Diz-se, sobre os portugueses, que têm o hábito de deixar tudo para o último momento. Procrastinam. Empurram com a barriga. Há até um ditado para ilustrar essa pouco saudável, mas ubíqua característica: só se lembram de Santa Bárbara quando faz trovoada. Mas e quando o problema não são os trovões figurativos, mas o frio literal? Talvez se lembrem de São Sebaldo, o padroeiro do frio, mas estará ele disposto a acudir a almas relaxadas e de memória curta? É provável que não.
No início deste ano houve uma onda de frio que deixou o país inteiro a bater o dente e em pânico com a chegada da fatura da energia. Mas entretanto veio a Primavera, depois o Verão, e aquele projeto urgentíssimo de trocar os equipamentos de aquecimento por opções mais eficientes foi sendo adiado. Mas não tarda nada estaremos a bater o dente outra vez e depois… Valha-nos São Sebaldo!

Para que a história não se repita, podemos contar com a ajuda do HARP (Heating Appliances Retrofit Planning), um projeto com o apoio da União Europeia, cujo objetivo é motivar os procrastinadores – perdão, consumidores – a planear a substituição dos seus equipamentos de aquecimento antigos e ineficientes por alternativas mais eficientes e, sempre que possível, com recurso a energias renováveis. É que 60% dos sistemas de aquecimento na Europa são ineficientes, ou seja, têm mais de 15 anos e classe energética C ou inferior, e isso é um problema. Tanto para o bolso dos consumidores, como para o ambiente. E se acha que 60% é um número assustador, saiba que 80% da energia consumida em casa é para aquecimento do ambiente e da água e que 84% dos equipamentos de aquecimento ainda recorrem a combustíveis fósseis.
Para dar um empurrãozinho na direção certa, o HARP criou uma aplicação que ajuda os consumidores a perceber se os seus equipamentos de aquecimento estão obsoletos e quais as melhores opções de substituição. E, mais importante que tudo, convida-os a fazerem-no com calma e ponderação, em vez de em pânico e às pressas, no dia em que os equipamentos deixam de funcionar (sempre no pico do Inverno e nunca a meio do Verão). Ao acederem à ferramenta online, em https://aquecimentoeficiente.adene.pt/aplicacao-harp/, os consumidores respondem a um conjunto de perguntas e, com base nas respostas, a aplicação estima a classe de eficiência energética do equipamento atual, identifica as soluções mais adequadas à sua substituição, calcula as poupanças expectáveis, lista os incentivos em vigor e ainda indica profissionais que podem apoiar no processo de substituição.

E porque há consumidores que gostam de estudar os temas a fundo antes de tomar decisões (mesmo quando nunca chegam, de facto, a tomá-las), o HARP faculta artigos, brochuras, factsheets sobre as diversas tecnologias de aquecimento, jogos pedagógicos e infografias sobre mitos e benefícios do aquecimento eficiente. A propósito de mitos, o mais comum será, talvez, que instalar um sistema de aquecimento eficiente é muito dispendioso, o que não é verdade. Apesar de o investimento inicial ser relevante, acaba por ser recuperado. Além disso, as opções são muitas e é possível escolher em função do orçamento. O mais importante é considerar não apenas a aquisição e instalação, mas também a utilização, e é aqui que se vai notar a diferença.
Mas, afinal, que opções eficientes são essas?
É uma escolha muito pessoal e variará em função do orçamento, espaço disponível ou preferência, mas poderá recair sobre bombas de calor, sistemas solares térmicos, caldeiras de biomassa, caldeiras de condensação ou sistemas híbridos (que combinam, pelo menos, duas fontes de energia diferentes e cujo funcionamento tem um controlo único partilhado).
E, já que aqui estamos, outro mito comum que vale a pena combater é que, no Inverno, não se deve abrir as janelas para não desperdiçar calor – a teoria das nossas avós. Na verdade, no último ano e meio ficámos todos a conhecer a importância de arejar os espaços e renovar o ar. Casos de saúde pública à parte, o ideal é arejar a casa durante, pelo menos, 5 a 10 minutos por dia para eliminar humidade, CO2 e maus cheiros. Convém é que não se esqueça de desligar o aquecimento enquanto o faz ou aí é que começa o desperdício. É para evitar isso mesmo que já existem sistemas de aquecimento inteligentes que otimizam o aquecimento, detetando a abertura de janelas.

Na aplicação HARP é possível avaliar equipamentos de preparação de água quente ou de aquecimento ambiente centralizados (ou seja sistemas em que um fluido, tipicamente água, é aquecido num gerador central, caldeira, bomba de calor ou outro, e conduzido aos elementos de distribuição nas várias divisões), bem como combinados (que aquecem água e o ambiente). Não é possível analisar soluções localizadas como radiadores elétricos ou ares condicionados.
Este projeto europeu é coordenado pela ADENE e tem a DECO como parceira em Portugal, bem com a Universidade do Minho e a Universidade Nova de Lisboa. Conta com 18 parceiros de cinco países – Portugal, Espanha, França, Itália e Alemanha -, o que indicia que não devemos ser o único povo a contar com Santa Bárbara. Ou São Sebaldo.