“Como é que não me apercebi disto antes?” Mais do que os sentimentos de revolta e de desilusão que se apoderam de quem descobre ter sido alvo de uma infidelidade, o que vem à tona é a perplexidade, o “porquê?”.
Depois das ondas de choque, passa-se a pente fino o histórico da ligação – que parecia estar de boa saúde, até então – e, aos poucos, reconstituem-se as pistas que sempre estiveram lá, embora de forma subtil. O pior é quando se começa a fazer comparações com o terceiro elemento do triângulo e se instala a dúvida: “O que é que viu nela(e) que eu não tenho?”
Talvez esteja na hora de perguntar de outra forma: o que é que a pessoa que cometeu o ‘pecado’ procura – ou sente que perdeu, dentro de si – e já não consegue encontrar na atual relação a dois? Antes de reagir a quente e, até, cometer uma loucura – Portugal, infelizmente, não fica bem na fotografia neste ponto – importa mergulhar a fundo no enigma e ver, sem temores, o que ele esconde.
Foi isso que fez uma advogada e analista comportamental americana, reconhecida pelos seus pares como uma das dez melhores advogadas criminais em San Diego e autora de livros sobre a infidelidade e as estratégias de conquista para obter ganhos próprios.
Se o ‘affair’ resulta de fatores circunstanciais é provável que seja curto e menos satisfatório, mas se a motivação do caso assenta na buca de intimidade e afeto em falta, pode ser mais satisfatório e duradouro
Num artigo da Psychology Today, Wendy L. Patrick recolheu uma série de artigos científicos que tinham por meta identificar as razões que movem as pessoas a afastar-se de quem têm ao lado e como isso afeta a escolha do terceiro elemento.
Num estudo divulgado há dois anos, a equipa do psicólogo e docente Dylan Selterman, do departamento de Ciências Psicológicas e do Cérebro, da Universidade Johns Hopkins, inquiriu 495 pessoas sobre os motivos que as levaram a ter casos e encontraram dois tipos de perfis de preferências.
Os participantes que sentiam insatisfação conjugal e viam negligenciadas as suas necessidades íntimas tendiam a procurar romances ou relacionamentos extraconjugais pródigos em declarações de amor e demonstrações de afeto, por vezes em público, e que duraram algum tempo. Porém, se a transgressão era motivada por fatores situacionais – estar sob stresse ou após consumo de substâncias que alteram a consciência – o ‘affair’ era experienciado como menos satisfatório e a sua duração costumava ser breve.
Na prática, o outro teria a função de satisfazer, clandestinamente, necessidades pessoais distintas que deixaram de ter lugar para serem reconhecidas ou se manifestarem.
Eu que eu te dou e tu me dás
Vendo à lupa os triângulos amorosos, tão antigos como a Humanidade e presentes em todas as culturas, os visados têm algo em comum, nas posições (ou perfis) que ocupam: nenhum deles se completa, todos se vêem atados e incompreendidos no plano individual. Mais cedo ou mais tarde, este equilíbrio precário assente em mecanismos de compensação perde validade e chega o dia em que é preciso tomar decisões. Os estudos sobre relacionamentos das últimas décadas sugerem que cada posição no triângulo – e todos, ou quase, já estivemos numa delas, ou em todas! – encerra uma verdade que pede para ver a luz do dia.
A pessoa traída pode acontecer que tenha descurado aspetos importantes que funcionam como combustível no início da relação e ficaram, pelo caminho, sem ajustes, optando por desvalorizá-los ou negá-los, até para si mesma, de forma nem sempre consciente, depois de passada toda a paixão.
Quem trai sente-se, com frequência, uma pessoa dividida, que procura aliviar um mal-estar interno através de outro alguém ou sentir-se vivo, como antes, apesar de querer manter-se ao lado da pessoa com quem está.
O(a) outro (a) pode experimentar o jogo do sedutor/seduzido e, até, a fantasia de viver uma paixão, quem sabe um amor, mas sem conseguir sair do ter e não ter (um compromisso assumido) por razões que guarda para si (ou desconhece).
E se o triângulo for uma oportunidade para ousar olhar para dentro e experimentar dar resposta a necessidades intrínsecas de forma mais sustentável?
“Vá para fora cá dentro”
Para a psicóloga clínica Luana Cunha Ferreira, docente na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, “a infidelidade afeta entre 30% a 65% dos casais e, mais do que uma epidemia, é um conjunto de verdades desconfortáveis, difíceis de engolir”.
Na TEDxOPorto – “Paradoxos sobre a infidelidade” – com mais de 12 mil visualizações, a doutorada em Psicologia da Família e Intervenções Familiares fez saber que a traição se resume a “um paliativo para o medo de perder a identidade, a autonomia e o que fez de nós objetos de desejo”.
A infidelidade é um alarme para a necessidade de mudança, de autenticidade e para arriscar transgredir dentro da relação
Luana Cunha Ferreira, psicóloga clínica e docente na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa
Quando a chama da paixão esmorece e o que nutria a relação se desvanece, a saída, ou a proposta, é ganhar coragem e ficar, lutando para renovar o vínculo. E como é que isto se faz?
Na mesma palestra, em que mencionou a sua tese de doutoramento, com uma amostra de 400 pessoas, descobriu duas tendências distintas que potenciam o desejo: num lado, a aventura, a inovação e a imprevisibilidade; no outro, a autonomia, a identidade e sentirem-se livres na relação.
Há duas tendências distintas que potenciam o desejo: a aventura, a inovação e a imprevisibilidade por um lado; a autonomia, a identidade e a liberdade, pelo outro
Admitindo que quem trai só fica com o(a) amante em 10% dos casos, segundo a literatura científica disponível, a infidelidade só não é assumida pelo elevado custo que representa (culpa, devastação, fim do ideal do casal feliz).
A solução passa por deixar de lado considerações morais e pensar na infidelidade como “um alarme para a necessidade de mudança, de autenticidade e para arriscar transgredir dentro da relação numa espécie de “vá para fora cá dentro””
Revolução sem medo
Prestes a lançar o livro Sete Casais em Terapia, a 30 de maio, Luana Cunha Ferreira olha para a investigação sobre a escolha da pessoa com quem se trai e comenta: “A atração física e sexual é um fator importante mas não não é a única nem a principal e, quando se quer intimidade emocional, a parte estética da atração pode ser redundante.”
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Porém, se é a novidade e a aventura que faltam, “a pessoa-alvo com quem se vai ter um caso terá esses elementos mais à flor da pele, ou da vida.”
O mesmo se aplica a outras necessidades, como a de segurança ou estatuto: “Podem escolher quem olhe para elas com admiração e apreço inquestionável, algo muito comum nas relações de homens mais velhos com mulheres mais novas, mas não só.”
Voltando aos triângulos amorosos, como se mudam as regras do jogo, rumo a uma vida íntima mais plena? “A infidelidade tem mais a ver com uma busca por algo que falta na própria pessoa do que na relação ou no(a) parceiro(a)”, esclarece.
Isto explica porque é que os casais felizes não são imunes à infidelidade: “Muitas vezes procura-se uma experiência que faça a pessoa sentir-se melhor consigo mesma e, por isso, a escolha do parceiro pode ser menos importante do que o ato de trair”.
E remata, partindo da sua experiência clínica: “É duro de dizer e duro de ouvir, mas os terceiros são muitas vezes usados com muito pouca consideração genuína.”
Em síntese, faça o que fizer nos caminhos do amor, note qual a sua motivação mais profunda, porque é a partir daí que a revolução pode acontecer, para melhor.