Não deve haver aspiração mais transversal à humanidade do que a felicidade. E também mais difícil de avaliar e definir. Uma investigação agora publicada no Psychological Science sugere que uma das razões que pode fazer com a felicidade pareça tão inatingível prende-se com os nossos sentimentos no presente, capazes, segundo os autores, de mexer com as memórias dessa sensação de bem-estar no passado.
A investigação em causa pegou em dados de quatro inquéritos longitudinais para tentar perceber como os sentimentos atuais influenciam as memórias de felicidade no passado.
Uma das conclusões a que chegou esta análise é a de que parece “haver uma certa confusão entre sentir-se feliz e sentir-se melhor”, explicaram os autores, em entrevista. “As pessoas felizes têm tendem a exagerar a melhoria da sua satisfação com a vida ao longo do tempo, enquanto as infelizes tendem a exagerar a deterioração do seu nível de felicidade”.
Alberto Prati, da College London e de Oxford, e Claudia Senik, da Sorbonne, começaram por se debruçar sobre os dados de um inquérito que recolheu respostas de mais de 11 mil alemães entre 2006 e 2016. Todos os anos, os participantes reportavam o nível de satisfação que sentiam com a sua vida, numa escala de 1 a 10. No último ano, também tinham de escolher um, entre nove, gráficos de linhas que representasse melhor a trajetória dos seus níveis de satisfação com a vida na década anterior.
Este exercício permitiu aos investigadores perceber que quem relatava maior satisfação no presente tinha maior probabilidade de escolher um gráfico a mostrar melhorias contínuas; Os que se sentiam medianamente satisfeitos com a vida atual mostraram tendência a escolher um gráfico que representava melhorias ligeiras; os que reportavam um nível baixo de satisfação com a vida escolheram, na sua maioria, um gráfico com quebras no seu bem-estar.
“As pessoas são capazes de recordar como se sentiam em relação à vida [a dada altura], mas também tendem a misturar esta memória com a forma como se sentem atualmente”, resumem os investigadores.
Com esta conclusão na mão, a dupla virou-se para dados de mais de 20 mil participantes britânicos de um estudo que decorreu entre 1997 e 2009, que tinha como objetivo autoavaliar a satisfação com a vida numa escala de 1 a 7, ao mesmo tempo que respondiam se se sentiam mais, menos, ou igualmente satisfeitos do que no ano anterior. Cerca de metade dos participantes deu respostas, neste exerício de memória, coerentes com as que tinham dado sobre o momento presente, mas, também aqui, as respostas incoerentes mostraram influência da satisfação atual.
Outro inquérito, a americanos, levado a cabo de quatro em quatro anos, encontrou também a mesma tendência a desvalorizar a felicidade passada.
“Parece que sentirmo-nos felizes hoje implica sentirmo-nos melhor do que ontem”, escrevem os investigadores, que acreditam que este mecanismo de avaliação do bem-estar passado pode explicar porque é que “as pessoas felizes são mais otimistas, menos preocupadas com o risco e mais abertas a novas experiências”.