É uma ditadura? Claro que não! Mas desde os tempos de João Franco, último primeiro-ministro do rei D. Carlos, que o País não vivia uma situação constitucional tão parecida (os períodos de exceção não contam). De uma certa maneira, se atendermos, estritamente, ao ponto de vista formal, a democracia encontra-se numa espécie de limbo, desde que, no domingo, o Presidente Marcelo dissolveu a Assembleia da República. Pela primeira vez desde a suposta “ditadura” de João Franco (1907-1908), e fora dos períodos de exceção – os primeiros tempos de Sidónio Pais, 1918, ditadura militar, 1926/1933, e no PREC, 1974/75 – um governo está no pleno uso dos seus poderes, sem que tenha uma assembleia legislativa a funcionar. Esta espécie de vazio nunca se tinha verificado, desde que a Constituição de 1976 está em vigor: em todas as dissoluções do passado, os governos entraram em funções de mera gestão, com os poderes reduzidos. Na revisão constitucional de 1982, o legislador decretou que o Presidente da República deixava de poder demitir o primeiro-ministro (e o Governo), podendo, “apenas”, usar a “bomba atómica” da dissolução parlamentar. Subentendia-se que uma dissolução implicaria a queda do Governo. A situação única da antecipação de eleições, por iniciativa presidencial, em resultado do chumbo de um Orçamento, sem que nenhum deputado tenha sugerido que o Governo caísse, parece não encaixar na normalidade.
A comparação da situação atual com a ditadura de João Franco é, pois, irresistível. Embora haja diferenças fundamentais, como é o facto de continuar em funcionamento uma Comissão Permanente na AR ou a circunstância de a Constituição reservar à Assembleia exclusividade em determinadas matérias legislativas.
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