A questão pode parecer, à partida, um mero preciosismo jurídico mas, no final, tem um enorme impacto em várias investigações em curso: há diferenças entre um email aberto (lido) e um por abrir? Até agora, os tribunais não têm tomado uma posição coerente, existindo duas interpretações: uma em que não faz distinção, considerando que só o juiz de instrução pode apreender a correspondência eletrónica, independentemente do seu estado; e uma segunda, que refere a possibilidade de o Ministério Público apreender emails já abertos, uma vez que estes passam à condição de documentos. Este tema, central na investigação do caso EDP – a parte que envolve António Mexia e Manso Neto -, foi discutido e decidido num acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, declarando que, independentemente do estado das mensagens, só o juiz de instrução as pode apreender.
Este acórdão terá uma consequência direta na investigação CMEC/EDP – da qual saiu o processo por suspeitas de corrupção entre Manuel Pinho e Ricardo Salgado, atualmente em julgamento -, uma vez que uma das principais provas recolhidas pelo Ministério Público dizia, precisamente, respeito a emails trocados entre António Mexia , ex-presidente da EDP, e Manso Neto, antigo administrador da empresa, os quais foram apreendidos pelo MP, sem autorização judicial. Porém, noutros processos em que a prática da apreensão pelo Ministério Público de mensagens abertas foi levada a cabo, a prova terá que ser anulada. Fontes judiciais adiantaram à VISÃO que podem estar em causa muitas investigações, por exemplo, da Autoridade da Concorrência.
A importância desta decisão do Supremo e os efeitos que a mesma pode ter no processo foi, implicitamente, admitida pelo vice-PGR num despacho de 8 de março deste ano, no qual fixou um prazo de seis meses para a conclusão da segunda parte do “caso EDP”. Ao mesmo tempo que decidiu que os procuradores tinham até setembro para fechar a investigação, Carlos Adérito Teixeira admitiu estender tal prazo, “designadamente por força da decisão que venha a ser, entretanto, proferida” pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Os próprios procuradores do processo, Carlos Casimiro e Hugo Neto, justificaram uma espécie de compasso de espera na investigação com a fixação de jurisprudência por parte do Supremo, que acabou por anular a prova recolhidas pelo MP.
Nas alegações para o STJ, feitas pelo vice-Procurador Geral da República, Carlos Adérito Teixeira, o MP entendeu que o Supremo deve decidir no sentido de que “compete ao Ministério Público determinar a recolha de correio eletrónico, se o mesmo for encontrado no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso a um sistema informático, bem como a determinação de quais as mensagens pertinentes em termos probatórios, competindo ao juiz autorizar (ou não) a apreensão das mesmas e a respetiva junção aos autos, nos casos em que as mensagens não tenham, ainda, sido aberta ou acedidas pelo destinatário”.
Por sua vez, João Medeiros e Rui Costa Pereira, advogados de António Mexia e Manso Neto, apoiados por um parecer jurídico de Nuno Brandão, defenderam que o STJ deveria fixar a jurisprudência no sentido de que “na fase de inquérito, é da competência do juiz de instrução criminal a decisão sobre a apreensão e junção aos autos de mensagens de correio eletrónico, mesmo que se encontrem sinalizadas como abertas no momento da respetiva apreensão”.
Tese que acabou por vencer por unanimidade dos 15 juízes conselheiros que integram as duas secções criminais do Supremo (3ª e 5ª). No acórdão, a que a VISÃO teve acesso, os conselheiros realçaram que a “distinção entre mensagens abertas e fechadas é, neste âmbito, em bom rigor, artificial e falível”, considerando ser “praticamente pacífico que o regime de intromissão no correio eletrónico ou similar (…) terá de exigir a intervenção do juiz de instrução, como juiz das liberdades, independentemente de as mensagens se encontrarem ou não assinaladas como abertas”.
Este inquérito diz respeito a suspeitas de corrupção e participação económica em negócio nos procedimentos relativos à introdução no setor elétrico nacional dos Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC).
O caso está relacionado com os CMEC no qual Mexia e Manso Neto são suspeitos de corrupção e participação económica em negócio para a manutenção do contrato das rendas excessivas, no qual, segundo o Ministério Público, terão corrompido o ex-ministro da Economia Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade.
Os CMEC são uma compensação relativa à cessação antecipada dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE), que aconteceu na sequência da transposição de legislação europeia no final de 2004. Ou seja, é um regime de compensação da elétrica por grande parte das suas centrais elétricas passarem a vender a sua energia ao preço de mercado, ao invés de manterem os contratos de preço fixo que já tinham.