O primeiro sinal de alerta terá chegado à Procuradoria-geral da República (PGR) após o um pedido de aceleração processual feito por um advogado relativo a um processo de violência doméstica a correr no Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto (DIAP). Depois de recolher informação sobre os motivos para o atrasado, a Procuradora-geral da República, Lucília Gago, ordenou a instauração de uma sindicância à Secção Especializada Integrada de Violência Doméstica (SEIVD) devido ao caos instalado neste departamento do Ministério Público, nomeando uma inspetora do Ministério Público para proceder à investigação.
De acordo com lei, todos os processos de violência doméstica têm carácter de urgência, correndo até em férias judiciais. Porém, os números da SEIVD do Porto fizeram soar os alarmes no Ministério Público, já que, praticamente, os processos estão parados.
A realidade da SEIVD do DIAP do Porto acabaria por ser exposta, em novembro deste ano, num artigo de opinião no Público de André Lamas Leite, professor universitário e advogado. Num processo envolvendo um seu cliente suspeito de violência doméstica, sujeito à medida de coação de afastamento da vítima, o advogado pediu, a 30 de agosto, autorização para o arguido homem se deslocar à antiga casa de forma a poder recolher roupas de inverno e outros objetos pessoais, sugerindo que tal deslocação podia ser acompanhada pela polícia.
Entre setembro e outubro, nenhuma resposta. Até que Lamas Leite, em novo requerimento de 2 de novembro, insistiu com o pedido, “ameaçando” com uma queixa ao Conselho Superior do Ministério Público. Na volta do correio eletrónico, a diretora do DIAP do Porto, a procuradora Branca Lima, elenco-lhe os motivos do atraso na resposta, revelando o caos na SEIV:
“Estado de calamidade”
- Até 17 de outubro de 2022, nos casos de violência doméstica na SEIVD do DIAP do Porto, havia:
- 1732 despachos por cumprir
- 2214 papéis por tratar/juntar a processos
- 160 oficiosidades por cumprir
- 318 novos processos entrados entre 17 de agosto e 14 de setembro
- 3508 processos não movimentados há mais de um mês
- 2515 processos não movimentados há mais de três meses
- 1040 processos não movimentados há mais de seis meses
- 255 processos não movimentados há mais de um ano
A diretora do DIAP do Porto referiu que a situação era ainda mais grave, devido à falta de funcionários (cinco para sete procuradores, quando, na sua opinião, deveriam ser 14) e que muitas tinham já pedido para sair “face ao enorme esforço e pressão a que estavam sujeitos”. Branca Lima refere mesmo que a situação está num “estado de calamidade”.
De acordo com informações recolhidas pela VISÃO junto de procuradores do Ministério Público, existe um “mau ambiente de trabalho” na secção, não só pela falta de funcionários e enorme carga de serviço, mas também por uma má relação entre os oficiais de justiça e a coordenadora da secção, a procuradora Teresa Morais.
EM defesa dos magistrados do MP, Adão Carvalho, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, defendeu que tal estado de coisas “ não é imputável ao Ministério Público, nem aos funcionários que nele exercem funções, mas aos sucessivos Governos que não têm investido na justiça ou, melhor dizendo, não têm investido no que é efetivamente relevante, levando os serviços a uma situação de total rutura e desgaste para todos os que neles trabalham”.
“Sobretudo”, continuou num artigo da VISÃO, “quando cada um dos 6 magistrados que aí exerce funções tem 855 inquéritos pendentes, a seu cargo, e apenas estão ao serviço 5 funcionários”