Pouco mais de uma semana após o seu lançamento, “Sob as Águas do Sena” já é o novo sucesso da Netflix integrando o topo dos mais vistos da plataforma de streaming. O thriller – dirigido por Xavier Gens – chegou à Netflix a 5 de junho e, apesar de ser puramente ficção, está a levar questões sobre a plausibilidade da presença de tubarões nas águas do rio Sena, em Paris, França.
A premissa do filme, que se passa na capital francesa durante o verão de 2024 – altura do campeonato de Triatlo – parte da presença do predador aquático nas águas da capital francesa durante uma das provas mais aguardadas dos Jogos Olímpicos. Sophia – a protagonista do drama interpretada pela atriz Bérénice Bejo – é uma cientista que, ao descobrir que existe um tubarão-branco gigante a viver nas águas do rio, tenta evitar que ocorra uma tragédia. Com várias cenas de ação aquática, o filme obteve a classificação de 63% na escala cinematográfica Rotten Tomatoes.
Será realmente possível a presença de um tubarão nas águas do Sena?
A resposta curta a esta pergunta será não. De acordo com Sébastien Brosse, professor de biologia animal na Universidade de Toulouse, até à data nunca foi visto nenhum tubarão no rio da capital francesa. “Em geral, os tubarões não sobem os rios. A exceção é o tubarão-balão, que pode percorrer milhares de quilómetros até ao Amazonas, mas trata-se de uma espécie que vive em zonas tropicais”, explicou ao jornal Le Monde.
Contudo, e segundo a opinião de alguns especialistas e biólogos marinhos, apesar da ideia parecer absurda, não será totalmente impossível, uma vez a presença deste predador marinho num rio como o Sena seria – tecnicamente – plausível, caso estivessem reunidas as condições certas.
Primeiramente, tudo depende da espécie de tubarão. “Não escolheram a espécie certa. De todas as espécies de tubarões de grande porte capazes de atacar o ser humano com objetivo de predação, apenas uma é capaz de viver em água doce: o tubarão-touro. É eurialino, o que significa que pode aventurar-se em água doce, possivelmente para morder os humanos, sem sofrer. É também uma das três espécies mais perigosas: o tubarão branco, o tubarão tigre e o tubarão touro. Entre os três, são responsáveis por quase 80% das mordeduras fatais em seres humanos”, explicou Éric Clua, especialista da École Pratique des Hautes Études, em entrevista à revista francesa L’édition du soir.
Assim, os tubarões brancos – semelhantes ao que surge no filme – não seriam capazes de sobreviver nas águas doces do Sena, uma vez que estão especificamente adaptados para habitar em água salgada. Já os tubarões-touro – uma espécie de tubarões eurialinos – são capazes de tolerar grandes variações de salinidade – ou seja, de transitar de água salgada para doce – bem como variações de temperatura, pelo que seria possível sobreviverem no rio parisiense. Uma ideia corroborada por Nicolas ZianiZian, especialista em ictiologia marinha, que considera implausível a ideia de um grande tubarão-branco no Sena. “O grande tubarão-branco é extremamente sensível e não sobreviveria dois dias nas águas do Sena, mesmo sem poluição. Este filme apresenta um catastrofismo que beira a demência e não tem credibilidade científica, apesar de tentar passar uma vaga mensagem ecológica, quase como propaganda”, criticou Ziani em declarações ao jornal Le Parisien.
Seriam ainda necessárias condições climáticas que possibilitasse a sobrevivência de um tubarão-touro no Sena, uma vez que estes predadores frequentam, tipicamente, apenas águas quentes e tropicais, o que não coincide com as águas mais frias da França. A existência de algum tubarão desta espécie em águas francesas só seria possível caso ocorresse uma subida significativa da temperatura das águas do rio – um cenário que só poderá vir a ser verdade devido aos efeitos das alterações climáticas.
Ademais, mesmo que este cenário se verificasse, os tubarões teriam um longo caminho a percorrer, uma vez que a cidade de Paris se encontra muito longe da foz do Sena, sendo praticamente impossível chegarem à capital francesa.
O filme tem também gerado várias críticas por parte de associações de defesa dos animais, que acreditam que o filme evoca uma imagem negativa sobre o animal. Ao longo da costa francesa existem cerca de 75 espécies de tubarões que não representam perigo para o homem. “Os tubarões desempenham um papel essencial na saúde dos oceanos, no equilíbrio da cadeia alimentar e na diversidade das espécies. É somente na tela do cinema que eles nadam no rio Sena, em Paris, ou no Tâmisa, em Londres, a devorar pessoas”, pode ler-se num comunicado do Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal, emitido esta quarta-feira. Todos os anos, cerca de 100 milhões de tubarões morrem vítimas de pesca comercial, um número muito superior ao que os cientistas estimam ser sustentável para os ecossistemas marinhos.
Apesar de não ser necessariamente possível encontrar tubarões a nadar no Sena, já foi registada nas suas águas a presença de outros seres marinhos. Em 2022, foi avistada – a cerca de 70 quilómetros de Paris – uma baleia beluga, uma espécie que habita as águas frias do Ártico. O animal, de espécie protegida, acabou por morrer após ser retirado do rio parisiense.