Desde que a filha foi diagnosticada, aos seis meses, com Doença de Crohn, uma doença inflamatória do intestino que provoca diarreia, dores abdominais e perdas de sangue, Elena Kulikova sentiu que “ia deixando de existir”. “Tornei-me a mãe da Laura, como era tratada nos hospitais”, recorda a russa, que vive em Portugal há 22 anos. Para poder acompanhar a filha às consultas e tratamentos, Elena deixou de trabalhar, o que obrigou a que o marido fosse o único a suportar as despesas da família. “A primeira fórmula da Laura, por exemplo, custava 38 euros e dava para três dias”, recorda, contando que a filha esteve sujeita a restrições alimentares durante anos. “Chegámos a gastar 700 euros só nessa fórmula, fora as fraldas, medicação, deslocações para o hospital e outras despesas comuns de uma casa com uma bebé.”
Hoje, depois de vários anos com uma dieta especial e acompanhamento médico, Laura, com quatro anos, come de tudo, não toma medicação e tem uma vida comum, como a de qualquer criança da sua idade. Tudo graças ao tratamento a que foi submetida. “Aos seis meses, a minha filha começou a tomar corticoides”, conta a mãe. “Com um ano e meio, já tinha feito cinco colonoscopias. Continuava com inflamação altíssima e os médicos decidiram avançar para a terapia biológica, juntamente com alimentação entérica [indicada pelos especialistas quando os doentes não conseguem obter os nutrientes de que necessitam]”.
Os primeiros tempos foram “difíceis”, recorda Elena Kulikova. “Apesar de ser muito pequena, a minha filha conhecia bem o sabor dos alimentos. Custou-lhe muito. Pedia para comer a toda a hora, chorava quando via anúncios na televisão”, conta. Ao mesmo tempo, a criança passou também a levar injeções de duas em duas semanas, como parte da terapêutica biológica. “Passado um ano e meio, a Laura já estava estável, e finalmente tivemos autorização médica para ela poder ir para o infantário”.
Como sublinha a gastrenterologista Susana Lopes, “os avanços científicos nas áreas da genética, imunologia e microbiologia permitiram um maior conhecimento dos mecanismos envolvidos na patogénese da doença inflamatória intestinal [que engloba a Doença de Crohn e a Colite Ulcerosa], o que se traduziu num aumento das opções terapêuticas disponíveis, com taxas de sucesso crescentes”.
Uma das inovações que trouxe maior qualidade de vida aos doentes foi o surgimento dos fármacos biológicos. “Permitem obter uma remissão completa da doença numa percentagem significativa de doentes, com resolução dos sintomas e das lesões estruturais do tubo digestivo, o que poderá influenciar favoravelmente o prognóstico a longo prazo”, explica a médica do Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto. E assegura: “Os dados disponíveis demonstram que estes fármacos são seguros, com reduzidas taxas de complicações graves.”
A angústia dos cuidadores
Pelo impacto no quotidiano (além dos sintomas, os doentes sentem necessidade de ter sempre uma casa de banho por perto e estão sujeitos a uma dieta própria) e pelos cuidados que exige (o acompanhamento médico regular e especializado é fundamental), a doença inflamatória intestinal é também exigente para os cuidadores.
No caso de Elena Kulikova, a patologia da filha tornou-se uma inquietação diária. “Depois de mudar uma fralda cheia de sangue de uma bebé com tão poucos meses de vida, não conseguia falar com ninguém, tal era a sensação de desespero e de aflição.” Os meses iniciais, anteriores ao diagnóstico, foram ainda mais angustiantes, confessa. “Foi um caminho muito longo e difícil, cheio de lágrimas, incertezas e decisões extremamente importantes. É raro esta doença começar numa idade tão tenra”, assegura, recordando as inúmeras restrições alimentares a que a filha foi sujeita nos primeiros anos de vida. “O pior eram sempre as festas de anos: os bolos, doces e sumos. Os excessos traziam logo barriga inchada e fios de sangue nas fezes”, afirma. “Chegámos a ir a uma festa de anos com lancheira. É muito difícil explicar a uma criança que não pode comer o mesmo do que as outras”.
Para minimizar o impacto nos doentes, mas também nos pais, filhos e outros familiares que sejam seus cuidadores, a gastrenterologista Susana Lopes considera que, além de um médico e um enfermeiro especialistas na doença, um cirurgião e um radiologista, a abordagem clínica deve integrar também um psicólogo. Além do apoio aos pacientes, que em alguns casos apresentam sinais depressivos, estes especialistas podem ser também importantes para os cuidadores. “Deve-se fornecer informação adequada sobre a doença, de forma a poderem apoiar os doentes, sem recriminações ou penalizações”. “É uma forma eficaz de limitar sentimentos de negação e rejeição”, esclarece a médica, dizendo que, em algumas situações, os cuidadores podem também necessitar de acompanhamento psicológico, sobretudo nos casos mais graves da doença.
50% com doença em remissão
Cerca de metade das pessoas com DII estão em remissão
ou com doença ligeira, num determinado período de tempo.
Que tipo de medicamentos está recomendado?
Atualmente, há quatro classes de fármacos usados no tratamento da DII, explica a gastrenterologista Susana Lopes: “os aminosalicilados, que diminuem a inflamação na parede do intestino, e são usados no tratamento da colite ulcerosa; os corticosteróides, que estão indicados para as fases de agudização da doença; os imunomoduladores, que impedem a persistência da inflamação, e são utilizados na manutenção da remissão da doença; e os biológicos, as moléculas mais recentes, recomendadas no tratamento das formas moderadas a graves a doença”.