O debate em torno da utilização do telemóvel nas escolas está ao rubro – e não é só em Portugal. Recentemente, foram notícia vários agrupamentos escolares que optaram por proibir a entrada dos telemóveis nas salas de aulas. O relatório da UNESCO “A tecnologia na Educação: Uma ferramenta ao serviço de quem?”, apresentado no verão deste ano, veio legitimar os argumentos daqueles que se opõem à presença dos smartphones nas escolas. Apesar de recomendar que os telemóveis sejam banidos das aulas, quando não são utilizados com fins pedagógicos, o documento da UNESCO admite que a tecnologia pode trazer benefícios quando colocada ao serviço das necessidades de alunos e professores. É também essa a conclusão do estudo “From Smart Phones to Smart Students: Learning versus Distraction with Smartphones in the Classroom” (Dos telefones inteligentes aos alunos inteligentes: Aprendizagem versus Distração com Smartphones na Sala de Aula), financiado por duas unidades de investigação da Universidade de Carnagie Mellon. O investigador português Pedro M. Ferreira é um dos seus coautores e, ancorado nos resultados do estudo, mostra-se contra a ideia da proibição total do uso do telemóvel nas salas de aula. A investigação analisou quatro cenários, desde a proibição total dos telefones à sua integração no currículo por parte dos professores, funcionando como assistentes de aprendizagem (neste caso, enquanto dicionários). As experiências foram feitas numa escola chinesa, com alunos a partir dos 14 anos, que aprendiam chinês. Ao fim de duas ou três semanas, realizaram-se testes de avaliação. Surpreendentemente, ou não, os estudantes que usaram os telefones com o apoio dos professores foram aqueles que obtiveram melhores notas.
Há 15 anos que Pedro M. Ferreira dá aulas na Universidade de Carnegie Mellon (UCM), nos EUA, sendo diretor da Initiative for Teaching and Education Analytics (iTEA) da UCM (um dos centros que financiou o estudo). É também professor convidado da Nova School of Business and Economics, em Cascais. Formado em Ciências Computacionais e doutorado em Telecomunicações, tem-se focado no impacto das tecnologias na vida das pessoas, particularmente ao nível da aprendizagem. Aos 50 anos, arrisca uma previsão um tanto ou quanto perturbadora: “Acho que o meu neto já não vai aprender a escrever com papel e caneta”. Será?

Curiosamente, neste estudo não descobriram, necessariamente, uma causalidade negativa entre a utilização dos telemóveis e o desempenho escolar, correto?
Conseguimos verificar que, quando o telemóvel entra na sala de aula e os alunos o utilizam por autorrecriação, as notas pioram. Assim, podemos dizer que a utilização do telemóvel na sala de aula, livremente, baixa as notas dos alunos, ou seja, por vontade própria eles não vão utilizá-lo para efeitos de aprendizagem. Alguns fazem-no, mas é uma minoria. Para a maior parte, o telemóvel é um mecanismo de distração dentro da sala de aula. Agora, quando o professor integra o telemóvel no curriculum e pede ativamente aos alunos para irem a esta ou aquela aplicação durante as aulas, as notas nos testes são muito melhores. Nesta situação, os alunos também usam os telemóveis para se distraírem, mas o que aprendem
faz com que as notas dos testes dessas aulas sejam muito melhores. Encontrámos uma grande diferença nas notas obtidas quando o telemóvel é utilizado apenas para efeitos de distração ou quando o professor o integra no currículo.
É uma diferença significativa?
Quando há momentos de integração da tecnologia no currículo, dentro da sala de aula, as notas sobem 40% nos exames. Existe uma redução de cerca de 20% nas notas quando os alunos usam o telemóvel livremente e um aumento na mesma ordem quando os professores o integram no currículo, daí a diferença ser quase 40% na aprendizagem medida por respostas a um teste.
Quer dizer que há mais distração com os telemóveis, mas também uma melhoria da aprendizagem? Como se explica isso?
Ao quantificarmos o tempo que os alunos estiveram atentos ou distraídos na aula, conseguimos relacionar esses comportamentos com a avaliação que tiveram nos testes. Quando os professores pedem aos alunos para utilizarem os telemóveis de forma integrada no currículo, em média eles utilizam-no cerca de dez minutos, em aulas de 80 minutos. E mesmo quem passa dez minutos a utilizar o telemóvel para aprender, passa outros vinte distraído. Na verdade, durante esses trinta minutos que passam no telemóvel, estão muito mais tempo distraídos do que a aprender, só que a produtividade dessa aprendizagem no telemóvel compensa a distração, foi isso que conseguimos descobrir. Naqueles dez minutos em que estiveram a olhar para o telemóvel aprenderam, ficaram com a matéria na cabeça.
Apesar da distração trazida pela tecnologia, a política deve ser deixar o telemóvel dentro da sala de aula, partindo do pressuposto de que o professor o consegue integrar no currículo
É possível diminuir essa distração ou devemos aprender a viver com ela?
É impossível utilizar tecnologia na sala de aula, seja o telemóvel ou outra coisa qualquer, sem haver uma troca entre aprendizagem e distração. Temos de aprender a viver com isso. O que o nosso estudo indica é que se conseguirmos ser produtivos quando os miúdos estão a utilizar o telemóvel para efeitos de aprendizagem, eles depois vão distrair-se, é verdade, mas, se calhar, essa distração até é mais relaxada porque já aprenderam, e eles percebem que aprendem até quando estão distraídos. O que nós vimos é que a produtividade da aprendizagem no telemóvel é muito superior [do que sem telemóvel]. Claramente, mais
vale apostar na produtividade da tecnologia, do que dizer que ninguém usa.
Há várias escolas em Portugal que têm vindo a proibir o uso dos telemóveis nas aulas e, até, no recreio. Depreendo que essa proibição não lhe faça sentido…
Parece-me extraordinariamente difícil, não é com a proibição que se lida com a tecnologia. Não é assim que existe desenvolvimento, muito menos na Educação, e muito menos junto de uma geração que está habituada à tecnologia e que vai resistir. Alguns alunos vão fazer ainda pior do que aquela que era a sua vontade, só pela vontade de resistirem e de irem contra o que lhes é dito. Temos é que utilizar a tecnologia de forma produtiva. Proibir, na minha perspetiva, faz sentido em situações extremas, mas o esforço de proibir desperdiça recursos
que poderiam ser mais bem aproveitados. Em vez de pedirmos aos professores para serem polícias, devemos pedir-lhes para serem educadores e apostarem na produtividade das tecnologias, em vez de, simplesmente, pensarem em proibir. Apesar da distração trazida pela tecnologia, a política deve ser deixar o telemóvel dentro da sala de aula, partindo do pressuposto de que o professor o consegue integrar no currículo. Integrá-lo no currículo é exigente, o caminho mais fácil é dizer que não se utiliza e pronto.
Também se tem debatido muito o papel da Inteligência Artificial no ensino…
Eu uso o ChatGPT e os meus alunos também. Todos os dias recebo emails da universidade a explicar como proibir a utilização da Inteligência Artificial, não presto muita atenção a esses emails porque não é esse o
caminho. Se eles usam o ChatGPT, eu quero saber como, quero ajudá-los a utilizá-lo para fazermos todos trabalhos melhores. A minha principal preocupação – estou a fazer um estudo sobre isso – é que pessoas com diferentes perfis vão utilizar o ChatGPT de maneira distinta, vão fazer perguntas diferentes e a produtividade na utilização do ChatGPT será diversa. A questão é se o ChatGPT vai exacerbar as diferenças que já existem entre as pessoas ou se vai atenuá-las. Por isso, nas minhas aulas, quero ensinar os meus alunos a usarem-no de forma produtiva e não, simplesmente, proibir.
E a usarem-no de forma ética?
Sim. Vai dar-me mais trabalho, lá está, mas tem de ser.
Na prática, de que forma deveria o ensino incorporar estas novas ferramentas? Como é que elas podem ser integradas na aprendizagem?
Estamos a caminhar na direção da educação personalizada, assim como da medicina personalizada, do entretenimento personalizado… Na Educação, isso tem acontecido ao nível dos cursos online, conseguimos personalizar um ecrã completamente diferente para o estudante A e para o estudante B, mesmo que os temas sejam os mesmos. No online isso é muito fácil de fazer, o desafio é fazer o mesmo na sala de aula. A sala de aula do futuro vai permitir uma personalização cara a cara, em que os alunos entram e estão em projetos diferenciados, podem estar todos a aprender o mesmo, mas uns fazem com balões, outros com carros, outros a fazer o pino, outros escrevem num computador… Precisamos de dividir os miúdos em grupos, virados uns para os outros e a interagir, partilhando o que encontraram. Depois, eles comparam e percebem que o que descobriram é generalizável, aprendendo todos o mesmo, mas em contextos diferentes para estarem entusiasmados.
Todos os dias recebo emails da universidade a explicar como proibir a utilização do ChatGPT, não presto muita atenção a esses emails porque não é esse o caminho
Isso devia estar já a ser posto em prática?
Há sítios com mais recursos do que outros que podem responder a isto mais facilmente, mas acho que sim, que devemos começar rapidamente [a personalizar o ensino]. O meu filho vai fazer 6 anos e está numa escola efetivamente personalizada. Os alunos não estão sentados numa sala de aula onde todos têm matemática ou línguas ao mesmo tempo; não, cada um vai fazer o projeto que quer. No fim do ano, aprendem todos a mesma coisa, mas de forma completamente diferente. Por que razão é que isto é difícil de fazer? Não acho que o problema sejam os professores, os professores entusiasmam-se, o problema são os recursos. São precisos quatro professores numa sala de aula com vinte alunos para fazer estes grupos e dar-lhes apoio, o que é muito diferente de ter um único professor a passar a mesma mensagem a toda a gente. É um sistema que custa mais dinheiro, mas acho que é nessa direção que a Educação deve ir.
Neste estudo, encontraram diferenças na forma como os rapazes e as raparigas lidam com a tecnologia?
É muito importante identificar esse tipo de diferenças porque permite-nos conceber políticas públicas de forma diferenciada. No caso do género, há efeitos diversos entre homens e mulheres. Mesmo utilizando o telemóvel ao mesmo tempo, ele não parece ser tão produtivo para as mulheres como para os homens. Com base neste resultado, se integrarmos os telemóveis nos currículos é fundamental haver uma atenção especial a este tipo de população, assim como a outras.
Como por exemplo?
Também verificámos no nosso estudo que, se os professores integrarem o telemóvel no currículo, os alunos que têm mais familiaridade com a tecnologia, por exemplo, estudantes de informática ou de eletrónica, saem-se melhor. Temos de ter cuidado com estas disparidades para não as agravarmos. Também validámos algo que já sabíamos: os alunos que vêm de zonas rurais têm, tradicionalmente, mais dificuldade em utilizar as tecnologias, mas isso mudou a seguir à pandemia. Nós fizemos a mesma experiência antes e depois da Covid. Qual é a nossa hipótese? É que a Covid levou toda a gente para os telemóveis e para os computadores para efeitos de aprendizagem e, se calhar, nas zonas rurais, tiveram ainda mais atenção a isso porque já estavam mais isolados.
Também há diferenças entre os melhores e os piores alunos?
Sim, os telemóveis são muito mais produtivos a aumentar as notas dos alunos que têm piores médias do que as dos alunos que têm melhores médias. Neste caso, não estaremos a exacerbar uma desigualdade, mas a
atenuá-la, ou seja, concluímos que a utilização do telemóvel dentro da sala de aula, sempre que o professor o integra no currículo, pode ajudar a reduzir desigualdades em termos de performance de aprendizagem.
A utilização do telemóvel dentro da sala de aula, sempre que o professor o integra no currículo, pode ajudar a reduzir desigualdades em termos de aprendizagem
Quer dizer que as escolas não devem incorporar a tecnologia da mesma forma?
Uma escola que tenha predominantemente rapazes ou raparigas, se calhar, deve ter uma aproximação diferente. Assim como uma escola rural versus uma escola urbana ou uma escola voltada para os cursos de informática ou de eletrónica, comparativamente com uma escola focada noutras matérias. Nós encontrámos tanta heterogeneidade que, de um ponto de vista das políticas públicas, o nosso estudo suporta muito mais a ideia de que não deve haver uma lei que toda a gente tem de seguir. Em vez de termos regras ao nível de países ou distritos, podemos ter apenas diretrizes. Apontamos no sentido de cada escola, ou cada agrupamento, poder tomar as suas decisões, consoante o tipo de estudantes que tem, a experiência dos professores… Tudo isso influencia o efeito da introdução dos telemóveis.
É importante envolver as crianças e os jovens na decisão de proibir ou não?
Quanto mais cedo se sentarem todos os envolvidos à mesa, mais fácil é ter soluções com as quais toda a gente concorde. No entanto, se for demasiado cedo, pode fazer com que o processo seja muito demorado. Os estudos e os inquéritos que tenho lido mostram que, em regra, os professores não querem os telemóveis nas escolas, os alunos querem e os pais estão divididos, preocupam-se com a utilização menos própria do telemóvel, mas, por outro lado, querem contactar com os filhos. Quando há esta dicotomia tão grande, se
pusermos todas estas pessoas a discutir, ninguém se vai entender. Acho que mais vale pegar nos “professores carola” – e cada vez há mais “professores carola” – e começar a mostrar a toda a gente que a tecnologia pode ser produtiva na sala de aula, alinhando toda a gente numa direção que acho que é o caminho do futuro. Não podemos fazer de conta que o nosso mundo não tem tecnologia.
Esta discussão também está em curso nos EUA?
Segundo os últimos dados do Centro Nacional de Estatísticas da Educação, 76% das escolas norte-americanas proíbem o uso de telemóveis. É um assunto recorrente. O tema da tecnologia nas escolas tem vindo a acompanhar-nos desde que apareceram os computadores. A grande diferença em relação ao telemóvel é que é muito mais intensivo. Os miúdos, hoje, levam muito mais telemóveis para escola do que computadores ou tablets. A discussão está em todo o lado, não é só nos EUA ou em Portugal. Aqui, cada Estado pode fazer o que achar melhor e as diferentes escolas têm políticas muito diferentes. O meu filho
estuda numa escola onde não entra tecnologia, mas eu vivo em Silicon Valley, toda a gente tem tecnologia em casa. Não é só telemóveis, na escola do meu filho não há computadores até aos 10 anos.
Acho que o meu neto já não vai aprender a escrever com papel e caneta
Então, faz-lhe sentido que existam limitações no acesso à tecnologia de acordo com a idade?
Não queria que o meu filho não soubesse trabalhar com computadores até aos 10 anos, já lhe comprei um tablet e tenho-lhe ensinado algumas coisas em casa. Se calhar, a escola dele faz assim porque já sabe que os pais em Silicon Valley ensinam em casa, noutros sítios será com certeza diferente… No outro dia, perguntava à minha mulher, que é professora em Stanford, qual será a primeira geração que já não vai aprender a escrever manualmente. Não vai ser a do meu filho, porque ele está a aprender a escrever, mas acho que o meu neto já não vai aprender a escrever com papel e caneta.
Isso é um pouco assustador…
Já não estou no domínio científico, mas no da opinião…. Sinceramente, não estou a ver, daqui a
trinta anos, as pessoas a andarem a escrever com papel e caneta.
Se não houver eletricidade não poderão escrever uma carta ou um bilhete…
É verdade, portanto temos de garantir que há eletricidade. Existiu sempre esta discussão sobre termos de aprender o básico e, depois, construir a partir daí… Tenho muitas dificuldades em acreditar que, daqui a duas gerações, vamos andar a aprender o mesmo. A tecnologia entrou na nossa vida e há coisas que já não questionamos que é a tecnologia a fazer por nós. Com a revolução trazida pela Inteligência Artificial, daqui a 20 ou 30 anos, vai ser natural que certas tarefas que fazemos hoje sejam feitas por computadores. Será que escrever vai ser uma delas? Acredito que sim.
Esse cenário faz temer uma certa pobreza intelectual…
Não tem necessariamente de haver pobreza intelectual. Nós vamos evoluindo, enquanto seres humanos e homo sapiens, a questão é mais como vamos gerir essas máquinas todas e como vamos garantir que somos nós que dominamos esse ecossistema de inteligência artificial. Hoje em dia, faz-se muita medicina personalizada, os computadores são essenciais para diagnosticar as doenças das pessoas. Parece-me totalmente impossível formarmos médicos que não percebam de informática. Têm de perceber os princípios fundamentais das doenças, mas, depois, têm de aprender a interpretar os resultados que a Inteligência
Artificial lhes apresenta para tomarem decisões com base nessa informação de forma ética, essa é uma parte do currículo que não existia há vinte anos. Vai ser natural, daqui a 40 anos, uma pessoa que entre em medicina aprender machine learning [sistemas que aprendem de forma automática], isso não é pobreza intelectual, é outro tipo de capacidade.