverão estar prontos em breve; outro o Vent2Life, criado para permitir a reparação de ventiladores que estivessem avariados mas que está a ser alargado a outro tipo de equipamento hospitalar (aliás, a MdM já iniciou as conversações com a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo para alargar a atividade).
Estão já em produção os ‘Frontline Medical Kits’, desenhados em parceria com médicos do exército, certificados pelo Citeve e que permitem 25 lavagens antes de perderem a eficácia e estão em desenvolvimento umas máscaras de proteção que podem ser esterilizadas no microondas, reduzindo a sua pegada ambiental e permitindo a sua utilização em hospitais de campanha ou países onde as máquinas de lavar são inexistentes.
Este último projeto está a ser liderado por uma cientista portuguesa da Agência Espacial Europeia “e é o que está mais atrasado, porque com o fecho das fábricas houve partes do processo que demoraram mais do que seria esperado”, esclarece João Nascimento.
Do papel para o terreno
Os ‘Frontline Medical Kits’ começaram esta semana a ser distribuídos pelos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, graças a um financiamento da Federação Portuguesa de Futebol e da SIC Esperança que, em conjunto, permitiram a produção e oferta de 5 000 kits. Todos eles são made in Portugal, e saem (à razão de mil por semana) da bracarense Latino Group.
“Agora estamos a pensar em como conseguir começar a colocar tudo isto em lugares onde geralmente não há acesso a este tipo de produtos. No caso do ventilador de emergência, por exemplo, assim que as certificações estiverem garantidas, a ideia é formar as pessoas nos lugares e fazê-las criar este tipo de equipamentos”, salienta Carla Paiva. “Mais uma vez, estamos no caminho que queríamos. Por que não vai alguém da academia dar formação, por exemplo, a Moçambique [onde a MdM Portugal voltou a estar presente desde o ano passado] para a criação destes produtos?”.
O princípio da MdM é, desde sempre, mais do que garantir ajuda imediata, capacitar recursos e deixar no local conhecimento para que os países criem as suas próprias capacidades de criação. “Esta é outra das mais-valias deste projeto: conseguirmos ter algo concreto e palpável que não seja apenas entregar, mas que implica treino, implica envolvimento, chamada a academia…” congratula-se Carla Paiva.
E já há mais projetos na calha: “Vamos ajudar na criação de duas plataformas para apoio logístico da MdM e para a comercialização de alguns produtos com outros parceiros” adianta João Nascimento. Isto para começar. Porque agora as necessidades no terreno deverão passar a ditar a criação – no fundo, exatamente como aconteceu aquando da criação do OpenAir, mas de uma forma mais sustentada e prolongada no tempo.
Quanto à reação dos voluntários que responderam ao apelo de João Nascimento, foi “muito boa”, garante o responsável. “Houve um boost de entusiasmo quando anunciámos a parceria com a MdM e nesse sentido, acredito que com o andamento do processo haja uma nova dinâmica. Porque no fundo as pessoas queriam ver os seus produtos aplicados. Agora, é normal que alguns acabem por voltar à sua vida (risos). Mas por outro lado há colegas que os querem substituir e, portanto, acho que a equipa acaba por se auto-renovar. Isto são sistemas vivos dinâmicos e orgânicos que inevitavelmente sofrem mudanças”, atira com um sorriso descontraído de que tem a certeza de uma coisa: “As pessoas querem ajudar e isso é o que importa”, atira em jeito de conclusão.