É já antiga a ligação da Amnistia Internacional (AI) com a música. Ao longo dos anos, tem sido através dela que esta organização internacional de defesa dos direitos humanos, fundada em Londres, em 1961, e atualmente com 3,2 milhões de membros em mais de 150 países, tem feito chegar a sua mensagem ao mundo, na voz de gente como Bob Geldof, Bruce Springsteen, Madonna, Moby, Patti Smith, Paul McCartney, Peter Gabriel, Radiohead, Sting, U2 ou Yoko Ono alguns dos mais conhecidos artistas, dos mais de cem que, direta ou indiretamente, colaboram, de forma regular, com a organização.
Um movimento que também chegou a Portugal no ano passado, com a realização do primeiro festival Live Freedom, que reuniu, no Teatro Tivoli, em Lisboa, Aurea, David Fonseca e Deolinda, numa celebração do trabalho da Amnistia Internacional que serviu também para angariar fundos, alertar e mobilizar. Depois do sucesso da primeira edição, o evento regressa ao mesmo local, com um espetáculo dedicado às vítimas de violações dos direitos humanos, defendidas aqui pela música de Batida, Luísa Sobral e Sérgio Godinho, com apresentação a cargo de Nuno Markl e Vasco Palmeirim.
Por causa das causas
“Fui convidado e aceitei de imediato, porque sou sócio da Amnistia há muitos anos e estas são causas que tomo muito a peito. As questões de justiça e de injusras arbitrariedades tocam-me particularmente e é com grande empenho que participo”, explica Sérgio Godinho à VISÃO, revelando ser uma pessoa “visceralmente interessada” nestes assuntos. “Cresci numa casa onde os meus pais me deram esses valores. O meu pai era opositor do Salazar e o avô dele foi o ator Miguel Verdial, que leu a proclamação do 31 de Janeiro [de 1891]. Era uma família de velhos republicanos e eu cresci com esses exemplos”, conta o músico, que chegou a sentir na pele a privação de liberdade, quando esteve preso, durante vários meses, no Brasil, por alegada posse de marijuana. “Estar detido em prisões de delito comum, deu–me um certo conhecimento de gente muito diferente, na mesma situação. Não o desejo a ninguém, mas, de um modo algo irónico, foi enriquecedor, porque, agora, há sempre uma parte de mim que olha para os outros tentando compreendê-los, para me compreender a mim próprio. E existe, nessas vivências, um lado ficcional que também vem à tona. Foi uma situação que nada tem a ver com as questões da AI, apenas a recordo para demonstrar como eu próprio já fui injustamente tocado pela privação de liberdade.” Quando se fala, em Portugal, de ações de solidariedade através da música, é fácil chegar ao nome de Sérgio Godinho.
Este ano já participou num espetáculo de homenagem aos bombeiros e, mais recentemente, num outro, organizado por Zé Pedro, dos Xutos e Pontapés, para angariação de fundos para o IPO do Porto. O músico encolhe os ombros e desvaloriza a questão: “Não é algo que faça para fi car no meu currículo…” Mas será, então, um dever dos artistas com a sociedade? “Não é um dever de todos… Penso que qualquer artista tem de encontrar o seu caminho na sociedade, mas esse percurso é, sobretudo, artístico, e muitas vezes, agregado a isso, vêm as causas. Muitas das minhas canções falam desses assuntos e não tem forçosamente de ser de uma forma política.” E acrescenta: “Nunca acreditei muito em dar a cara por campanhas, mas contribuir para elas com os meus atos criativos, isso sim, faz sentido”.
Iniciativa: Mandei-lhe uma carta…
Associado ao festival Live Freedom, a Amnistia Internacional volta, este ano, a organizar, em Portugal, a “Maratona de Cartas”, uma iniciativa integrada no maior evento mundial daquela instituição e que, em 2012, contou com a participação de cerca de um milhão e 900 mil pessoas, em dezenas de países. Decorre de 6 a 17 de dezembro e é uma ação global que, anualmente, visa promover o envio maciço de cartas e postais por ativistas de todo o mundo para as autoridades de diversos Estados, em protesto contra violações de direitos humanos.
Em Portugal, no ano passado, foram 42 mil as pessoas que participaram, com a sua assinatura, nesta ação, um número que a organização quer este ano superar. Na edição de 2013, são quatro as causas concretas que integram a Maratona de Cartas: Eskinder Nega, um jornalista etíope condenado a 18 anos de prisão por pedir que a liberdade de expressão seja respeitada no seu país; Yorm Bopha, ativista do direito à habitação, no Camboja, que está detida desde setembro de 2012; Ihar Tsikchanyuk, ativista bielorrusso pelos direitos LGBTI, agredido por polícias apenas por ser homossexual; e a comunidade de Nabi Saleh, na Cisjordânia, que, desde 2009, realiza semanalmente manifestações pacíficas contra a ocupação israelita, sempre reprimidas de forma violenta pelas autoridades. Com o destinatário certo, e em grandes quantidades, há cartas que podem fazer a diferença.