Em julho deste ano, ficou a saber-se que a atleta australiana Heather Anderson, que morreu aos 28 anos, em novembro do ano passado, por suicídio, sofria de Encefalopatia Traumática Crónica (ETC), uma doença degenerativa progressiva do cérebro que pode ocorrer após repetidos golpes na cabeça, traumatismos cranianos ou lesões por explosão.
Até ser conhecido o caso de Anderson, que jogava na Liga de Futebol Australiano, num clube de Adelaide, não tinham sido registados casos de ETC em atletas femininas, de acordo com os investigadores.
Agora, um novo estudo realizado pelo Centro de ETC da Universidade de Boston, em Massachusetts, EUA, e publicado esta segunda-feira na revista científica JAMA Neurology, detetou mais de 60 casos de ETC em atletas com menos de 30 anos, tendo sido incluído no relatório o caso de Anderson.
A equipa descreve, no documento, as características de 152 cérebros doados entre 1 de fevereiro de 2008 e 31 de setembro de 2022 ao banco de cérebros da UNITE, o maior repositório de tecidos do mundo focado em lesões cerebrais traumáticas e ETC, sendo que em 63 dos cérebros, o que equivale a uma percentagem de 41%, foi confirmada a existência de ETC.
O estudo incluiu a análise de cérebros de jovens que tinham, no momento do óbito, entre 13 e 29 anos, sendo que a pessoa mais jovem diagnosticada com ETC foi um jogador de futebol americano de 17 anos.
Esta doença, que apenas pode ser diagnosticada formalmente através de uma autópsia, tem sido associada a perda de memória, confusão, irritabilidade, comportamentos agressivos, depressão e comportamentos suicidas. Os distúrbios de humor e as perturbações comportamentais desenvolvem-se nos jovens adultos e o comprometimento cognitivo mais tarde na vida.
E apesar de a doença ser mais vulgarmente associada a ex-jogadores profissionais de futebol americano – 60% dos jogadores analisados no novo estudo jogava futebol americano – já foi detetada em veteranos militares, muitos deles que sofreram ataques de bombas e outros tipos de explosões militares.
Ainda de acordo com a equipa, 15% dos atletas analisados jogava futebol e 10% hóquei no gelo, mas os investigadores referem outros desportos incluídos no estudo e que resultaram num diagnóstico de ETC, como é o caso do râguebi, luta livre em modo amador e luta livre em modo profissional.
Maioria dos casos em atletas amadores
Uma conclusão surpreendente deste estudo, e que contraria os anteriores que analisaram a ETC principalmente entre jogadores profissionais de futebol americano, foi que a maioria dos atletas diagnosticados eram amadores que jogavam nas categorias juvenil, secundária e universitária, o que equivale a uma percentagem de 71,4% dos diagnosticados.
Os investigadores explicam também que a posição em que cada atleta de futebol americano jogava não teve impacto no desenvolvimento de ETC, mas os que jogaram durante tempo tiveram maior probabilidade de serem diagnosticados com a doença. Em média, esclarece a equipa, os atletas diagnosticados com ETC jogaram mais durante 2,8 anos relativamente aos não diagnosticados.
Ann McKee, diretora do Centro de ETC da Universidade de Boston e uma das autoras do estudo, explica à CNN, que o “estudo mostra claramente que a ETC começa cedo”, acrescentando que a percentagem de jovens com ETC analisados no estudo “é notável”, uma vez que investigações anteriores, que se serviram de bancos de cérebros comunitários, mostraram que menos de 1% da população em geral tem este problema.
Contudo, os investigadores ainda não perceberam se há maior prevalência de casos em mulheres ou homens, devido à falta de dados: neste estudo, apenas 11 dos 152 atletas eram mulheres.
O estudo revelou ainda que 87 dos 152 jovens morreram por suicídio, incluindo 33 que foram diagnosticados com ETC, sendo que esses dados não são surpreendentes, de acordo com McKee, uma vez que “a causa mais comum de morte em geral, quer tivessem ETC ou não, foi o suicídio, seguido de overdose acidental”.
Os especialistas explicam que, à medida que as pessoas envelhecem, ocorrem alterações neurodegenerativas relacionadas com a idade e, por isso, analisar os cérebros mais jovens permite observar e avaliar a ETC sem todas as patologias que podem estar ligadas ao envelhecimento.
McKee esclarece ainda que a maior quantidade de danos observados em atletas com diagnóstico de ETC foi encontrada no lobo frontal, “importante para coisas como (…) o planeamento e a organizaçã, podendo desempenhar um papel na impulsividade” e refere que encontrou, juntamente com a equipa, mudanças estruturais no cérebro dos participantes e situações de atrofia ou encolhimento do cérebro.