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António Portela está à frente da Bial desde 2011, onde sucedeu ao pai, Luís Portela, que foi o rosto dos laboratórios nortenhos durante várias décadas. O filho agarrou o leme da empresa da família no ano crítico da chegada da troika, que lhe trocou as voltas e adiou vários projetos. A entrada no mercado norte-americano com o primeiro medicamento de patente portuguesa (para a epilepsia), em 2014 (depois de muitos atrasos), trouxe 25 milhões de euros e foi um dos balões de oxigénio para retomar o trabalho em novas moléculas. Foram anos de aperto, em que não dispensou a experiência do pai. Sucedeu ao seu pai em 2011. O que mudou na gestão da Bial? Inevitavelmente mudaram algumas coisas, porque somos pessoas diferentes na forma de gerir. Apesar disso, temos um alinhamento estratégico semelhante. Nos últimos quase cinco anos em que assumi a presidência do grupo estamos numa fase diferente, que é consequência do trabalho feito para trás. Estamos hoje a conseguir um processo de internacionalização muito forte e de investigação e desenvolvimento (I&D) também muito forte, fruto daquilo que foi plantado há 25 anos. O meu pai e a equipa dele tiveram uma visão fantástica no final dos anos 80, quando decidiram apostar sair deste cantinho à beira-mar. Quando assumiu o lugar de CEO da Bial, veio o resgate financeiro, houve cortes nos preços de medicamentos, com uma política mais agressiva nos custos da Saúde. Qual foi o impacto na companhia? Teve consequências e impactos importantes quer na Bial quer na minha vida pessoal. Foi um período de embate forte em termos da gestão que foi necessário fazer. Foram anos em que estávamos com investimentos fortíssimos para trazer os nossos medicamentos (de patente portuguesa) para o mercado para colher os frutos a nível internacional e, entretanto, a situação fica muito difícil em Portugal, muito apertada durante três a quatro anos. As medidas restritivas tiveram um impacto de 45 milhões de euros na nossa faturação (acumulado de 2010 a 2014). Teve de haver uma gestão milimétrica dos investimentos? Adiaram projetos? A partir do momento em que patenteamos um medicamento, pomos o relógio a contar. No nosso medicamento para a epilepsia (o primeiro de patente portuguesa) foi isso o que aconteceu. E houve atrasos… Houve atrasos como consequência do seu desenvolvimento e da nossa inexperiência. Na Europa, o processo foi relativamente simples, mas nos EUA foi mais complexo, o que coincidiu com o período de grande aperto em Portugal. Foi muito complicado, porque contávamos ter entrado nos EUA em 2010-2011 e só o fizemos em 2014. Teve a ver com questões de dossiês (para as autorizações de introdução no mercado – AIM) e exigências com algum protecionismo da FDA (Food and Drugs Administration, o regulador norte-americano). Perdemos três anos e meio de mercado nos EUA e estimamos que o custo da informação clínica adicional que tivemos de produzir e do atraso no período de comercialização ultrapasse largamente 100 milhões de euros. Serem uma pequena companhia portuguesa, desconhecida nos EUA, penalizou o processo? Por um lado, há grandes interesses que não compreendemos na totalidade, dada a complexidade de como funcionam as autoridades americanas. Por outro, de repente aparece uma empresa portuguesa a submeter um dossiê junto das autoridades americanas da qual eles nunca ouviram falar, de um país do qual provavelmente nunca ouviram falar também, ou, se estavam a ouvir falar, era pelas piores razões – sendo que é também um país sem tradição de indústria farmacêutica e de I&D. Aquilo que nos pediram ?foi além do razoável, mas compreendemos as circunstâncias – a FDA tem lidado com alguns casos complicados com empresas que já conhece há vários anos -, e nós éramos uma empresa sem pergaminhos. As autoridades norte-americanas vieram cá? Sim, somos auditados e inspecionados pela FDA. Como é que aguentaram a espera? Estamos a falar de várias dezenas de milhões de euros e não podemos parar os ensaios clínicos, não é eticamente correto fazê-lo, porque há doentes que estão em tratamento. Não termos entrado no mercado dos EUA implicou não termos o retorno de que estávamos à espera e termos que investir à mesma. E os bancos a cortar no crédito, não? Talvez devido à solidez do nosso projeto e à equipa que gere esse projeto, sempre tivemos um apoio forte da banca. Sempre foram nossos parceiros, viram que tínhamos entrado na Europa e perceberam que seria uma questão de tempo de mais algum aperto e aguentaram connosco. Voltando às consequências… Concentrámo-nos em absoluto no desenvolvimento quer do medicamento para a epilepsia, quer para a doença de Parkinson, e noutros que estavam mais avançados. Destes dois primeiros, um já estava no mercado europeu e quase no americano e o outro estava em fase III, a última fase de desenvolvimento clínico. Todos os projetos em fases mais iniciais ficaram a aguardar, embora não completamente parados. Estamos agora a retomá-los e irão demorar mais tempo a chegar ao mercado. Aliás, o medicamento para o Parkinson está a demorar mais dois anos do que previmos. Quais são as expectativas atuais para esse medicamento? Esperamos tê-lo no mercado europeu no próximo ano. Já está finalizada toda a fase de desenvolvimento clínico e o medicamento está em aprovação junto das autoridades europeias. A outra consequência foi o adiar do nosso outro projeto forte de internacionalização [abriram este ano filiais na Alemanha e no Reino Unido], que estamos a retomar agora. Têm parceiros na Europa e nos EUA (para a venda do antiepilético), mas as parcerias ainda são a estratégia para os grandes mercados? Queremos agora ser nós a liderar o processo na Europa. Não ter parcerias, ou mantê-las apenas em alguns países em que possamos não estar (fisicamente). Nos grandes países queremos ser nós a estar (sozinhos). Queremos desenvolver mais o medicamento na Europa, mas também preparar o caminho para o futuro medicamento para o Parkinson, para que sejamos nós também a liderar o processo. Como estão as vendas nos EUA do medicamento para a epilepsia? Dos cerca de 200 milhões de euros que faturámos no ano passado, 50 milhões de euros foram do antiepilético e metade destes vieram do mercado norte-americano (em oito meses de 2014, não foi um ano completo). Quais são os projetos que estão a ser retomados? Temos dois projetos em fase I, um para a hipertensão arterial pulmonar, que é uma doença mortal e que tem hoje muito poucos tratamentos. Há outro projeto em fase I, que faz parte de uma plataforma onde existem outras moléculas em desenvolvimento pré-clínico, não na área do sistema nervoso central, mas na área cardiovascular – que são, aliás, as nossas duas grandes apostas de investigação. Este último projeto parece-nos muito promissor. Tudo o resto que temos em fase I e em fase pré-clínica está relacionado com o sistema nervoso central. Ainda não está muito bem definido aquilo que poderão fazer, mas potencialmente terão efeitos na dor, inflamação, talvez na depressão e na ansiedade. Dos dois projetos que estão em fase I, qual é a calendarização em termos de chegada ao mercado? São projetos que dependem do que vier a acontecer e do tempo que as autoridades nos concederem para os desenvolver, porque ainda não entrámos em negociação. Esperamos que ambos possam chegar ao mercado até 2020. São moléculas bastante inovadoras em áreas com desafios terapêuticos ainda muito grandes e esperemos que as autoridades sejam sensíveis a isso e que nos deem um tempo para chegar aos doentes de forma segura, mas o mais rápido possível. Há abertura das autoridades para reduzir estes tempos? Por um lado, há exigências maiores das autoridades, não só no sentido de confirmar a eficácia e de que o fármaco é melhor do que aquilo que já existe, mas também de confirmar a sua segurança (onde existe uma maior preocupação e pedidos de mais ensaios). Mas, por outro lado, nas áreas onde existem poucas opções terapêuticas ou onde existem complicações (de saúde) muito graves, que matam a maior parte dos doentes, há uma maior abertura das autoridades para acelerar programas de desenvolvimento clínico. Hoje, ao contrário de há 10 anos, já se fala com as autoridades antes do desenvolvimento clínico e definem-se os planos em conjunto, ou pelo menos com o visto das autoridades, o que dá outra segurança às autoridades e a nós. As alergias são outro foco da vossa atividade. Como está a unidade de vacinas em Bilbau (Espanha)? Temos vindo a desenvolver as nossas vacinas, temos três inovadoras, recombinantes (feitas com extratos produzidos em laboratório, isto é, geneticamente modificados, com elevada pureza), para o tratamento de alergias, que são projetos que também foram afetados pela situação de aperto. Não fizemos despedimentos, não reduzimos nem em termos de unidade nem de área comercial, antes pelo contrário, até porque as nossas operações em Espanha têm corrido de forma muito positiva. Crescemos 16% no ano passado e queremos manter os investimentos – as nossas vacinas estão muito direcionadas para as alergias severas -, e aqui ainda não temos calendário, estamos a definir isso. Provavelmente precisaremos de parcerias para desenvolver as vacinas, porque é um mercado mais incipiente, apesar de as alergias serem muito prevalentes a nível mundial (afetam 30% da população, segundo a Organização Mundial de Saúde). Quais são as expectativas de crescimento para 2015 no mercado nacional e internacional? Em Portugal, se conseguirmos faturar o que faturámos no ano passado, já ficaremos satisfeitos. E o primeiro semestre está em linha com isso. A nível internacional, esperamos crescer bem (em Espanha, Alemanha e Reino Unido), a dois dígitos, de uma forma que nos permita, como grupo, crescer a dois dígitos também. Mesmo pesando o contributo que a indústria farmacêutica foi chamada a pagar (cortes nos preços dos medicamentos, acordos com o Governo para poupança nas comparticipações e um novo imposto para o sector), mantém a vontade de continuar por cá? Quando olhamos para a área comercial em Portugal, aí fomos muito afetados. Percebemos que Portugal viveu um período difícil e, portanto, teve de haver ajustamentos. Mas na área do medicamento foi-se além do que se devia. No passado já havia esse alerta de que se estava a ir longe de mais… E nos últimos quatro anos ainda se foi mais longe na área do medicamento. Percebemos que era necessário fazer alguns ajustes, mas o mercado português do medicamento hoje vale tanto quanto valia em 2000 ou 2001. Estamos a falar de 15 anos de ajustamento, que na Saúde veio sobretudo da área do medicamento – quando este pesa relativamente pouco face a outras despesas. Nesse aspeto, sentimos que não fomos acarinhados. Mas quando pensamos em investir, temos de o fazer em algum lado e as condições que nos têm sido dadas em Portugal são boas. Em termos de incentivos? Em termos de incentivos podemos dizer que somos muito acarinhados. Houve uma série de medidas, até a nível fiscal, para quem investiu, com um desagravamento na taxa de IRC. Mas a outros níveis também. A matéria-prima que temos é boa. Entre investir em Portugal ou noutro sítio qualquer, preferimos investir em Portugal. Essa é uma opção nossa e que iremos manter no futuro. O desenvolvimento que temos pensado na área industrial e de I&D será feito em Portugal. Isso é um compromisso nosso. Estava a referir que Portugal tem boa matéria–prima. O grande aumento das exportações da Saúde, que têm batido recordes, é o reflexo dessa realidade? É um dos reflexos claros dessa realidade. Infelizmente, a indústria farmacêutica em Portugal tem vindo a diminuir nos últimos anos. Houve empresas que foram vendidas, outras que fecharam, mas as que se mantiveram têm feito um esforço enorme de desenvolvimento. A indústria nacional hoje é quase a única que produz medicamentos em Portugal e que faz I&D. A indústria portuguesa tem procurado desenvolver-se o suficiente para sair e ter pessoas qualificadas ajuda muito a que isso aconteça. Voltando a estes últimos anos, quais foram os maiores desafios? O meu pai é uma pessoa com um perfil muito forte. Não é fácil suceder-lhe. Para mim, a área mais desafiante foi a de I&D, que era a que conhecia menos, depois de ter passado por quase todas as áreas da empresa. Aí foi onde dediquei muito do meu tempo, até pela importância que tem para nós. A gestão apertada (em termos financeiros) e a área de I&D foram os dois grandes desafios neste período. Há que não esquecer – talvez o maior legado que o meu pai me deixou – a equipa que o meu pai criou ao longo dos anos, que é muito sólida, com muita experiência, preparada para estes embates e me ajudou muitíssimo na gestão destes equilíbrios difíceis que tivemos de fazer. Foi o período mais difícil? Pessoalmente, foi o período mais difícil. E da história da companhia? Não sei se terá sido o mais difícil. A altura do 25 de Abril coincide com o falecimento do meu avô e terá sido um período ainda mais difícil. Quando imagino o meu pai com 28 anos, que não tinha a equipa por trás que tem hoje, provavelmente esse período terá sido bem mais difícil. Como é que ele acompanhou esta transição? Ele tem estado presente. Retirou-se do dia a dia da empresa, mas as decisões estratégicas passam por ele. Foi ajudando a todos. A Bial foi, em julho, alvo de buscas da Polícia Judiciária por suspeitas de pagamento de prémios a médicos para prescreverem medicamentos da empresa. A administração estava a par destas práticas? A administração não está a par de quaisquer práticas ilícitas ou suspeitas de ilegalidade por parte dos nossos colaboradores. Estamos perfeitamente seguros de que agimos dentro da lei e com o objetivo de melhor servir os interesses da saúde das pessoas. Como parte do nosso trabalho, realizamos, tal como toda a indústria farmacêutica, estudos clínicos, epidemiológicos e observacionais com objetivos muito bem definidos: confirmar a eficácia e segurança dos medicamentos, compreender as questões epidemiológicas associadas às diferentes patologias, estudar o efeito das diferentes terapêuticas em vários tipos de pacientes. (Estes estudos) estão bem definidos por lei e regulamentados pelas autoridades, tal como as contrapartidas que são dadas aos profissionais de saúde pela participação e trabalho nos ensaios. Uma última questão relacionada com o lado mais espiritual do seu pai e o livro que ele escreveu, em que fala de conceitos como a alma, a vida além da morte, a reincarnação… Também tem esse lado menos convencional? Acho que o meu pai tem uma apetência muito especial por essa área desde muito novo. Lê muito sobre essas matérias, escreve sobre isso, e obviamente que os meus irmãos e eu crescemos ouvindo o meu pai e temos muita abertura para esse tipo de sensibilidade. O efeito placebo (por exemplo) ninguém se dedicou aprofundadamente a estudar, porque é que há tantos doentes que respondem de forma positiva ao placebo. Na tecnologia e na ciência avançámos muitíssimo, mas nesta área há uma barreira.
NÚMEROS
220 milhões de euros é quanto a Bial estima atingir em volume de negócios este ano, mais 20 milhões de euros do que em 2014. De 2013 para 2014 as vendas cresceram 18% graças à atividade internacional
45 milhões de euros a mais seria quanto a companhia teria faturado sem os cortes nos preços dos medicamentos durante a troika (perda acumulada entre 2010 e 2014 ). “É o nosso contributo anual”, refere o CEO, AntónioPortela, acrescentando que “é um impacto brutal no desenvolvimento de novos produtos”
2011 e 2012 foram anos de prejuízos na Bial, que em 2013 registou break–even para voltar aos resultados positivos em 2014. Neste período ficaram projetos por fazer, mas a companhia investiu entre 40 e 50 milhões de euros por ano
900 trabalhadores da Bial estão espalhados pelo mundo, dos quais 100 são investigadores. Em Portugal, são 400 colaboradores. A farmacêutica vende medicamentos em 56 países e tem filiais em oito: Espanha, Itália, Costa do Marfim, Angola, Moçambique, Panamá, Alemanha e Reino Unido, além de Portugal
MACEDO TEVE MÉRITOS
Portela diz que o ministro fez bem em mexer nos serviços hospitalares e em ter-nos posto a pensar sobre o que queremos na Saúde
António Portela não duvida que a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma questão que continuará a ser discutida no futuro, porque “não se planeia a longo prazo. Os custos com a Saúde irão sempre aumentar, porque haverá mais inovação, viveremos mais anos e temos um problema demográfico, com menos pessoas a contribuir (para o sistema). Não há milagres!”, reflete o CEO da Bial. Haverá mais casos semelhantes aos da hepatite C, em que houve um braço de ferro entre o Ministério da Saúde e a farmacêutica, acabando o preço do fármaco por ser bastante reduzido. Mais uma vez a indústria apareceu como a má da fita. “Não conheço os detalhes, mas, do que sei, os medicamentos novos da hepatite C curam 90% a 95% dos casos e as consequências desta doença saem caríssimas ao SNS. São custos que deixamos de ter no futuro”, afirma António Portela. Sobre o desempenho do ministro da Saúde, Paulo Macedo, o gestor diz que “teve o mérito de mexer em muitas coisas que precisavam de ser mexidas [pega no exemplo da reorganização de alguns serviços hospitalares, onde acha que se deve ir mais além] e de nos pôr a pensar no que queremos em termos de saúde. Claro que todos gostávamos de ter um hospital à porta, com todos os serviços disponíveis, mas é preciso pagar por isso. O que esquecemos é que sai dos nossos impostos e, se não temos impostos suficientes, se calhar o hospital tem de ficar um bocadinho mais longe”.
Este artigo é parte integrante da edição de agosto da Revista EXAME |
“Preferimos investir em Portugal”
Tiago Miranda
Acelerar a descoberta de novas moléculas, apressar a entrada no mercado do novo medicamento para a doença de Parkinson e a internacionalização são o foco da Bial explica o seu presidente, António Portela. Depois da troika e de vários projetos atrasados, o laboratório nortenho volta a dar gás ao negócio