Ter uma “boa vibe” não se resume a uma questão de caráter. Se deu por si a sentir mais cansaço sem perceber porquê, com flutuações de humor e outros sintomas de mal-estar, onde entram as insónias, a impaciência e, não raras vezes, a propensão para comer demais ou ficar à beira de um ataque de pânico, isso pode ter muitas causas mas uma delas é, com grande probabilidade, de ter níveis baixos de serotonina (ou hidroxitriptamina). Este neurotransmissor estabelece a comunicação entre as células nervosas e o cérebro e também se encontra no sistema digestivo e nas plaquetas sanguíneas.
Produzida a partir de um aminoácido, o triptofano, regula várias funções do organismo, sendo o humor uma delas e não é por acaso que lhe chamam “molécula da felicidade”. Além disso, está envolvida na homeostase da temperatura corporal e do ritmo cardíaco, na coagulação do sangue, na cicatrização de feridas e na perceção da dor.
O apetite e o sono também são influenciados por este neurotransmissor e, recentemente, descobriu-se que ele pode ter influência na redução do declínio cognitivo. Um estudo da Universidade americana Johns Hopkins que envolveu imagens do cérebro de pessoas com perdas ligeiras ao nível do pensamento e da memória, mostrou que elas estavam relacionadas com níveis mais baixos de serotonina.
Estes resultados confirmaram investigações anteriores com doentes de Alzheimer, que tinham uma redução acentuada do neurotransmissor, o que levou a coordenadora do estudo, a neuropsiquiatra e investigadora Gwenn Smith, a admitir que aumentar esses níveis poderia ser uma solução para prevenir o agravamento da perda de memória e retardar a progressão de doenças neurodegenerativas.
O que acontece no organismo
Os níveis de serotonina situam-se entre os 101 e 283 nanogramas por mililitro. Quando esses níveis baixam, é esperado que surjam alterações do humor, do metabolismo e do comportamento. Como sabemos que esta hormona está em défice?
Um dos sinais é a desregulação do apetite: tem-se mais vontade de comer e, com frequência, alimentos pouco saudáveis – ou “junk food” – que conferem uma sensação de conforto. As mudanças de peso associadas a perturbações do metabolismo, diretamente ligadas ao funcionamento intestinal, o nosso “segundo cérebro”, onde este “mensageiro” está em abundância. Os resultados de estudos feitos na área do microbioma sugerem que 95% da serotonina é produzida no revestimento do trato gastrointestinal, sendo os outros 5% no cérebro. Daí falar-se do eixo intestino-cérebro, uma via de comunicação entre o sistema nervoso central e o sistema nervoso entérico, ou intestinal.
Refeições nutricionalmente pobres ou processadas são inimigas da saúde visceral e podem desequilibrar o microbioma, com implicações negativas: problemas digestivos e inflamatórios, fadiga e falta de concentração. Os estados ansiosos e depressivos são outro dos indicadores de um eventual défice desta hormona mensageira, cuja escassez tende a manifestar-se em irritabilidade, agitação e dificuldade em adormecer.
Em situações mais raras, também é possível ter esses níveis acima do normal, pelos efeitos secundários associados à combinação de medicamentos (por exemplo, antidepressivos e certos medicamentos para as dores ou enxaquecas e, até, um chá de Hipericão do Gerês, usado como remédio natural para melhorar o humor). Também conhecido por síndrome da serotonina, este desequilíbrio costuma fazer-se acompanhar de sintomas como agitação, diarreia, perda de massa muscular, hipertensão, náuseas, confusão mental e problemas respiratórios. Nestes casos, é mesmo preciso recorrer a uma consulta de psiquiatria.
Ainda faltam estudos
Por se tratar de uma área de investigação com alguma complexidade e cada corpo ser único, é prudente olhar com cautela para os estudos e as soluções que possam contribuir para um sistema “fit” nesta matéria. É essa a posição de José Camolas, vice-presidente da Ordem dos Nutricionistas. “A serotonina tem uma dupla função; em níveis adequados, regula o apetite e permite ter prazer, pequeno a moderado, na ingestão de alimentos”, esclarece. Porém, se estiverem alterados, esses dois mecanismos de controlo falham.
É preciso que o triptofano seja absorvido no intestino e passe a barreira hematoencefálica, entre o sangue e o cérebro, para ser convertido em serotonina
Quando tal acontece, “há uma tendência para aumentar o apetite, comer de forma rápida e em maiores quantidades e procurar alimentos com sabor mais intenso, ricos em gordura, açúcar e sal.” Escusado será dizer que este comportamento tem efeitos danosos num plano mais periférico, nomeadamente na microbiota, fundamental para o nosso sistema imunitário.
Pessoas com excesso de massa gorda corporal, mais propensas a alterações hormonais – no caso, insulina, grelina, leptina e adiponectina – tendem a ficar mais expostas à do apetite ao nível do sistema nervoso central, onde se incluem os mecanismos da serotonina e da dopamina (ligada ao sistema de recompensa do cérebro), adianta o especialista.
Por outro lado, nada garante que a ingestão de alimentos ricos em proteína, ou seja, em triptofano, contribuam para o aumento dos níveis do neurotransmissor. “É preciso que o triptofano seja absorvido no intestino e passe a barreira hematoencefálica, entre o sangue e o cérebro, para ser convertido em serotonina.”
Se a relação entre a serotonina, o apetite e a resposta hedónica – a procura de satisfação pelo sabor – não estiver equilibrada, como vimos, “o aminoácido não chega a ser molécula, quer dizer, mesmo que se aposte em refeições ricas em triptofano”.
Fatores que diminuem a produção de serotonina
- Deficiência de triptofano, ácidos gordos ómega-3, vitamina B6 e vitamina D (envolvidos na produção do neurotransmissor)
- Dificuldades de absorção de nutrientes
- Stresse crónico
- Dieta pobre em nutrientes e rica em alimentos processados
- Baixa exposição à luz solar
- Mudanças hormonais
- Sedentarismo
Sintomas
- Ansiedade e depressão
- Problemas de atenção e memória
- Aumento do apetite
- Irritabilidade e conduta impulsiva
- Inflamações gastrintestinais
- Fadiga e insónia
O que mantém ou promove os níveis de serotonina?
Cuidar da saúde deste importante mensageiro passa por cultivar estilos de vida saudáveis e ter uma dieta rica em determinados alimentos
Exercício físico: caminhar, correr ou dançar são amigos da serotonina. Estudos feitos pelo psiquiatra e investigador francês David Servan-Schreiber levaram-no a concluir que o exercício regular estimula a produção deste neurotransmissor, referindo-os num capítulo de uma das suas obras, intitulado “Prozac ou Adidas”, numa alusão aos efeitos benéficos do movimento, ao nível do humor e do sono
Exposição à luz: não apenas a solar, como através do recurso à terapia da luz, com lâmpadas específicas, geralmente receitadas por médicos
Gerir o stresse: andar a mil dá conta do circuito uma respiração completa e pausada, complementada por exercícios de relaxamento físico e psicológico, seja através de um banho quente, de um passeio na natureza ou de práticas meditativas e passatempos que promovem a concentração e a coordenação entre mente e corpo
Dieta: ingerir alimentos ricos em triptofano, presente em certos frutos (bananas, nozes, abacaxi), em peixes ricos em ácidos gordos ómega-3 (salmão, sardinha), nos ovos, no queijo e no tofu. A suplementação com o aminoácido 5-HTP, sintetizado a partir do triptofano, é usada em programas anti-envelhecimento, para a regulação da dor e outras funções cerebrais e nervosas
Fármacos: inibidores seletivos da recaptação da serotonina e da norepinefrina – SSRI’s e SNRI’s – são uma classe de antidepressivos que permitem restabelecer os níveis em défice quando as outras opções não são suficientes e há uma perturbação mental diagnosticada, mas requer receita médica