Intitula-se uma “líder e agente da mudança” e ao longo da sua carreira já integrou projetos em diversos setores de mercado, desde serviços de consultoria e telecomunicações, a construção e arquitetura, educação ou até eventos internacionais. Hoje ocupa o cargo de diretora-executiva das Conferências do Estoril e é a primeira a dizer que ser mulher num cargo de liderança não é fácil, “principalmente em Portugal”. Em conversa com a VISÃO, Silvia Rodriguez fala do seu novo projeto e dos passos necessários hoje em prol de um amanhã melhor.
O mote desta edição das conferências chama os jovens, ou os “os líderes de amanhã”, para a discussão daquele que será o seu futuro, mas não só. O evento, do qual a VISÃO é parceira de média, marcado para os dois primeiros dias de setembro, é dedicado à “geração do propósito”, a “geração de pessoas que se identificam como agentes de mudança, e que querem de alguma maneira criar impacto no mundo”. Como membro da organização, Silvia Rodriguez promete um evento que prima pela diversidade não apenas de tópicos, mas de oradores e ao qual todos são bem-vindos.
As conferências do Estoril são um evento que procura promover o diálogo sobre as problemáticas que afetam o mundo de hoje e as soluções necessárias para que as mesmas possam ser ultrapassadas e um amanhã mais promissor possa ser construído. O mote da edição deste ano é “Rebalancing our World: A Call To The Purpose Generation”, qual é a importância de trazer os jovens para este debate?
Enquanto escola de gestão que somos, estamos a formar os futuros líderes. De alguma maneira estes jovens vão estar em cargos de liderança daqui a uns anos e com tudo o que vemos, com os grandes desafios e problemas que existem, é importante sensibilizá-los. É importante que eles ouçam pessoas inspiradoras que estão nestas áreas hoje, a tomar decisões difíceis, para que eles próprios se inspirem, até porque é muito fácil estar num lugar de crítica se não estamos dentro do diálogo. As conferências têm exatamente esse objetivo de envolver os jovens, de tentar que eles se sintam de alguma maneira inspirados a também participarem. Daí o tema ter esta chamada à geração do propósito (“purpose generation”), é uma alusão a este objetivo de puxá-los para o diálogo que é tão importante porque o mundo é de todos e é para todos. Muitos dos jovens que queremos chamar a palco já estiveram, inclusive, envolvidos na programação das conferências e muitos deles vão ser também moderadores de algumas das sessões que vamos ter em palco. Uma maneira de os envolver é começar a construir com eles. Estamos também a trabalhar com os clubes da Nova SBE organizados pelos alunos para criar frentes de atividade em temas com os quais se identificam. Trabalhamos com cerca de 15 clubes dentro da Nova SBE em temas diversos: há clubes virados para a área política, há clubes que só se focam em temas de economia, outros no ambiente, etc.
Esta purpose generation é sobretudo a generation Z ou apanha também os millennials (entre 25 e 40 anos)?
Não estamos a abranger concretamente nenhuma geração. Quando falamos da geração de propósito, a purpose generation, não falamos necessariamente de idade, mas sim na geração de pessoas que se identificam como agentes de mudança, e que querem de alguma maneira criar impacto no mundo. Temos pessoas envolvidas no projeto muito inspiradoras e com idades muito diferentes, sendo que a ideia que queremos passar é a de uma geração unida pelo propósito de agir e criar impacto positivo no mundo. O que é que eu, enquanto líder e pessoa, quero deixar neste mundo? Com o que é que me identifico, o que é que acredito que tem de mudar? Esse é que é, para nós, o conceito da geração do propósito, não foca tanto a questão da idade.
A diversidade em termos de idade foi uma preocupação na escolha dos oradores? Quais são os requisitos delineados para a sua escolha?
Temos um grupo de membros de apoio à direção, que nos suportam no desenho estratégico da conferência: um grupo de académicos, conselheiros e jovens a quem chamámos de embaixadores. Quisemos assegurar, logo no começo do desenho da conferência, desde a escolha dos temas aos oradores, que existia não apenas diversidade cultural e geográfica, mas também diversidade de idade e de género e garantir, com isso, que não temos apenas uma frente representada e que existe equilíbrio no debate e diversidade de perspetivas. Portanto, temos vindo a trabalhar com todos – jovens, académicos e conselheiros – há cerca de dois anos, desde que o projeto começou a ser desenhado, exatamente para que a escolha dos oradores e a escolha dos temas respondesse àqueles que são os desafios e as preocupações das diversas gerações. No nosso grupo de conselheiros temos pessoas muito reputadas, com muitas experiências, o que também nos traz, no fundo, uma riqueza nos conteúdos. Num campo oposto temos os mais jovens que nos ajudam a perceber como é que estas novas gerações pensam o futuro, quais são as suas preocupações, como é que eles se imaginam a liderar as grandes instituições e organizações daqui a uns anos. Na vertente académica temos um grupo de professores internacionais e da Nova SBE que se juntam ao projeto exatamente para termos estas três frentes: a da experiência profissional e de vida, a da experiência académica e a dos jovens.
No seu trabalho, lida diariamente com diversas problemáticas sociais e ambientais, inclusive enquanto diretora executiva das Conferências do Estoril, assumindo-se como um exemplo no combate diário contra esse tipo de obstáculos. Como pode o cidadão comum ser também, no seu dia a dia, um impulsionador da mudança?
Acredito que a mudança começa em cada um de nós. Um caminho de descoberta daqueles que são os temas que nos interessam, os temas pelos quais queremos lutar ou que queremos defender ou, de alguma maneira, ajudar a desenvolver e melhorar. A mudança começa por aí. Se cada um de nós tiver clareza naquilo que quer fazer, e onde quer contribuir, será mais fácil dirigir essas energias e esse foco de atenção para uma área concreta ou para uma forma de atuar. Considero que as mudanças começam de dentro e no primeiro passo que damos em prol de algo em que acreditamos e defendemos. Quando arriscamos dar este primeiro passo rapidamente percebemos que a seguir há alguém que dará o seu passo, depois há outro que também o fará e com a ajuda de todos uma mudança mundial é possível. Eu diria, portanto, que qualquer pessoa tem um papel de mudança, tem um papel ativo na sociedade, ativo no mundo, é uma questão de encontrar o seu propósito, o seu objetivo, aquilo que sente que mexe consigo, para que possa depois começar a dar um primeiro passo na direção daquilo que acredita que deve ser melhor.
Já esteve em vários cargos de liderança e tem procurado chamar a atenção para uma série de problemas que hoje afetam o mundo. Como podem os jovens preparar-se para serem, eles mesmos, os líderes de amanhã? Que conselho lhes daria?
Acredito que o mundo precisa cada vez mais de líderes e pessoas mais humanos. Acredito também que a pandemia que vivemos e o conflito que agora se tem desenrolado na Europa, todos estes desafios que encontrámos, obrigaram-nos de alguma maneira a olhar para o mundo com outros olhos. Percebemos que estamos todos muito mais unidos e ligados, e que há, no fundo, um respeito e solidariedade maior pelo outro. Quando nos preocupamos com esse mundo, que é de todos, acredito que, de alguma maneira, surge uma forma de atuar diferente. Acredito mesmo, e isto liga-se à pergunta anterior, que a mudança começa em nós. Se nós não fizermos este nosso trabalho individual de percebermos qual é o nosso motor, é muito difícil conseguirmos contribuir com aquilo que temos de melhor e é um pouco isso que a geração de propósito quer puxar: o lado humano das pessoas, o lado individual de cada um, respeitando sempre, claro, as diferenças de todos, respeitando de onde vêm, quem são, seja em questões de género, culturais, geográficas ou até ao nível das experiências. É encontrarmo-nos todos neste caminho para podermos transformar o que sentimos que não está bem e que será, no fundo, o desafio da próxima geração. Hoje temos problemas que daqui a 50, 100 anos não poderão ser ignorados, mas que muitos líderes atuais não irão viver. É esta geração que terá de viver com essa realidade e daí ser importante que os jovens se envolvam. São eles que vão encontrar o mundo num estado que não sabemos qual será se não começarmos a mudar.
O que vai novamente ao encontro da importância de trazer os jovens para o debate.
Exatamente, e isto cruza muito com a agenda que trazemos, pelo Planeta, pelas Pessoas e pela Paz. Os temas pelo Planeta tocam tópicos não só da sustentabilidade, das alterações climáticas, mas também das empresas e dos sistemas financeiros e a forma como temos de nos alinhar no caminho para a sustentabilidade, que é de todos. Os temas pelas Pessoas tratam todos e cada um de nós. Explora a forma como todos podemos ser agentes da mudança com aquilo que temos para oferecer, com os nossos chamados super-poderes (que todos temos cá dentro mesmo que acha que não tem). É um tema que procura perceber como é que conseguimos, com a nossa individualidade, sermos bons líderes e melhores pessoas num mundo caótico e em constante mudança, em constante conflito. Ainda no tema das Pessoas iremos abranger a preocupação atual pela saúde mental, inclusão e diversidade nas empresas e nas instituições, e o papel das escolas de gestão em rever os sistemas de educação onde o propósito está cada vez mais nas suas agendas para melhor formar os líderes do futuro. Depois temos também as temáticas pela Paz: o poder da tecnologia e dos media que tem um papel fortíssimo na procura pela paz, nomeadamente no que toca às mensagens que passamos e como as passamos. É uma questão de nos focarmos no lado positivo e não tanto no negativo e inspirar uma maneira de estar mais positiva no mundo, sem deixar, no entanto, que isso nos impeça de tocar em temas que são críticos como é o caso da democracia que está a ser posta em causa, como é o caso do populismo, da crise dos refugiados e dos conflitos que existem agora na Europa mas que já são recorrente em outras regiões do mundo. O caminho para a paz é de todos, e não apenas da responsabilidade dos governos ou líderes das grandes potências ou instituições, é uma preocupação que tem de ser, naturalmente, do mundo. Acredito que esta agenda, centrada nos grandes desafios da atualidade e do futuro próximo, irá refletir sobre as estratégias e soluções para o reequilíbrio do nosso mundo fazendo um apelo à geração do propósito para atuar.
E qual é esse propósito que identifica nos jovens hoje? Difere substancialmente dos da sua geração, por exemplo?
Esta geração é muito mais aberta ao mundo na perspetiva de que viaja mais, tem muito mais mundo nas suas relações pessoais e está muito mais aberta, não só às diferentes formas de pensar, culturais e geográficas, mas também às diferentes formas de atuar. Isto porque há muito mais informação hoje, estamos todos conectados, e é muito mais fácil ter impacto, ou seja, conseguimos rapidamente chegar a alguma instituição ou a alguma pessoa em qualquer parte do mundo através das tecnologias e das ligações que temos uns com os outros. Acho, também, que é uma geração com um forte ímpeto de mudar e são mais disruptivos. Outras gerações no passado também o foram, mas hoje sente-se uma união mundial muito mais forte e direcionada para uma mesma causa, algo que claramente diverge das gerações passadas. Um mundo unido por uma causa comum. Isto vimos com a pandemia e vimos agora com a guerra da Ucrânia. Não é apenas uma preocupação europeia, mas mundial que condenam estes ataques, cujo caminho não é naturalmente para a paz. As pessoas unem-se nestes momentos mais difíceis em prol de temas que, direta ou indiretamente, tocam a todos de alguma maneira.
Já referiu muito a pandemia e a guerra que surpreendeu a Europa e, de facto, muito aconteceu desde a última edição das conferências. O que acha que podemos aprender, enquanto sociedade, com estes últimos anos?
Aprendemos sem dúvida a ser introspetivos, a virar-nos para dentro, a proteger os nossos, e desenvolveu-se este sentido de olhar para o que realmente importa na vida. Temos visto, inclusive, muitas mudanças em resultado dos acontecimentos dos últimos anos: mudanças de vida radicais, um abanar das nossas vidas que estavam em piloto automático. Quando olhamos para dentro fica mais claro o nosso papel no mundo e cria-se um sentimento de união mais vincado, mais solidário e que nos permite entregar um bocadinho de nós ao outro, sabendo que, embora, estejam outros a sofrer, poderíamos ter sido nós. Aprendemos também que estamos intrinsecamente ligados e que o sucesso depende da capacidade de unirmos esforços a nível global. No fundo vai ao encontro da ambição das Conferências do Estoril em envolver todos no diálogo de forma aberta e inclusiva, inspirando a ação, num diálogo que é mundial e comum a todos.
Enquanto uma mulher num cargo de liderança…
É um grande desafio.
O que acredita que é ainda necessário fazer no campo da igualdade de género e como será debatido esse tema nas conferências e assegurada a representação feminina?
Liderança enquanto mulher é sempre um desafio e eu acredito que, embora haja um caminho já muito aberto e percorrido, que tem vindo a dar os seus frutos e tem sido a motivação de algumas mudanças nas grandes empresas, ainda existem mudanças que têm de ser feitas, principalmente em Portugal. Noutros países já se vê uma evolução mais rápida, aqui acredito que há ainda um caminho a percorrer, mas claro que, dependendo do setor de atividade e do setor em que estamos a trabalhar, pode ser mais ou menos fácil. No entanto, considero que não podemos simplesmente promover mulheres para estarem em cargos de liderança só porque são mulheres, mas pelo mérito e reconhecimento do trabalho dessa pessoa. Para a conferência tivemos naturalmente esta preocupação, assegurando um bom equilíbrio de género, onde destacamos o encerramento da conferência com a Presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola. Mas sobretudo preocupámo-nos em assegurar que existiam formas de pensar diferentes porque é nesse equilíbrio e no conjunto das diferenças que encontramos soluções.
Qual diria que é, na sua opinião, o primeiro passo a dar no processo de mudança seja das mentalidades como da prática?
Eu diria a educação e o acesso à informação. A gestão de informação hoje em dia é um problema, temos muita informação e às vezes informação de má qualidade e isso também se torna um obstáculo à mudança. Mas a educação é, sem dúvida, um grande fator de sucesso para a mudança, e quando digo educação, digo educação a todos os níveis. É uma educação que começa, muitas vezes, em casa, mas que começa também na escolha da informação que consumimos e nos exemplos que seguimos. Algo que vai também ao encontro desta perspetiva das conferências de trazer pessoas que de alguma maneira fizeram esse caminho da mudança e que podem inspirar os outros a mudar. Acredito que este tipo de conferências consegue tocar as pessoas por trazer oradores cheios de riqueza, uma riqueza que vem dos sucessos e insucessos desses caminhos de mudança. Tipicamente, as pessoas que percorrem os ditos caminhos de mudança não têm percursos fáceis, não têm vidas fáceis e encontram imensas dificuldades, imensas barreiras. Vêm-se obrigadas a subir muitos degraus até se encontrarem numa posição de sucesso. É importante lembrar, no entanto, que até atingirem esse sucesso estas pessoas tiveram de percorrer aquele que é, muitas vezes, um caminho de pedras. O contacto que disponibilizamos com os oradores em momentos mais informais é essencial, nomeadamente porque se tratam de pessoas que, independentemente de serem líderes nos seus cargos, são pessoas, e partilham as suas experiências de vida, boas e más, e inspiram. Quando ouvimos estas pessoas inspiradoras, que não tiveram uma história fácil, mas que são, mesmo assim, exemplos de mudança, ganhamos uma vontade maior de sermos também impulsionadores da mudança.
Diria que a “purpose generation” é mais sonhadora do que as anteriores? E menos ambiciosa e carreirista?
Sim, claramente mais sonhadores, mas eu diria que também mais ambiciosos porque falamos em mudanças que, muitas vezes, já não se restringem à nossa esfera local. Trabalham-se projetos internacionais, diálogos internacionais e as conferências são um exemplo disso. Começámos por apresentar o projeto a várias escolas de gestão pelo mundo e rapidamente percebemos que há um interesse enorme nestes temas e que não poderíamos estar sozinhos nesta edição. Portanto, trouxemos várias escolas da rede CEMS – com quem desenhámos uma parceria estratégica e que estão também a trabalhar connosco na construção deste diálogo com eventos paralelos a decorrer em simultâneo com as Conferências do Estoril – para conseguirmos de alguma forma projetar os mesmos temas para fora porque são temas comuns e transversais numa agenda que é comum a todos. Por isso considero que esta purpose generation é mais ambiciosa e muito mais sonhadora, sim, mas com uma ambição real, concretizável. Carreiristas diria que não e isso vê-se muito pelos jovens: quando entram no mercado de trabalho têm de ter condições que não passam apenas pelo salário, mas por projectos interessantes, por poderem trabalhar com líderes inspiradores com quem aprendam e evoluam, por um equilíbrio da vida pessoal e profissional. A diferença está na motivação, onde o impacto no mundo é mais importante do que estabilidade financeira, o que constitui um grande desafio para as empresas que, se não estão à altura, dificilmente retêm os melhores talentos. Já em alguns casos hoje são eles que escolhem as empresas onde querem trabalhar. Acho que vai ser muito interessante nos próximos anos poder ver estes futuros líderes a liderar num caminho que eu espero que seja mais humano e com mais respeito não só pelas pessoas, como pelo mundo no geral, na perspetiva de criarmos uma forma de estar em sociedade mais equilibrada e justa.