Cada vez mais comuns, os esquemas internacionais de burlas online têm registado um aumento significativo do número de vítimas no último ano. Entre os que mais têm crescido estão os esquemas de “abate de porcos”, um tipo de burla – conduzida por gangs chineses – que ganhou seu nome por fazer “engordar” as suas vítimas antes de lhes tirar todo o seu dinheiro. Os burlões envolvidos neste tipo de crime, conduzido, na maioria dos casos a partir do Sudeste Asiático, assumem identidades falsas na internet, de forma a estabelecerem relações de grande proximidade com as suas vítimas, incentivando-as a investir as suas poupanças em sites fraudulentos de criptomoedas. Vários investimentos depois, as vítimas vêem-se sem nada.
Segundo os dados apresentados à CNN, o FBI estima que dos quase 5 mil milhões de dólares perdidos para fraudes de criptomoedas em 2023, cerca de 3,96 mil milhões digam respeito a golpes de “abate de porcos” – um aumento significativo em relação ao ano anterior. Esta subida tem provocado alarme entre as autoridades que preveem que os números continuem a crescer no próximo ano. Mesmo que, por vezes, seja possível recuperar parte do dinheiro perdido, a detenção dos burlões envolvidos nestes esquemas é muito difícil.
Embora o crime aconteça digitalmente, os seus efeitos produzem consequências reais e devastadoras na vida das suas vítimas. Recentemente, em entrevista à CNN, a família de uma das vítimas destes esquemas relatou a forma como o pai pôs termo à vida após ter sido envolvido num esquema de burla internacional. “Assim que soube que se tratava de um suicídio, tive 100% de certeza de que era o esquema”, contou Matt, filho da vítima. “O nosso pai foi, desde o dia em que nasci até há seis meses, sempre uma pessoa positiva e feliz. Esta foi, literalmente, a única coisa que lhe aconteceu na vida que o mudou e que o esmagou”, referiu.
Dennis Jones, de 82 anos, suicidou-se há cerca de três meses após ter perdido tudo o que tinha num esquema de “abate de porcos”. Reformado, com filhos e netos, Jones é descrito pela sua família como “um pouco ativista”, tendo dedicado grande parte do seu tempo livre a trabalhar com refugiados e a debater política online. Divorciado há vários anos, os filhos dizem que terá mudado de comportamento após ter conhecido uma mulher – “Jessie” – na rede social Facebook, com quem veio a construir uma relação próxima. Terá sido “Jessie” quem o convenceu a investir num site de criptomoedas, com o pretexto de aumentar as suas poupanças. Sem nunca a ter conhecido pessoalmente, Jones investiu tudo o que tinha no site indicado por “Jessie”, até que, um dia, todo o dinheiro que tinha colocado na plataforma digital desapareceu, deixando-o sem nada.
Após terem conhecimento do golpe, a sua filha mais nova, Adrianne Jones, convidou-o para ir viver consigo numa quinta no estado da Virgínia, nos Estados Unidos. No entanto, após não comparecer a um encontro marcado com os filhos, o seu corpo foi encontrado pela polícia já sem vida. Os filhos de Dennis Jones só se aperceberam da real dimensão do problema meses após perderem o pai, quando descobriram um conjunto de mensagens trocadas entre o progenitor e “Jessie” no Facebook, em que relatava os efeitos que o golpe tinha provocado na sua vida. “Tenho tido pensamentos sombrios sobre a minha vida e o seu fim. Parece que a minha vida financeira está acabada. E o maior sofrimento é o facto de ter traído a confiança da família. Isto é insuportável”, pode ler-se numa das suas mensagem, entregue à CNN pelos filhos. “Ele não estava a enfrentar uma pessoa. É uma organização criminosa multibilionária com um manual que joga com as emoções… Foi quase como se lhe tivessem feito uma lavagem cerebral”, referiu Adrianne.
Dennis Jones foi apenas mais uma das vítimas do círculo de burlas com sede no Sudeste Asiático.”O que é espantoso aqui é que estes burlões no estrangeiro descobriram uma forma de conseguir que as vítimas confiem neles em vez de nas suas próprias famílias”, referiu Erin West, procuradora no estado da Califórnia, nos EUA, envolvida no combate aos esquemas online deste género. West e a sua equipa integram parte de um pequeno grupo de agências nos Estados Unidos envolvidas no combate a crimes online e no estrangeiro. “Sou procuradora há mais de 25 anos e já me ocupei de todo o tipo de crimes. E nunca vi a dizimação absoluta de pessoas que vi como resultado do abate de porcos”, referiu também à CNN.
À semelhança de Jones, Carina – nome fictício – foi também envolvida num destes esquemas após ter iniciado uma relação romântica com “Evan”, um homem que conheceu através de uma aplicação de encontros, em maio de 2023. Foi “Evan” que a terá incentivado a investir em “Kraken”, uma empresa de criptomoedas online, através de um link falso. “Nunca tinha conhecido ninguém como tu. É difícil acreditar que me estou a apaixonar por um homem que nunca vi ou com quem nunca falei”, pode ler-se numa das mensagens trocadas entre Carina e “Evan”, à qual a CNN teve acesso.
O primeiro sinal de que algo não estaria bem aconteceu após o burlão a pressionar a participar num “evento” da empresa no qual Carina deveria investir cerca de 150 mil dólares – investimento que, caso não fosse pago até determinado prazo, resultaria na perda de todo o dinheiro investido até então. A situação levou-a a contrair um empréstimo de juros elevados e a pedir dinheiro a amigos e familiares, uma vez que “Evan” se terá recusado a ajudá-la. Contudo, e mesmo tendo atingido a quantia requerida, Carina perdeu o acesso às suas contas por ter, alegadamente, violado as regras da plataforma ao ter investido na mesma conta que “Evan”.
Meses de desespero depois, Carina partilhou a situação com a família e amigos, que a aconselharam a denunciar a situação à empresa de criptomoeda na qual pensava estar a investir. Foi através do contacto com a Kraken que Carina descobriu não existir qualquer registo de uma conta em seu nome na empresa. “Nessa altura, percebi que tinha sido enganada. E fiquei destroçada. Era tudo falso. Era um perfil falso. Era uma história falsa. A quantidade de tempo que ele passou a preparar-me e a conhecer-me foi incessante”, lamentou. Com uma situação financeira debilitada, Carina viu-se forçada a regressar para casa dos pais, e estimava demorar uma década a pagar todas as dívidas que contraiu.
Atualmente, o variado leque de redes sociais – desde o WhatsApp ao Facebook – e aplicações de encontros disponíveis – como o Tinder e o Bumble – são um veículo para as muitas burlas digitais. “A infeliz realidade é que os burlões podem tentar enganar os que procuram amor ou uma ligação – nas aplicações de encontros e em todas as plataformas em linha”, explicou um porta-voz do grupo do Match, através de um comunicado.
Contactados pela CNN, o Match – empresa que detém o Tinder – e a Meta confirmaram estar a desenvolver mecanismos de bloqueio a burlas nas suas plataformas. Em maio, as empresas juntaram-se a um grupo de gigantes tecnológicos – da qual faz parte a empresa de criptomoeda Coinbase – para integrar a Tech Against Scams Coalition, de forma a reconhecerem que os golpes “são um problema generalizado em todo o cenário tecnológico”.
Quando os burlões são também as vítimas
Desenvolvida em 2023, uma investigação CNN já havia revelado que muitas das pessoas por detrás destes golpes são, na verdade, vítimas de tráfico humano, atraídas para o sudestes asiático com promessas de trabalho. Foi o que aconteceu a Rakesh, um homem indiano que, em 2022, se tornou numa vítima de tráfico humano após ter sido forçado a assinar um contrato de trabalho de burla sob ameaça de execução em Mianmar.
Atualmente, cidades do sudeste asiático, como o Camboja, Laos e Mianmar, integram grande parte do circuito de tráfico humano. Assoberbada por uma guerra civil, Mianmar é um dos seus principais pontos, existindo relatos de verdadeiras fábricas de burlas com dezenas de vítimas de tráfico obrigadas a integrar os esquemas de criptomoedas falsas.
Em entrevista à CNN, Rakesh revela ter sido forçado a fazer-se passar por uma investigadora russa, pelo nome de “Klara Semonov”, de forma a envolver-se com potenciais vítimas online e a roubá-las. Libertado há cerca de um ano, altura em que o seu contrato terá chegado ao fim, Rakesh refere que a sua dispensa terá ficado a dever-se ao facto de não ser “suficientemente bom” a fazer burlas. “Estavam a tratar-nos como escravos”, explicou após ter sido libertado.
Localizados perto da fronteira com a Tailândia, estes complexos utilizam os serviços tailandeses de telecomunicações para praticar as suas burlas. Situação que conta com conhecimento do governo tailandês que já afirmou estar a desenvolver esforços para travar as burlas. Contudo, a situação permanece à medida que os burlões passam a recorrer a outros meios de ligação à Internet – como o Starlink – para continuar com as suas burlas.