Pela primeira vez, um procurador do Ministério Público (MP) admite que a demissão do primeiro-ministro, António Costa, foi provocada pela “Operação Influencer”. Ao contrário do que tinha afirmado a Procuradora-geral da República – “Não me sinto responsável por demissões”, declarou Lucília Gago – o instrutor do processo disciplinar à magistrada Maria José Fernandes refere que o caso “objetivamente terá eventualmente feito cair, direta ou indiretamente, um primeiro-ministro”.
As considerações do instrutor do processo disciplinar José Sousa Coelho constam, segundo informações recolhidas pela VISÃO, do relatório final da averiguação à conduta da magistrada devido a um artigo no jornal Público, “Ministério Público: como chegamos aqui?”, no qual Maria José Fernandes teceu algumas críticas ao funcionamento interno do MP, na sequência de várias polémicas à volta da “Operação Influencer”.
No texto, recorde-se, Maria José Fernandes, embora sem se referir diretamente à Operação Influencer, questionou como foi possível chegar até aqui, ou seja, até “à tomada de decisões que provocaram uma monumental crise política e cujas consequências vão ainda no adro”, questionando métodos de trabalho e investigação do MP, designadamente do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
“Em todos os departamentos de investigação e ação penal, mas mormente no DCIAP, deveria privilegiar-se o pensamento crítico, a discussão interdisciplinar, nomeadamente com colegas de outras jurisdições tocantes ou conexas; temo que se tornem cabines herméticas, onde pontuam algumas prima donnas intocáveis e inamovíveis e onde a “falta de meios”, de peritos disto e daquilo é sempre a velha razão para os passos de tartaruga a que se movem as investigações”, acrescentaria a procuradora.
Francisco Narciso, diretor do DCIAP, não gostou do que leu e fez uma participação à Procuradora-geral. “Não esperávamos, por isso, que no momento em que o MP é mais atacado, uma magistrada do próprio MP produzisse declarações, a meu ver essencialmente erradas, mas, em qualquer caso, que diminuem a imagem do MP e dos seus magistrados, que não revelam qualquer solidariedade, que não têm em consideração o seu trabalho”, referiu, o que levou Lucília Gago a avançar com um “processo especial de averiguações”.
Concluída esta fase, o instrutor propôs, tal como a VISÃO adiantou, a conversão em processo disciplinar, apontando a Maria José Fernandes três infracções: violações dos deveres de reserva, lealdade e correcção, afirmando, entre outros argumentos, que a procuradora se deixou “um pouco inebriar pelas solicitações jornalísticas” e “quiçá alguma ânsia de protagonismo”.
Por um lado, José Sousa Coelho admite que a magistrada possa escrever sobre “assuntos de carácter genérico, ou até discutíveis nos planos constitucional e estatutário”, como o Estatuto dos Magistrados do Ministério Público e as funções da hierarquia, não pode é descer a casos concretos, “poluindo escusadamente espaços de que não era totalmente conhecedora e titular”.
Como pena a aplicar, José Sousa Coelho propõe a aplicação de uma advertência, já que, na sua opinião, Maria José Fernandes agiu com culpa leve.
Esta quarta-feira, após a VISÃO ter revelado a proposta do inspetor do MP, a procuradora declarou à Agência Lusa: “Só posso dizer que estou tranquila e que vou defender-me com alguma facilidade. Já esperava [o processo disciplinar], porque os magistrados estão em grande maioria na secção disciplinar”. A abertura do processo disciplinar foi aprovada na secção disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público por sete votos (todos procuradores) a favor e três contra (não magistrados). Um quarto elemento não magistrado pediu escusa na votação.