Depois de, em dezembro de 2022, ter separado do processo da EDP a parte relativa a suspeitas de corrupção entre Ricardo Salgado e Manuel Pinho, antigo ministro da Economia, atualmente em julgamento, o Ministério Público decidiu fatiar novamente o processo, dando origem a quatro novas investigações autónomas, segundo um despacho a que a VISÃO teve acesso: o caso dos CMECs, que envolve António Mexia e Manso Neto, ex-administradores da EDP; as suspeitas sobre a contratação pela EDP do pai de Artur Trindade, antigo secretário de Estado da Economia; a construção da barragem do Baixo Sabor pela empresa brasileira Odebrecht; e, por fim, suspeitas sobre a contratação de Manuel Pinho e do seu filho pela consultora Roland Berger.
A decisão de separação processual dos temas foi tomada, ainda em dezembro, pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), os quais, recorde-se, deverão avançar, até ao final de março, com uma acusação contra António Mexia e Manso Neto, no âmbito do inquérito que investiga eventual favorecimento à EDP com os chamados CMECs (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual), uma compensação recebida pela EDP, desde 2007, devido à cessação antecipada de vários Contratos de Aquisição de Energia (CAE).
Em resumo, a empresa aceitou colocar um ponto final nos CAE de que beneficiava, passando as centrais elétricas a vender eletricidade no mercado. De forma a assegurar o mínimo de neutralidade financeira com a mudança, o Estado português aprovou os CMEC, que estabeleceram um pagamento adicional à receita das centrais da EDP. Segundo o Ministério Público, a fórmula de cálculo encontrada provocou um prejuízo aos contribuintes de 1,2 mil milhões de euros, algo que tem sido contestado nos últimos anos pela defesa de Manso Neto e António Mexia.
Contactados pela VISÃO, os advogados dos antigos administradores da EDP confirmaram terem sido notificados da separação processual, lamentando, porém, que “esta decisão tenha demorado tanto tempo a ser tomada”. Ainda assim, João Medeiros, Rui Costa Pereira e Inês Almeida Costa consideram que, no atual contexto, tal decisão permitirá uma “análise objetiva da realidade dos factos”.
Por outro lado, os advogados afirmaram “esperar que todos os processos separados mantenham o mesmo cariz urgente, não podendo esta separação constituir um expediente ilegítimo, utilizado apenas para se eternizar o estatuto de arguido de António Mexia e de João Manso Neto, num processo e num inquérito que se arrasta inacreditavelmente há 12 anos.”
O despacho de separação de processo revela ainda que Manuel Pinho será investigado num novo inquérito, centrado exclusivamente à sua contratação e do seu filho, Sebastião Pinho, pela consultora Roland Berger, em 2007. Segundo o Ministério Público, em 2007, o filho do antigo ministro foi contratado pela Roland Berger, ao mesmo tempo que o governo, do qual Pinho ainda fazia parte, lhe adjudicou a elaboração do Plano Estratégico Nacional do Turismo por cerca de um milhão de euros. “Importa ainda investigar as circunstâncias em que, um ano após sair do governo, Manuel Pinho veio a ser contratado por uma subsidiária espanhola da Roland Berger para prestar serviços na América Latina e África”, tendo pago 230 mil euros, “embora a empresa tenha concluído que, entre 2010 e 2013, não tenha encontrado evidência do trabalho realizado”, refere o documento do DCIAP.
Quanto à empresa brasileira Odebrecht, os procuradores pretendem voltar a separar o caso do processo da EDP, investigando autonomamente as suspeitas à volta da construção da barragem do Baixo Sabor, em Torre de Moncorvo, Bragança, cujo consórcio incluiu ainda o Grupo Lena. É neste contexto que surgiram referências a pagamentos a um “príncipe”, o que, numa primeira fase, levantou suspeitas sobre um eventual financiamento à campanha de Pedro Passos Coelho, em 2015. Contudo, o processo não contém indícios fortes de que tal terá acontecido.
A última certidão extraída diz respeito a Artur Trindade, antigo secretário de Estado da Economia, cujo pai foi contratado pela EDP. Para os procuradores, António Mexia e João Manso Neto acordaram com o antigo governante, “assim que este assumiu as funções de secretário de Estado da Energia, em 2012, que este favoreceria a EDP”, se a empresa “contratasse o seu pai como consultor, o que veio a ocorrer cerca de três meses depois daquela tomada de posse”.
Neste último inquérito será ainda investigada a contratação de Liliana Alves, namorada de um irmão de Artur Trindade, também pela EDP e a constituição de duas empresa, a “Tradeseb” e a “Suportemagno” por um irmão de Artur Trindade para obter licenciamentos de projetos junto do ex-secretário de Estado.