A acusação da parte do processo da EDP que diz respeito aos CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual), que envolve António Mexia e João Manso Neto, antigos administradores da empresa, não deverá sair até ao próximo dia 1 de julho, como estava anteriormente determinado. Tudo porque, na sequência de um despacho do juiz Nuno Dias Costa, que ordenou a destruição de vários emails do processo, as defesas alegaram que essas comunicações contaminaram outras provas recolhidas posteriormente. Ao que a VISÃO apurou, os advogados de António Mexia, Manso Neto e João Conceição elencaram uma série de factos que também devem ser retirados do processo. Enquanto Nuno Dias Costa não decidir, o Ministério Público não irá acusar, sob pena de utilizar prova que, entretanto, foi retirada.
O caso da apreensão dos emails de António Mexia e João Manso Neto tem sido uma batalha da defesa dos antigos gestores da EDP no processo dos CMEC, um caso que, em resumo, investiga um alegado favorecimento à empresa – e prejuízo para o Estado em 1,2 mil milhões de euros – com os CMEC que, em 2005, sucederam ao CAE (Custos de Aquisição de Energia). Basicamente, os advogados João Medeiros, Rui Costa Pereira e Inês Almeida Costa alegaram que só o juiz de instrução poderia apreender emails, fosse qual fosse o seu estado (“lido” ou “não lido”), enquanto o Ministério Público considerou que os procuradores poderiam recolher comunicações eletrónicas “lidas” pelo recetor das mesmas, já que estas não tinham a condição de “correspondência”, passando a “documento”.
Com duas decisões contraditórias do Tribunal da Relação de Lisboa, a defesa de António Mexia e Manso Neto recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, pedindo uma uniformização de jurisprudência. Em outubro de 2023, por unanimidade, o STJ considerou que, independentemente do estado, só um juiz de instrução pode apreender comunicações eletrónicas porque trata-se de correspondência.
Na sequência deste acórdão, e perante algumas notícias que davam conta da intenção dos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, apesar da decisão do Supremo, incluírem os emails como prova da acusação, a defesa de João Conceição, gestor da REN, requereu ao juiz Nuno Dias Costa para, de certa forma, intimar os magistrados do MP de que, caso tal acontecesse, incorriam num crime de desobediência. Os advogados, afirmaram estar perante um “golpe de estado judiciário”. “Através do qual o Ministério Público”, continuaram Rui Patrício e Tiago Geraldo, “achando-se acima de decisões jurisdicionais e lançando mão de manobras que, se acaso proviessem das defesas, seriam taxadas, no mínimo, como inadmissível chicana, agiria como se decisões não houvesse, que há, ou que não estivesse obrigado a cumpri-las, como está”.
Na resposta, Nuno Dias Costa considerou-se impotente para agir, até porque é ao Ministério Público que compete a dedução da acusação e esta magistratura goza de autonomia. Porém, e recordando o acórdão do do Supremo Tribunal de Justiça e a sua própria decisão em ordenar a destruição das comunicações em causa, caso a situação, colocada de forma hipotética pelas defesas, se concretize, então serão retiradas todas as consequências. “O que não se mostra possível neste momento é ordenar ao Ministério Público que, sob pena de desobediência, omita na fase de inquérito a valorarão de um concreto meio de prova”, referiu o magistrado judicial. Porém, no mesmo despacho, afirmou que a decisão do Supremo traduzia-se “na invalidade da prova”, os emails, “e nas consequências dessa invalidade”.
Nas semanas seguintes a este despacho de Nuno Dias Costas, as defesas, segundo informações recolhidas pela VISÃO, vasculharam as milhares de páginas do processo, procurando identificar provas recolhidas posteriormente à apreensão dos emails e que tiveram na sua base o conteúdo das comunicações, entretanto declaradas nulas. Por exemplo: se uma testemunha foi confrontada com o teor dos emails de António Mexia e João Manso Neto, o seu depoimento pode ser considerado nulo, já que a prova exibida foi declarada inválida. Outro exemplo: se, perante o conteúdo das comunicações, o Ministério Público fez buscas a outras entidades, recolhendo material complementar, estes dados também podem ser nulos, já que tiveram na origem uma prova inválida. Ou seja, os advogados bateram-se pela teoria dos “frutos da árvore envenenada”.
O Caso EDP/CMEC acabou por levar, em dezembro de 2022, à acusação do ex-ministro Manuel Pinho, da mulher Alexandra Pinho, e do ex-banqueiro Ricardo Salgado – cujo julgamento terminou este mês com condenações para ambos – por factos não relacionados com a empresa e os Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), que estiveram na origem do inquérito aberto em 2012.
Já António Mexia e João Manso Neto são arguidos desde 2017, por suspeitas dos crimes de corrupção e participação económica em negócio, e continuam a ser investigados pelo Ministério Público, sem que tenha sido ainda proferida uma acusação. Os dois gestores foram suspensos de funções na EDP em julho de 2020, tendo entretanto deixado a empresa.