A menos de um mês da sexta edição das Conferências do Estoril, Miguel Pinto Luz garante que estão reunidos todos os ingredientes para três dias de debate aberto sobre a Justiça em Portugal, na Europa e no mundo. O vice-presidente da Câmara de Cascais ainda acredita na presença de Francisca Van Dunem e desdramatiza os convites a Sérgio Moro e Joana Marques Vidal. Apesar das críticas, é política da casa não silenciar ninguém.
Que balanço faz das várias edições e da dimensão que as Conferências do Estoril alcançaram a nível nacional e internacional?
O balanço é muito positivo e a dimensão internacional até ganha à nacional. Nestes 11 anos, passaram aqui dezenas de prémios Nobel, dezenas de ex e de atuais chefes de Estado, empresários, académicos… Não há exemplo de outras conferências em Portugal que juntem tanta inteligência, tanta sabedoria, tantas redes e tanta influência.
Qual tem sido o ingrediente secreto? Como é que, ano após ano, o evento tem personalidades tão destacadas?
O ingrediente principal é Cascais: as suas gentes e a enorme capacidade e reconhecido talento de hospitalidade. Fazemos isso há mais de 650 anos. As Conferências do Estoril deixam em todas as pessoas, dos oradores mais conhecidos aos menos conhecidos, uma marca indelével, são todos tratados como estrelas – tratamos o Tony Blair da mesma forma que tratamos um académico desconhecido. O outro ingrediente tem sido a equipa, que tem vindo a crescer, ganhou know-how, e mostra que seria capaz de organizar eventos iguais ou maiores em qualquer parte do mundo.
E há a atualidade dos painéis. Como são preparados?
Durante as conferências, começamos a fazer esse trabalho para as conferências que são daí a dois anos. E temos sempre a preocupação de trazer painéis que sejam mais um condimento, mais uma pimenta, um sabor adicional. Lembro-me, por exemplo, do painel sobre religiões, em que tivemos o nosso cardeal-patriarca [D. Manuel Clemente], o mais alto responsável da comunidade islâmica em Portugal [Sheikh David Munir], o rabino amigo do Papa Francisco que fazia um programa na televisão argentina [Abraham Skorka], que foi interessantíssimo. Lembro-me de há dois anos termos o painel com os superjuízes… Temos painéis que colocam o dedo na ferida, sem medo – mesmo quando somos criticados – de trazer todos para o debate. Estamos a ser criticados por trazermos Sérgio Moro, fomos criticados por trazermos o Nigel Farage, que debateu com o Francisco Assis – um eurocético com um europeísta convicto. Os populismos que pululam pela Europa têm cada vez mais tração porque o establishment os impede ou não quer que eles venham aos palcos tradicionais debater. Eles têm de vir debater aos palcos tradicionais! E temos de confrontar esse ideário populista.
É esta a imagem que quer deixar?
É a nossa forma de estar. Eu conto sempre aquela história de que Cascais, nas décadas de 1930 e 1940 e durante a II Guerra Mundial, foi um espaço onde muita gente se exilou. Tínhamos mais reis sem trono – viveram aqui o rei de Espanha, o rei de Itália, o rei da Roménia – do que hotéis de cinco estrelas. Viveram aqui muitas cabeças coroadas, mas também muitos políticos, muitos espiões. O Hotel Palácio, no Estoril, era o quartel-general do MI5, e do outro lado do jardim era o quartel-general da Gestapo. Cascais teve sempre essa particularidade de conviverem aqui diferentes formas de olhar o mundo.
Este ano o tema das conferências é “Empowering Humanity: Da Justiça Local à Justiça Global”. Porquê?
Porque é incontornável. Este tema começou a ser desenhado há dois anos, precisamente com o painel dos superjuízes, em que percebemos que era preciso discutir a justiça local para conseguirmos construir um mundo mais justo – perante um cenário de profundas injustiças, de uma desigualdade cada vez maior, com a riqueza cada vez mais concentrada no topo de uma pirâmide inatingível para a grande maioria dos cidadãos.
Recordando o painel dos superjuízes (Carlos Alexandre, Sérgio Moro, Antonio Di Pietro e Baltasar Garzón) e perante Estados tão iníquos no acesso e na aplicação da Justiça, é preciso debater, sem dogmas, uma reforma da Justiça, até para conter a ascensão de populismos e justicialismos?
Sem dúvida. Eu acredito numa sociedade onde os vários pilares que constituem o edifício democrático têm de ser independentes, têm de lhes ser garantidas as condições necessárias em termos de meios e, para isso, o pilar da Justiça vai ser fundamental. O pilar da Justiça tem de se analisar, por exemplo, em equilíbrio com outros pilares – como o dos média – do edifício democrático, porque só neste equilíbrio fino, difícil, sensível, é que conseguimos construir uma sociedade justa e equilibrada. Não estou numa lógica de construir uma república de juízes ou numa lógica facilitista em que as redes sociais e os média condicionem o poder político. Claro que as pessoas estão a concentrar-se muito no convite a Joana Marques Vidal, a Sérgio Moro, que são ou foram atores da Justiça, mas vamos falar de temas que entroncam no tema da Justiça, mas de uma justiça mais lata, de justiça humana, numa sociedade tão desequilibrada.
A ministra da Justiça já disse se tem agenda para debater com Joana Marques Vidal?
Não temos ainda a confirmação final se a senhora ministra vai estar presente. Acho que era importante que estivesse presente e teríamos muita honra nisso. Devo dizer que o Governo tem sido inexcedível em comparecer e fazer gala disso em vários eventos que temos organizado.
Temos dois ex-presidentes do PSD (Marcelo Rebelo de Sousa e Durão Barroso) entre os oradores. Equacionou convidar Rui Rio?
Para falar, não, mas os líderes dos partidos da oposição são convidados todos os anos. António José Seguro e Pedro Passos Coelho, quando eram líderes da oposição, estiveram presentes e temos muito gosto que Rui Rio venha.
Daqui a uma década, onde espera que as Conferências do Estoril estejam?
Gostaria que na audiência estivessem cada vez mais jovens. Há dez anos, tínhamos uma plateia de notáveis e a tendência é haver cada vez mais estudantes. As conferências são para eles, não são um showroom para a nata e para os VIP de Portugal. São para colocar naquele palco o debate das ideias que vão impactar o nosso futuro. E o nosso futuro tem de estar ali à frente a ouvir e a questionar quem se senta no palco.
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