Tudo o que é bom tem um fim. No último trimestre, a taxa de desemprego não desceu pela primeira vez em dois anos. Significa isso que, ao longo desta legislatura, o alívio sentido no mercado de trabalho pode estar à beira de terminar? A EXAME decidiu olhar para as mudanças observadas no emprego, desde que António Costa tomou posse. O balanço é claramente positivo, mas ficaram problemas por resolver.
O atual Governo está em funções desde novembro de 2015. Entre o terceiro trimestre de 2015 – o último antes de Mário Centeno chegar ao Terreiro do Paço – e o terceiro trimestre deste ano, foram criados 328 mil postos de trabalho, com a taxa de desemprego a recuar de 11,9% para 6,7%. Estas são melhorias significativas que surpreenderam todos, incluindo o próprio Governo. Por exemplo, a previsão das Finanças para a taxa de desemprego de 2017 – que até era otimista, em comparação com as instituições internacionais – era 10,3 %. Na realidade, o valor médio anual acabou por ser 8,9%. Este ano, a diferença pode ser ainda maior: a estimativa era 8,6% e deve ficar em torno de 7%.
João Cerejeira, professor da Universidade do Minho e especialista em mercado de trabalho, reconhece que a evolução foi surpreendente, principalmente porque “o emprego cresceu mais do que a economia”. “Houve crescimento do emprego sem grandes ganhos de produtividade”, acrescentou. “O peso do trabalho na economia tinha vindo a cair. As empresas dispunham de alguma margem.”
A recuperação do mercado de trabalho não começou com este Governo. Ela vem progredindo desde o pior momento da crise, no arranque de 2013. Contudo, essa recuperação ganhou ritmo nos últimos dois anos e foi especialmente forte no ano passado.
O Governo e os partidos da esquerda atribuem este resultado às medidas de devolução de rendimentos, que terão criado um ciclo positivo na economia. É difícil aferir o seu impacto, mas existe um fator que sabemos ter sido decisivo: a aceleração do turismo. Isso é visível no destaque que o alojamento e a restauração têm na recuperação do emprego. Dos 328 mil empregos líquidos criados, 79 mil tiveram como destino hotéis, restaurantes e cafés. E isto em um de cada quatro novos postos de trabalho, o que é muito, principalmente tendo em conta que o setor só representa 7% da população empregada do País.
Se a este ramo juntarmos a indústria que deu um salto nos últimos anos, encontramos a explicação para os 40% do crescimento do emprego nos últimos três anos. “Em 2015 e em 2016, a restauração e o alojamento tiveram uma importância muito grande. Em 2017-2018 começou a surgir a indústria”, refere João Cerejeira.
Os outros setores com bons desempenhos são o transporte e a armazenagem, a construção e a educação. Mas nem todos têm sentido os ventos da recuperação nas suas costas. Três setores contraíram nestes três anos e um deles estagnou. A maior sangria ocorre na agricultura e nas pescas, setor que segue a trajetória de perda iniciada em 2012, com menos 41 mil trabalhadores. Esta legislatura trouxe também contrações no comércio e nas atividades domésticas, tendo estagnado nas indústrias extrativas.
A dependência do turismo deve ser acompanhada, uma vez que o tipo de emprego criado tem uma dimensão sazonal, normalmente com salários baixos, e não é um setor particularmente produtivo. Ter um peso cada vez maior pode não ser uma semente promissora para uma economia que se quer modernizar.
Temperaturas mais baixas
Embora as notícias tendam a ser positivas, os últimos dados sugerem o fim da euforia. O terceiro trimestre deste ano trouxe uma estagnação da taxa de desemprego nos 6,7%. O emprego bateu numa parede? “As limitações da procura de trabalho foram aliviadas, agora o problema é a oferta”, nota o professor João Cerejeira. Começa a faltar mão de obra capaz de preencher as necessidades das empresas. “Há um abrandamento da criação de emprego por falta de mão de obra disponível.”
Não sabemos se os próximos meses trarão uma verdadeira travagem ou apenas um abrandamento da descida. O Governo espera que o desemprego continue a cair, em 2019, para 6,3%, e a Comissão Europeia, que está mais pessimista sobre o crescimento, tem a mesma estimativa. No entanto, as descidas deverão abrandar substancialmente até deixarem de ocorrer. Dificilmente conseguiremos ter taxas de desemprego na casa dos 3%, como na Alemanha. “Vamos ficar com uma taxa de desemprego natural relativamente alta. Devíamos perceber porquê”, diz João Cerejeira.
A médio prazo, esse será um dos principais desafios para Portugal: manter o dinamismo do mercado de trabalho num País a envelhecer e a perder população. Os estímulos à natalidade são um caminho, mas, embora sejam estas políticas essenciais, demoram décadas a ter efeito. A entrada de estrangeiros pode constituir um apoio decisivo. “É necessária uma política de imigração mais aberta”, refere o professor. “Há setores que se queixam de demasiada burocracia na contratação de trabalhadores.”
Um problema que também ficou por resolver é o elevado nível de precariedade dos vínculos. Ainda que a maioria esteja a ser contratada para os quadros das empresas, o rácio de trabalhadores com contrato a prazo não está a ser invertido. Em 2015, eram 18,8% dos empregados por conta de outrem. Hoje, estamos quase na mesma: 18,6%. É uma das percentagens mais elevadas da União Europeia. “A manutenção do elevado nível de precariedade no mercado de trabalho é o principal ponto negativo da evolução dos últimos anos”, sublinha João Cerejeira. Recorde-se que, logo em 2016, o combate à precariedade laboral foi assumido como uma prioridade pelo Governo.
Desemprego de longa duração
Ao longo destes três anos, o mercado de trabalho atravessou por transformações importantes. Do lado do desemprego, aqueles que procuram trabalho, há mais de dois anos, começaram finalmente a abandonar as filas do desemprego, seja porque se reformaram ou porque encontram trabalho. Em meados de 2016, o desemprego já tinha recuado, mas praticamente metade dos desempregados estava nessa situação há mais de dois anos. Uma percentagem elevadíssima. Em dois anos, a queda foi assinalável, e esse rácio está agora em 34% – ao longo desta legislatura.
Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego jovem também continuou a cair, neste caso seguindo a trajetória iniciada em 2013. Esta chegou a estar acima de 42%, tendo-se fixado em 20% no trimestre mais recente. É o valor mais baixo pelo menos desde 2011.
Salários mexem pouco
O balanço no emprego é positivo, mas, do lado dos salários, o progresso tem sido limitado. Os dados da Segurança Social mostram que as remunerações-base têm crescido desde 2015, mas em termos reais sempre abaixo de 1%.
“Importa sublinhar que, tipicamente, nos períodos de retoma, pode haver alguma distorção da média salarial, provocada pela criação de novos postos de trabalho com níveis salariais mais baixos do que se verificam nos postos de trabalho mais antigos”, pode ler-se no mais recente relatório de acompanhamento dos efeitos da subida do salário mínimo.
Os números do INE – que olham para a remuneração líquida – mostram uma realidade mais cor de rosa no último ano. Nos três primeiros trimestres de 2018, o salário médio avançou acima de 3,5% face ao mesmo período do ano passado. Estes números têm a desvantagem de dependerem de um inquérito mas, ao contrário dos dados da Segurança Social, abrangem toda a economia, incluindo funcionários públicos, e englobam todos os elementos da remuneração.
Algumas medidas mais simbólicas do Governo têm ido no sentido de se reforçar os rendimentos, como é o caso das subidas anuais do salário mínimo (SMN), que aumentou de 505 euros, em 2015, para, previsivelmente, 600 euros em 2019. Isso tem levado a que cada vez mais pessoas estejam abrangidas pela retribuição mínima: em 2012, perto de 13% dos trabalhadores por conta de outrem recebiam o SMN, tendo chegado a atingir valores superiores a 23% neste ano. Os economistas tendem a considerar que percentagens demasiado elevadas são um problema, porque criam rigidez na escala salarial e menor dinamismo económico.
No entanto, há boas notícias neste capítulo: o último relatório de acompanhamento do salário mínimo mostra que, pela primeira vez desde que o salário mínimo começou a aumentar, a percentagem de abrangidos recuou face ao valor homólogo. Em junho deste ano, estava em 22,1% e um ano antes situava-se nos 22,3%. “2018 é o primeiro ano em que, depois de uma atualização da RMMG [Retribuição Mínima Mensal Garantida], se regista um decréscimo homólogo, no primeiro semestre, da proporção de trabalhadores abrangidos pela RMMG”, refere o relatório.