“Do ponto de vista do direito não é arguida, acusada. Neste momento não há nenhum caso de inconstitucionalidade. Mas é evidente que é um peso político negativo. Alguém que tem uma ligação familiar com um acusado num processo tem uma limitação. É um ónus político.”
Numa tarde de votação de uma moção de censura no Parlamento, em que António Costa estivera a defender a então secretária de Estado da Agricultura, estas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa foram lapidares para a permanência de Carla Alves no Governo, no dia 5 de janeiro. Nem uma hora depois de o Presidente da República ter puxado o tapete à governante, esta pediu a demissão, alegando falta de condições para se manter no cargo.

Em causa, relembre-se, estava o facto de o marido de Carla Alves, o ex-presidente da Câmara de Vinhais, Américo Pereira, ter sido acusado pelo Ministério Público dos crimes de prevaricação, participação económica em negócio e corrupção ativa; sendo que estão arrestados pela Justiça 228 mil euros em contas do casal, que farão parte de um montante que ultrapassa os 760 mil euros – que não só não foram declarados ao Fisco, como para os quais nem Américo Pereira, nem Carla Alves deram uma explicação.
Carla Alves, que era diretora regional da Agricultura e Pescas do Norte antes de rumar ao Governo, tomou posse às 18 horas do dia 4 de janeiro, a par de outros tantos governantes, entre os quais os novos ministros das Infraestruturas e da Habitação, João Galamba e Marina Gonçalves, respetivamente. O pedido de demissão da então secretária de Estado da Agricultura chegou pelas 19 horas do dia seguinte, na quinta-feira, 5 de janeiro. Ou seja, a governante esteve 25 horas em funções.
Ora, tendo em conta a revogação da subvenção vitalícia para quem ocupa cargos políticos, desde 2005, assim como do antigo subsídio de reintegração, mas – acima de tudo – olhando às regras do Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, Carla Alves não verá chegar à sua conta bancária mais do que um dia de salário e ainda o valor correspondente ao abono mensal para despesas a que os secretários de Estado têm direito.
Mas, vamos por partes.
Há quase 18 anos, foram eliminadas as subvenções vitalícias de quem viesse a ocupar um cargo político a seguir a 2005. Do Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos foram revogados todos os artigos do 24º. ao 28º. e ainda o 30º. – todos correspondentes a esse benefício criado em 1985 e que se destinava a quem tinha estado em tais funções entre os oito e 12 anos. (Contudo, quem estava em funções à altura, e quem já usufruía de tal subsídio, não só o manteve como o pode pedir mais tarde, tal como aconteceu com o ex-primeiro-ministro, José Sócrates. Hoje, em dia, a Caixa Geral de Aposentações gasta mais de oito milhões de euros com estas pensões douradas).
Depois, também nessa altura foi revogado o subsídio de reintegração. E no que consistia? Um apoio concedido aos titulares de cargos políticos que, não tendo cumprido os tais 12 anos em funções, era pago durante tantos meses quantos os semestres em que estiveram nesses cargos. O valor era igual ao salário mensal do cargo à data da cessação de funções.
Dito isto, e tendo em conta o percurso profissional de Carla Alves – técnica da Câmara Municipal de Vinhais e mais tarde diretora regional – jamais poderia estar abrangida por tal legislação, que acabou em 2005.
Mas, e no Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, há algo que preveja algum apoio para quem ocupe o cargo em tempo recorde? Não.
Como secretária de Estado iria ter um salário correspondente a 60% do vencimento do Presidente da República – é o que diz o artigo 13º do estatuto. À data da tomada de posse de Carla Alves, o vencimento bruto mensal de Marcelo Rebelo de Sousa era de 7600 euros – sendo que, devido ao corte de 5% imposto aos salários dos políticos durante a troika e que se mantém em vigor, o montante é 7400 euros. Ou seja, Carla Alves iria auferir 4 440 euros mensais brutos.
A esse valor, a então secretária de Estado iria juntar mais um abono, a ser pago todos os meses, para despesas de representação, de 35% do seu vencimento – 1 554 euros.
Resumindo: arredondando o número, pela breve passagem no Governo Carla Alves terá direito a 272 euros brutos (a serem submetidos ainda a descontos). Mesmo sem poder voltar à direção regional, porque renunciou ao cargo quando aceitou ir para o Governo, a ex-secretária de Estado regressará à Câmara de Vinhais, já que faz parte dos seus quadros.

CONCLUSÃO:
ENGANADOR
A ex-governante, cujo processo de nomeação e demissão vai levar a ministra da Agricultura ao Parlamento na quarta-feira que vem, não terá direito a qualquer benefício por ter estado no cargo pouco mais de 25 horas. Carla Alves não preenche os requisitos para poder usufruir de uma subvenção vitalícia, porque deixou de existir em 2005 tal apoio para os políticos que iniciaram funções após essa data, e muito menos terá qualquer incremento na sua futura aposentação, por um dia ter passado pelo Governo.