A palavra “inovação” corre o risco de ficar banalizada, na medida em que está a ser invocada para tudo e por todos. Entre os mitos e equívocos raramente falados, o facto é que muitas vezes quando as organizações falam de inovação, falam mais no sentido de “benchmarking” e no sentido de tentar chegar à fronteira de possibilidades (tema que abordarei num próximo artigo), do que deslocar essa fronteira. É esquecido também que investir na produção de um bem ou serviço verdadeiramente inovador tem um custo elevado, e traz muitas incertezas quanto ao seu resultado. Para além de requerer tempo e exigir esforço contínuo. Todos os colaboradores, independentemente do seu posicionamento na estrutura funcional da organização e de poderem estar, ou não, incubados em centros de pesquisa (se existirem), podem ser uma fonte rica de ideias e de novos processos. Este facto, muitas vezes, parece ser segredo, mas na realidade não o é. Esta forma de olhar para os colaboradores da organização, como “empreendedores por dentro”, é muitas vezes chamado “intra-empreendedorismo” ou as vezes designada por “corporate entrepreneurship” (em inglês).
Um dos primeiros autores a identificar o intra-empreendedorismo terá sido Norman Macrae, primeiro em 1976 e posteriormente em 1982, em artigos da revista The Economist. No seu primeiro artigo relacionado com este conceito, o autor diz que as empresas que encontrassem formas alternativas de realizar as suas atividades seriam mais dinâmicas no futuro. No segundo artigo, o autor concentra-se na necessidade de formação de grupos para iniciar atividades intra-empreendedoras. Em 1992, o The American Heritage Dictionary introduziu a palavra “intra-empreendedor” no seu dicionário, cuja definição é: “uma pessoa dentro de uma grande empresa que tem responsabilidade direta em tornar uma ideia num produto final lucrativo após a inovação”. Atualmente, “Intra-empreendedorismo” é um conceito estabelecido.
Os exemplos mais conhecidos de intra-empreendedores incluem Spencer Silver e Art Fry, da 3M, que, em 1980, criaram o Post-it, e Ken Kutaragi, da Sony Computer Entertainment, em que as suas ideias deram origem à PlayStation. O próprio Steve Jobs afirmava que o desenvolvimento do computador Macintosh era um projeto intra-empreendedor da Apple.
Os intra-empreendedores, para além de sugerirem e conceberem novas oportunidades de negócio, também desenvolvem esforços para reunir os recursos necessários para as desenvolver. A importância do intra-empreendedorismo deve-se não só ao facto de novas estratégias poderem emergir da atividade empreendedora de qualquer colaborador da organização, mas também ao facto de o intra-empreendedorismo poder explicar as diferenças no desempenho das organizações.
Contudo, o intra-empreendedorismo é referente aos casos em que toda a organização pode ser considerada empreendedora, e não simplesmente alguns indivíduos/áreas da organização. Assim, o foco não estará no “quem” é intra-empreendedor, mas sim em “o que faz” um intra-empreendedor e em “como” promover um intra-empreendedorismo amplificado.
Na maioria das vezes, nos meus contactos regulares com gestores, eles dizem que praticam intra-empreendedorismo. No entanto, muitas vezes não passa de uma recolha de ideias (às vezes, por via de uma plataforma criada por este efeito). Contudo, as ações empreendedoras não resultam apenas da vontade dos gestores para que elas aconteçam. Em geral, o empreendedorismo no contexto organizacional implica que os indivíduos sejam livres de tomar iniciativas e concretizar ações que sejam novas para a organização. Pela natureza das organizações, estas tendem a impor restrições ao comportamento empreendedor. É necessário que o espírito empreendedor seja introduzido na missão, objetivos, estratégia, processos e valores da organização. Aliás, o empreendedorismo organizacional pode, em si mesmo, ser considerado uma estratégia, mas requer um forte e contínuo empenho de todos, em todos os níveis da organização. Promover empreendedorismo organizacional requer uma abordagem sistemática. A sua organização tem?
A 3M e a Google são empresas que compreenderam há muito tempo a importância de criar um ambiente interno favorável ao intra-empreendedorismo. A Google tem uma “regra de 20%” como forma de promover o intra-empreendedorismo. Ou seja, durante esse intervalo de tempo, os seus colaboradores podem utilizar o seu tempo de trabalho no projeto que quiserem. Assim, os colaboradores dedicam um dia por semana ao desenvolvimento de novas ideias. Esta estratégia da Google teve como resultados o Gmail, o Google News ou o website Orkut.
Na 3M, alguns dos seus colaboradores podem dedicar 15% do seu tempo a projetos por si selecionados e a sua política de inovação representa cerca de 30% das receitas de produtos introduzidos nos últimos anos.
Nas próximas décadas, a chave para criar valor nas organizações pode ser o intra-empreendedorismo, muitas vezes através de projetos inovadores desenvolvidos por colaboradores fora dos centros de I&D das organizações. Os intra-empreendedores podem ser os inventores ou os criadores, mas são sempre os sonhadores que entendem como transformar uma ideia em algo real e lucrativo. Aproveitar a experiência e o conhecimento dos colaboradores para inovar e estar à frente da competição é um dos recursos ainda pouco usufruídos pelas organizações. No entanto, é importante salientar que o sucesso do intra-empreendedorismo depende muito das questões organizacionais das organizações, bem como da sua liderança.