Centenas de lesados do ex-Banco Espírito Santo (BES), constituídos como assistente no processo-crime que vai julgar Ricardo Salgado, entre outros arguidos, já avançaram com recursos contra a decisão da juíza presidente do coletivo de retirar do caso os pedidos de indemnização. Segundo números apurados pela VISÃO, nas Varas Criminais de Lisboa já deram entrada mais de 150 recursos, os quais terão que ser apreciados pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Foi em janeiro deste ano que a juíza Helena Susano – que agendou para 18 de junho o início do julgamento – determinou o afastamento do processo-crime dos 1306 pedidos de indemnização cível que constavam dos autos. No despacho, a magistrada considerou que a permanência dos pedidos no processo tornaria “intolerável o retardamento que acarreta ao processo penal” por “as matérias” em causa “não se compaginarem, em sede penal, com o rigor que se exige do julgador”. “Não se pense que o tribunal, ao tomar esta decisão, se mostra insensível à necessidade de novo impulso processual por parte dos demandantes, agora na instância cível, ao cabo do tempo já decorrido”, acrescentou.
Tal decisão não agradou aos lesados, que procuram reaver algum do dinheiro investido e perdido no BES através do processo-crime, nem a alguns dos arguidos, que alegaram falta de condições económicas para, atualmente, contestarem as eventuais 1306 ações cíveis que dariam entrada nos tribunais.
O Ministério Público, por sua vez, pronunciou-se, colocando-se ao lado dos mais de dois mil lesados que constam dos autos. Tentando encontrar um equilíbrio entre as posições dos juízes e as expectativas dos lesados, os procuradores do Ministério Público no julgamento, Carla Dias, César Caniço e Sofia Gaspar, propuseram uma solução: o tribunal apenas manter no processo os pedidos cíveis “em que a prova é integralmente (ou quase) a da acusação” e nos quais “são são suscitadas” novas questões, nem diligências além das já definidas no objeto do processo.
Os procuradores do Ministério Público realçaram, num requerimento a que a VISÃO teve acesso, que, caso todos os pedidos cíveis fossem separados do processo-crime, estes teriam que “aguardar decisão” do julgamento (crime) “com trânsito em julgado, sob penal de oposição de julgados”, isto é, decisões contraditórias entre a justiça cível e a criminal.
Por outro lado, continuaram os magistrado do MP, “não se vislumbra como seria possível aos arguidos defenderem-se em 1306 ações cíveis (mesmo em termos económicos)”. E mais: também os lesados acabariam por sair prejudicados, porque “muitos deles nem podem beneficiar de apoio judiciário, pois embora nada tenham, os investimentos financeiros que fizeram e a que se alude na acusação continuam a figurar como património que existe para efeitos de IRS”.
Quando a eventuais pagamentos de indemnizações, o Ministério Público recorda que o património arrestado à ordem do processo-crime – que totaliza mais de 500 milhões de euros – “não é transmissível” às eventuais novas ações cíveis, uma vez que foi arrestado como garantia de “pagamento de eventuais penas pecuniárias e de outros créditos, designadamente de lesados e Estado”.
Queda do banco aconteceu há dez anos
Este processo teve início na queda do Banco Espírito Santo, em 2014 — foi a 3 de agosto de 2014 que o Banco de Portugal anunciou a resolução do BES. A acusação foi conhecida em julho de 2020, já com um dos arguidos falecido — José Castella. Também José Manuel Espírito Santo, da família, e que tinha sido acusado pelo Ministério Público de oito crimes, morreu no ano passado.
Ricardo Salgado será julgado por 29 crimes de burla qualificada (em operações que provocaram prejuízos superiores a 11 mil milhões de euros), 12 de corrupção ativa no setor privado, sete de branqueamento, sete de falsificação de documento, cinco de infidelidade, dois de falsificação de documento qualificada, dois de manipulação de mercado e um de associação criminosa.
Durante a fase de instrução, vários advogados defenderam que não estavam reunidos os pressupostos para configurar crime de associação criminosa, mas o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decidiu manter a acusação por este crime, que surge em coautoria com Machado da Cruz, Morais Pires, Isabel, Almeida, António Soares, Pedro Pinto, Nuno Escudeiro, Pedro Serra, Alexandre Cadosh, Michel Creton, Cláudia Faria e Paulo Ferreira.
“O interesse do arguido Ricardo Salgado em todos os esquemas delineados por si, ou por terceiros, a seu mando, perpassa a acusação e é puramente financeiro, já que não está acusado de praticar caridade“, escreveu o juiz Pedro Santos Correia, no despacho da decisão instrutória, acrescentando que “os planos” de Salgado “não seriam certamente por causas sociais, pelo que a estratégia da defesa que assim vem sustentada é, no mínimo, hipócrita, já que parece que nem leu a acusação no seu todo”.