Aquilo que Belmira Rodrigues conta aconteceu há quase 50 anos, mas ao ouvi-la falar parece que foi ontem. As balas a entranharem-se nas paredes da casa, a proximidade do aeroporto e da base aérea de Luanda a ditarem o pânico no Bairro do Prenda, muito massacrado, a sorte de a sua mãe ter comprado as passagens de avião mal rebentara a guerra civil.
“Conseguimos trazer as nossas malas, com pouca roupa, e uma só com documentos. Mais nada”, lembra. “Estou a ver o meu pai a levar-nos ao aeroporto na carrinha do trabalho e a dizer: ‘Ó Maria, se eu soubesse, hoje ia também’, porque ele tinha decidido que ficava em Angola, não queria perder a casa, a serralharia, o táxi, mas os tiros metiam medo. Então a minha mãe, sempre previdente, mostrou-lhe os bilhetes que já comprara para todos e ele entregou as chaves ao seu funcionário, pedindo-lhe para tomar conta da nossa cadela.”