John McClane entrega uma arma ao vilão Hans Gruber, mas quando este o tenta matar com ela, a pistola não dispara. “Ups… Não há balas! Achas que sou estúpido, Hans?” A cena é do clássico “Die Hard” de 1988, mas um cenário semelhante poderá ser vivido no Ministério das Finanças em 2019.
Mal André Silva, deputado do PAN, veio a público dizer que a meta de défice do próximo ano ficaria entre 0% e 0,2% do PIB, o Governo apressou-se a esclarecer na imprensa que ficava mesmo em 0,2%, o valor já anteriormente fixado. Além de poupar chatices com o Bloco e o PCP, não fazer mudanças agora mostra também cautela em relação aos meses que aí vêm. É que, nesta legislatura, Mário Centeno tem tido a ajuda de um vasto conjunto de munições que começarão em breve a perder relevância, tornando mais desafiante a consolidação orçamental. Pode o ministro acabar a disparar armas sem balas? Em baixo, referimos algumas das suas principais dores de cabeça. Yippee-ki-yay!
Crescimento económico
Talvez daqui a alguns anos olhemos para trás e verifiquemos que a surpresa positiva do défice de 2017 se deveu essencialmente ao facto de o crescimento ter ultrapassado por larga margem o valor orçamentado, dando também uma ajuda a 2018. Inicialmente estimado em 1,5%, o PIB de 2017 acabou por avançar 2,8%. O valor mais elevado desde 2000. Isso significou mais emprego, o que se traduziu em muito mais receita para o Estado, sob a forma de contribuições e impostos, mas também menos despesa, por exemplo, com subsídios de desemprego. Tudo parece indicar que a economia entrou agora numa fase de desaceleração. O Governo espera um crescimento 2,3% este ano e o mesmo resultado no próximo. Os resultados da primeira metade de 2018 parecem bater certo com essa previsão. Dificilmente voltaremos a ter uma grande surpresa no crescimento, que suavize o esforço orçamental como ocorreu em 2017 (e, em parte, se arrastou para este ano).
Juros da dívida
É outra fonte que poderá secar. As contas públicas têm beneficiado de uma progressiva redução da fatura do Estado com juros. No entanto, há um limite para esse impacto. A poupança nesta área ascendeu a 277 milhões de euros em 2017 e 307 milhões em 2018. Dificilmente continuará a haver poupanças desta magnitude nos próximos anos, ainda que as previsões do Governo apontem para um alívio progressivo do peso desta despesa até 2021 (são quase 500 milhões só em 2019).
Dividendos do Banco de Portugal
Foi outra ajuda imprescindível para cumprir a meta de défice que deixará de contribuir para a consolidação. Este ano, o Banco de Portugal distribuiu dividendos de 500 milhões de euros, quase mais 150 milhões do que em 2017 (nesse ano, esta receita tinha crescido 166 milhões). Um pouco como os juros, espera-se uma estabilização desta receita. Mais uma arma a ficar sem balas.
O mistério do Novo Banco
2019 não seria um ano tipicamente português se não tivesse uma injeção de capital num banco. Ainda não está definido, mas o relatório e contas do Novo Banco assinalou que, olhando para os números dos primeiros seis meses de 2018, precisará de receber 726 milhões de euros do Fundo de Resolução, em 2019. Embora não esteja fechado, dificilmente o antigo BES não penalizará as contas de Centeno.
Garantia do BPP
Digamos que é uma arma que pode ficar guardada no coldre, mas acabar por dar uma ajuda em 2019. Mário Centeno contava com uma munição de 377 milhões de euros este ano com a recuperação da garantia dada pelo Estado ao BPP. Contudo, o Público escreveu sexta-feira que 200 milhões podem não chegar este ano e ficar para 2019. Isso significaria um obstáculo extra para a meta de 2018, mas também um ligeiro alívio para as contas do ano que vem. Pode não ser uma má troca, uma vez que a execução de 2018 parece estar a correr bem, com o Conselho das Finanças Públicas a prever esta semana um défice de 0,5% do PIB, abaixo até da previsão do Governo (0,7%).
Limites de poupanças
Uma parte das poupanças com que o Governo tem contado deve-se a maior eficiência em determinadas áreas. Há dinheiro para encontrar aí, mas não é uma mina que possa continuar a ser escavada. Por exemplo, para este ano, o Governo espera poupar 287 milhões de euros, através de um “exercício de revisão da despesa”, que o Conselho das Finanças Públicas tem alertado que está pouco especificado. Ainda em 2018, há também 300 milhões vindos de um congelamento do consumo intermédio (papel para a impressora de uma repartição de finanças, giz nas escolas…), assim como 180 milhões de “contenção de outra despesa corrente”. No total, são mais de 760 milhões de euros em otimização ou controlo apertado dos gastos. Uma estratégia que tem limites.
Ainda neste tema do “há limites para tudo”, temos de falar do investimento público. Depois de uma forte quebra em 2016 – em que a rubrica atingiu mínimos históricos – o investimento já começou a recuperar. Ainda assim, a execução está bastante abaixo do orçamentado. Têm existido justificações para os atrasos, relacionadas com os fundos comunitários, mas nalguma altura o investimento público terá de regressar a valores mais próximos da média pré-crise, sob pena de uma contínua degradação de equipamentos e infraestruturas, como estamos a observar, por exemplo, na ferrovia.
Compromissos antigos
O Orçamento do Estado de 2018 irá também condicionar o orçamento de 2019. Por exemplo, no Programa de Estabilidade, estavam previstos 155 milhões de euros de perda de receita no próximo ano devido à alteração dos escalões de IRS aplicada este ano; e 52 milhões de despesa para fazer face ao aumento extraordinário das pensões, realizado há dois meses, em agosto. Estão também previstos 150 milhões para reforços de RSI, abono de família e prestação social para a inclusão. Além disso, haverá uma pressão redobrada nos gastos com funcionários públicos, fruto do descongelamento das carreiras.
Riscos ainda em 2018
A poucos dias da apresentação do OE 2019, esse é o ano que merece, nesta altura, maior atenção. Porém, apesar de estar a terminar, 2018 não está isento de riscos e algumas das armas de Mário Centeno podem começar a disparar pólvora seca nos últimos meses do ano. O Banco de Portugal, que continua a considerar “exequível” o objetivo de défice de 0,7%, assinala que a segunda metade de 2018 terá algumas pressões adicionais, a começar pelo perfil de pagamento do subsídio de Natal aos funcionários públicos (que deixou de ser em duodécimos), assim como o já referido o impacto gradual do descongelamento das carreiras e do aumento extraordinário de pensões. Por último, além das interrogações em torno da garantia do BPP, existe também alguma incerteza sobre receita fiscal.
Ainda assim, importa reconhecer que em 2016 Mário Centeno já enfrentou bastantes dúvidas sobre a sua capacidade de controlar as contas públicas, tendo até agora batido as metas propostas, mantendo vivos os acordos com o BE e o PCP, ao mesmo tempo que o país saía do Procedimento dos Défices Excessivos e do “lixo” das agências de rating. Não se deve por isso excluir que o ministro encontre uma nova metralhadora para o próximo ano.
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