Os líderes das autoridades monetárias dos Estados Unidos e da Zona Euro estiveram hoje frente a frente com os representantes eleitos no Congresso norte-americano e no Parlamento Europeu. E se levaram retratos semelhantes da evolução das duas das principais economias mundiais – com reflexo na criação de emprego e no aumento dos salários –, também deixaram avisos distintos para o que aguarda a economia mundial nos próximos meses.
Christine Lagarde, que falava perante os eurodeputados a propósito do relatório anual de 2018 da instituição a que preside, sublinhou os ganhos salariais e o desemprego em mínimos de mais de uma década na área do euro para ilustrar o resultado dos esforços de dinamização da economia. Mas notou a desaceleração da economia desde o início de 2018 e chamou uma vez mais a atenção para a forte dependência dos estímulos do BCE.
“A política monetária não pode e não deve ser a única solução em prática. Quanto mais tempo as nossas medidas acomodatícias permanecerem, maior o risco de efeitos colaterais se tornem mais pronunciados,” alertou, acrescentando que o banco central está a avaliar os possíveis efeitos negativos dos estímulos (que já hoje têm impacto em áreas como a poupança, a avaliação de ativos e os preços do imobiliário) “para garantir que não superam os impactos positivos”.
Lagarde, que esta semana cumpre 100 dias à frente do Banco Central Europeu, salientou o papel que os Governos podem ter nesta fase marcada por um ambiente de juros negativos. “Medidas orçamentais e estruturais também têm de ter o seu papel. Podem aumentar a produtividade e o potencial de crescimento, sustentando a eficácia das nossas medidas,” defendeu. Por outras palavras, sinalizou que os países europeus com margem orçamental, caso da Alemanha, por exemplo, devem gastar mais.
Do outro lado do Atlântico, e com uma hora de diferença, Jerome Powell levou ao Congresso um retrato ligeiramente mais colorido da situação. Ali, a economia cresce há 11 anos (apesar de o ritmo no segundo semestre do ano passado ter acusado o impacto das guerras comerciais, com reflexo no setor industrial), acompanhada de um mercado de trabalho forte e uma taxa de desemprego em mínimos históricos, estando também os salários a aumentar.
Se algumas das incertezas em torno do efeito da guerra comercial entre a China e os Estados Unidos foram atenuadas recentemente – nomeadamente com a assinatura da fase 1 do acordo entre as duas potências – os riscos do ponto de vista de Washington mantêm-se. E vêm uma vez mais de Oriente, com potencial para causar danos maiores. “Em particular, estamos a acompanhar de perto a emergência do coronavírus,” afirmou o presidente da Fed. Para o responsável, o vírus – que já matou mais de 1000 pessoas e infetou mais de 40 mil – “pode conduzir a perturbações na China que contagiem o resto da economia global.”
Sem querer detalhar, Powell disse que a Fed está a avaliar se o surto poderá ter efeitos persistentes ou materiais na economia americana, mas admitiu que venha a afetar a prestação económica da China durante a primeira parte do ano, bem como nas relações comerciais com parceiros na Ásia e na Europa.
Embora considere que o atual nível de taxas de juro é adequado à realidade da economia (depois de três cortes no ano passado), garantiu que a Reserva está pronta a agir em caso de o quadro macroeconómico se alterar significativamente. “Responderemos adequadamente,” afirmou.
As intervenções dos dois líderes das autoridades monetárias sublinharam ainda em comum os esforços dos dois lados do Atlântico para estudar o potencial e os impactos da criação de moedas digitais supervisionadas por bancos centrais.
Christine Lagarde recordou a task force criada em janeiro em Frankfurt para avaliar entre seis bancos centrais como uma moeda desta natureza poderia ajudar a servir os cidadãos e a apoiar os objetivos do Banco Central Europeu, uma experiência que será partilhada também com o Banco de Pagamentos Internacionais, organismo que coordena a atuação dos bancos centrais mundiais e que é chamada de banco central dos bancos centrais.
Já o presidente da Reserva Federal norte-americana disse que a criação da Libra – a moeda digital que um consórcio liderado pelo Facebook pretende lançar – foi uma chamada de atenção para o setor. Embora acredite que demorará algum tempo até que o dólar físico venha a ser substituído ou complementado por um correspondente digital, Powell disse que a Fed está a estudar o tema, sem se comprometer com nada em concreto.
“Estamos a trabalhar arduamente nisso, temos muitos projetos em curso, muitos esforços. (…) Ainda não decidimos [dólar digital]. “Há muitas perguntas que têm de ser respondidas em torno de uma moeda digital para os EUA, incluindo assuntos de privacidade, segurança e apresentam-se muitas alternativas operacionais.