A Unilever já definiu o alvo: dentro de cinco anos, quer atingir os 80 mil milhões de dólares de vendas. A companhia de produtos de grande consumo está a pôr em prática uma série de políticas que permitirão atingir esse objetivo e os seus líderes acreditam que ter mais mulheres nas equipas de gestão poderá ajudar muito. “Há imensos relatórios de pesquisas, feitas por consultoras ou universidades, ligando o equilíbrio de género em diferentes companhias aos resultados financeiros, ao bottom line”, afirma Avivah Wittenberg-Cox, uma autoridade em assuntos de diversidade de géneros ou de nacionalidades. “Para uma grande empresa como a Unilever, com 80% dos seus clientes sendo mulheres e muitos concorrentes a trabalhar nesta área, este tema é altamente estratégico.”
Avivah Wittenberg-Cox esteve nos escritórios de Lisboa da Unilever-Jerónimo Martins para, durante um dia inteiro, mostrar como mais mulheres nas equipas significa mais negócio. “A Unilever já é muito equilibrada em termos de nacionalidades, portanto estamos a trabalhar apenas o equilíbrio de géneros”, explica a CEO e fundadora da 20-first. Em entrevista exclusiva à Exame, explicou que “se colocar todas as mulheres nos Recursos Humanos e todos os homens na fábrica, isso acaba por não lhe trazer os benefícios da diversidade.”
Como persuade os CEO de que este tópico é importante?
Só lhes mostro os números. Digo-lhes porque outras companhias estão a olhar para este tema, mostro-lhes as estatísticas internas. Há muitas razões pelas quais as mulheres significam negócio: de liderança, talento, marketing, de inovação. Sessenta por cento dos licenciados em toda a Europa, nos Estados Unidos e na maior parte do mundo são mulheres.
Se as mulheres constituem a maioria da população, a maior parte dos licenciados, e têm uma carreira porque é que as empresas continuam a não as incluir nas equipas de gestão de topo? É racional que elas têm um contributo a dar.
A maioria das pessoas acredita que gere os seus negócios de forma muito racional, mas quando trabalhamos este assunto começamos a perceber que não somos tão racionais quanto pensávamos. Há muitas questões culturais e históricas. A maioria das companhias em Portugal e na Europa é gerida por homens.
Existe discriminação nas empresas?
Não é consciente e não é o que chamaria discriminação. São processos herdados, sistemas de carreira, formas de entender o que é necessário para se ser líder. Normalmente, os líderes são homens. Quando se está habituado a ter líderes que são homens, as mulheres parecem, soam e comportam -se de maneira diferente. Quando não se sabe quais são essas diferentes, tende–se a julgar as mulheres como não tendo as características que gostaria de ver nos seus líderes.
As mulheres trazem uma complexidade adicional às empresas: a forma como gerem ciclos de carreira. Este assunto é visto como dizendo respeito às mulheres, quando é de parentalidade.
Cada vez mais os homens procuram o equilíbrio entre a carreira e a família.
Os homens mais jovens estão mais interessados na família. Mas a resposta das empresas para gerir este interesse dos pais não está desenvolvida. Ainda existe uma separação dos papéis parentais. Existe uma maior flexibilidade para as mães, mas continuam muito inflexíveis para os pais. Os gestores julgam um homem que pede tempo para estar com os seus filhos de forma mais severa do que julgam as mulheres. É injusto para os homens. Encorajamos as empresas a eliminar a licença de maternidade e a falar em licença parental, parando com toda esta conversa dos líderes de mulheres e crianças e falar em pais e crianças. Seria muito útil para todos.
Os homens que estão no topo tendem a selecionar e a promover mais homens.
Absolutamente. No equilíbrio entre géneros, as mulheres podem ter a chave, mas os homens controlam o cadeado. Quando entro na sala, as pessoas estão convencidas de que vivem numa meritocracia. “Se não promovemos mulheres em número suficiente é porque elas fazem escolhas pessoais, têm filhos, não têm mobilidade, etc.” No final do workshop reconhecem que a organização tem muitos preconceitos inconscientes que precisam de ser repensados, que o equilíbrio entre géneros tem valor para os clientes, e que precisam reenquadrar este tema como uma prioridade do negócio – não para serem simpáticos para as mulheres, mas para assegurar o que é necessário para que o negócio sobreviva na próxima década.
O que pensa da instituição de quotas, por via legislativa, como ameaça a comissária europeia Vivien Reding, para garantir mais mulheres nos conselhos de administração das empresas cotadas?
Ninguém gosta de quotas – nem os homens nem as mulheres. Vivien Reding também não gostava de quotas antes. Mas as empresas e os governos estão a descobrir que esta atitude voluntária “vamos fazê-lo porque é uma coisa boa” não funciona. E a impaciência de alguns líderes empresariais e governamentais leva a que digam: “Basta!” Tem de se fazer algo. Mas a instituição de quotas não é a melhor forma de o conseguir. As empresas estão a fazê-lo estabelecendo objetivos para si próprias.
Esses esforços serão suficientes para nos conduzir a uma situação de maior equilíbrio a curto prazo?
Isso já está a acontecer. Na Unilever, a operação portuguesa é muito mais equilibrada hoje do que era há dez anos. Em parte, é algo inevitável. Hoje temos mais mulheres nos níveis mais baixos de gestão, e o desafio, agora, é como percorrer o caminho até níveis de gestão mais seniores. Simultaneamente, temos de nos assegurar que não criamos guetos dentro da empresa: mulheres em funções de staff e homens em funções operacionais. Se colocar todas as mulheres no marketing, nos Recursos Humanos, comunicação ou assuntos jurídicos, e todos os homens nas finanças, vendas ou operações, isso acaba por não lhe trazer os benefícios da diversidade: a diversidade de pensamento, bons processos de tomada de decisão e melhor talento.
Defende uma repartição exata de 50-50 ou são admissíveis outras composições?
Não há qualquer magia nos 50-50. Depende do sector, dos clientes, da pool de talento… Há um mínimo aceitável de presença de qualquer um dos géneros. Com menos de 30% cria-se o efeito minoria, que faz com que a voz das mulheres não seja ouvida. Mas o meu objetivo preferido é qualquer valor que se situe entre 60-40 e 40-60 em todo o lado. É tão importante para os homens como para as mulheres que se mantenha um equilíbrio em cada sector da empresa. Uma maioria de mulheres, também é muito perigoso e os salários tendem a baixar nesse departamento.
Acredita que homens e mulheres lideram de forma diferente?
Homens ou mulheres são ambos seres humanos e têm muito em comum, mas penso que existem muitas diferenças entre nós. Passo grande parte do meu tempo a explicar aos gestores quais são essas diferenças e de que forma elas influenciam o negócio das suas empresas.
Pode detalhar que diferenças são essas?
Penso que todos nós temos um lado masculino e um lado feminino e podemos ser levados a usar um lado ou o outro, dependendo do ambiente em que estamos. Na Suécia, os homens são encorajados e educados a serem mais femininos do que em Itália. É uma questão cultural. A cultura empresarial, tal como estas instituições se desenvolveram nos últimos 100 anos, é mais masculina do que feminina. Na maioria das empresas, o estilo de gestão, de comunicação, as competências de liderança são muito masculinas. Os homens são muito assertivos, agressivos e competitivos – há este clássico do homem alfa ambicioso. Claro que nem todos os homens se encaixam neste perfil e empresas diferentes têm graus diversos de masculinidade. Os bancos de investimento são muito agressivamente masculinos; uma companhia como a Unilever é muito mais equilibrada.
As mulheres frequentemente são muito diferentes no seu registo: não são visivelmente tão competitivas, agressivas e assertivas. Não se sentem confortáveis a fazer automarketing, a venderem a ideia de que são muito competentes, e mostrar que desejam ser promovidas. As mulheres foram educadas a não agir desta forma. E se isso é necessário para se ser promovido, numa empresa de norma masculina, as mulheres simplesmente não são reconhecidas. A não ser que se adaptem ao estilo masculino, agindo como se fossem homens. Mas esta não é uma estratégia de sucesso. Estas não são inspiradoras para as outras mulheres, que pensam “se é isso que eu tenho de fazer e parecer, então não quero.” Os homens também não apreciam essas mulheres alfa. E há esta enorme massa de talentos que não estamos a motivar. Precisamos de criar modelos de mulheres reais e de homens reais, de desenvolver líderes bilingues em relação aos dois géneros, que compreendem como são as mulheres e como trabalham, como são os homens e de que forma trabalham. Para tirar o melhor de cada um deles, temos de compreender essas diferenças, trabalhar com elas, não ignorá-las ou fazer julgamentos.
Exatamente a atitude que devemos ter em relação às diferenças culturais.
Nos últimos 20 anos, todas as companhias globais tiveram de se tornar muito mais conscientes das diferenças culturais. As empresas portuguesas sabem que quando trabalham com espanhóis têm de compreender os espanhóis e perceber as diferenças entre os portugueses e os espanhóis. Do mesmo modo, quando se trabalha com mulheres tem de se perceber as diferenças entre homens e mulheres.
A principal diferença é biológica e nem sempre é entendida?
Toda a gente no planeta sabe que as mulheres têm filhos e este facto afeta o ritmo de desenvolvimento da sua carreira. A maioria das empresas identifica os seus talentos de elevado potencial, em que querem investir, entre os 30 e os 35 anos. É nessa idade que a maioria das mulheres decide ter filhos. Estas políticas não são pensadas para discriminar as mulheres, mas são muito eficazes no efeito de eliminar mulheres do pipeline da liderança. Nessa altura não podem corresponder a essa pressão extra e, por isso, caem da lista de elevado potencial onde nunca mais voltam a ser incluídas.
O que a inspirou a fundar a European Professional Women Network (EPWN)?
Começou de forma informal. Queria conhecer mulheres que pensassem como eu, com as mesmas preocupações. Começámos a almoçar em Paris e foi crescendo até uma grande rede. Havia muitas mulheres sequiosas de fazer networking, inteligentes, ambiciosas, empenhadas, que também eram mães e que queriam perceber como equilibrar as coisas. Havia aquela troca de experiências e de ideias. Também pensámos que seria útil fazer algumas medições para perceber quais as companhias que eram boas no equilíbrio de género, para que as mulheres que conhecíamos pudessem escolher melhor as empresas para onde iam trabalhar.
Havia homens envolvidos na EPWN?
É uma boa questão. Infelizmente, e lamento isso hoje, a EPWN foi criada como uma rede de mulheres. Estávamos em 1996. Se fosse hoje provavelmente faria algo diferente – estão a avaliar a mudança de nome para European Professional Wisdom Network. Essa transcisão indica a maturidade da discussão do assunto: as mulheres precisavam de empowerment, de redes, etc. Agora precisam de uma discussão que inclua os homens dispostos a serem parceiros nesta preocupação.
Que conselho daria à sua filha de 16 anos, para ter sucesso na carreira?
O ensinamento mais precioso que posso dar a jovens mulheres ambiciosas é escolherem empresas que estejam abertas a promover mulheres. A forma mais fácil de reconhecer essas empresas é olhar para as suas equipas de gestão. Diria para pensar em ser empreendedora, em criar a sua própria carreira e o seu próprio futuro.
Trabalha com empresas globais em todo o mundo. Como é essa experiência para uma pessoa especialista em diversidade também de nacionalidades?
Vou segunda-feira para o Brasil. Estive no Japão no mês passado. As companhias para as quais trabalho são globais e operam em todo o mundo: Índia, Indonésia, Austrália, África, Médio Oriente. Sou viciada em transculturalidade, em estudos de diferenças entre culturas e nacionalidades. É um tópico ilimitado e fascinante. E as questões de género são um ângulo de observação muito interessante para verificar as diferenças culturais. Quando se passa um dia inteiro com pessoas de outra nacionalidade a falar deste assunto aprende-se tanto! Uma das sessões mais inspiradoras que fiz foi para uma empresa no Dubai. Homens do Médio Oriente a juntarem-se para pensarem seriamente como podem trabalhar este tópico e perceber formas de acomodar as mulheres.
Nesse ambiente hostil às mulheres, as empresas globais são um oásis?
Mostrei hoje o vídeo documentando o que a Unilever está a fazer no Paquistão e é impressionante: eles são mais equilibrados em termos de géneros no Paquistão do que aqui em Portugal. Sim, as empresas internacionais são um oásis para as mulheres nestes países. As empresas internacionais que vão, por exemplo, para o Japão não conseguem atrair os melhores homens, porque eles querem trabalhar para marcas japonesas. Mas conseguem as melhores mulheres porque elas não querem trabalhar para empresas japonesas. Se quer o talento de topo, contrate mulheres em países pouco amigáveis para o género feminino. Elas nunca sairão e serão totalmente leais. É lógico e é tático. Há uma enorme vantagem competitiva para as empresas e para os países em terem equilíbrio de géneros: as empresas inteligentes sabem disso, as que não estão a tratar disto estão já atrasadas.
BI Avivah Wittenberg-Cox
Função Fundadora e CEO da 20-first, uma das maiores empresas do mundo em consultoria de género
Autora de “How Women Mean Business: a Step Guide to Profiting from Gender Balanced Business” e co-autora, com Alison Maitland, de “Why Women Mean Business: Understanding the Emergence of Our Next Economic Revolution” (2008)
Formação MBA pelo Insead
Cargo honorário Presidente-honorária da EPWN – European Professional Women Network, que fundou em 1997
De figura pequena, Avivah Wittenberg–Cox exala energia por todos os poros.
O pai morreu quando tinha três anos e ela cresceu no Canadá. Via a mãe a educar sozinha três filhos e a trabalhar e não imaginava o fardo e os obstáculos que muitas mulheres enfrentam. A vida ensinou-lhe que não era assim.
De ascendência canadiana, francesa e suíça, empreendedora por natureza, hoje gere a sua própria consultora, a 20-first, especializada em equilíbrio de géneros e nacionalidades nas equipas de gestão.
Avivah passa muito do seu tempo a viajar, mas valoriza muito o tempo que passa com a família, lê no iPad, onde tem mais de mil títulos, é uma fã ávida do Twitter, gosta de escrever, de fotografia, de teatro, arte e cozinha. “E, como qualquer mãe, sou apaixonada pelos meus filhos.”
Este artigo é parte integrante da edição 345 da Revista EXAME