Não é novidade que a felicidade traz anos de vida. Mas entre a sabedoria popular e o que diz a Ciência, há cada vez mais coincidência, tornando-se claro o impacto que uma vida prazenteira tem nas nossas células. Ou, por outro lado, o que faz uma vida sofrida e triste à nossa esperança de vida.
No maior estudo alguma vez realizado, avaliou-se a ligação entre a solidão e o isolamento social e a inflamação. A base para este trabalho, divulgado no início de maio, foram 30 estudos feitos nesta área anteriormente, o que veio mostrar uma clara ligação entre a vida social e a saúde do corpo.
A inflamação é um processo que ocorre em todo o corpo e que nos ajuda a combater a invasão de vírus e bactérias, por exemplo. Mas, por outro lado, é também este processo que está envolvido em problemas como aterosclerose, que, de forma simples, se pode explicar como uma inflamação das paredes dos vasos sanguíneos que está na origem das doenças cardiovasculares.
No estudo publicado na revista científica Neuroscience and Biobehavioural Reviews, mostra-se que o isolamento social, a condição de se estar isolado de outras pessoas, estava associado à presença da proteína C-reativa, uma substância libertada para a corrente sanguínea quando há uma lesão num tecido e que, normalmente, funciona como um indicador do estado de inflamação do organismo. Curiosamente, esta relação parece ser mais forte entre o sexo masculino, o que também corrobora, de certa forma, a ideia de que os homens lidam pior com uma vida solitária.
Os cientistas avançam ainda uma possível ligação entre a solidão e uma alteração na resposta ao stresse, através de um mecanismo inflamatório.
“Temos vindo a perceber que a solidão e o isolamento social aumentam o risco de se ter uma pior saúde”, sublinha Kimberley Smith, investigadora em Psicologia da Saúde da Universidade de Surrey. “Parte da razão para isso”, avançam alguns investigadores, “será a influência na resposta inflamatória do corpo”, detalha a autora num comunicado de Imprensa divulgado pela universidade britânica.
Se olharmos para este assunto tendo em mente a Teoria da Evolução e a sobrevivência da espécie, é fácil perceber que estamos programados para durar mais anos se estivermos em grupo. No tempo em que vivíamos como caçadores-recoletores, o grupo dava-nos segurança e proteção, e a solidão sujeitava-nos ao risco de ataque de um predador, pelo que era um comportamento a evitar.
Ao preparar-se para escrever o livro Growing Young: How Friendship, Optimism, and Kindness Can Help You Live to 100 (Como crescer jovem: Como a amizade, o otimismo e a bondade podem ajudá-lo a viver até os 100 anos, em tradução livre), Marta Zaraska, jornalista de Ciência, embarcou numa viagem de pesquisa pelo segredo da vida longa. E, como se pode perceber pelo título do livro, acabou por ir parar à vida social de cada um de nós. “A nossa esperança de vida só depende 20 a 25% da hereditariedade”, disse a autora numa entrevista ao jornal The Guardian. As pessoas infelizes vivem menos e, de facto, a solidão é uma das formas de tristeza que mais danos causam.
O impacto do confinamento
Estar sozinho não é o mesmo que sofrer de solidão, distingue Marta Zaraska, referindo-se ao período de confinamento e de restrição de contactos sociais que o mundo está a viver. “Podemos não ver pessoas presencialmente, mas ouvimo-las, há um sentimento de que estamos a fazer algo todos juntos”, compara. “A solidão é diferente. Podemos estar rodeados de pessoas e, mesmo assim, sentirmo-nos sozinhos.”
Em França, onde vive Marta, a esperança de vida é quatro anos superior à dos Estados Unidos da América. E isto não é só o efeito da dieta mediterrânica, rica em vegetais, com azeite em vez de manteiga, para cozinhar. Este tipo de alimentação pode reduzir as hipóteses de morte prematura em 21 por cento. No entanto, ter uma rede de amigos significa uma redução de 45 por cento. Um casamento feliz tem um impacto de 50% na redução do risco de morte antes da esperança média de vida.
O poder de ser feliz:
Felicidade gera saúde e o inverso também é verdadeiro. Basta ver que o Relatório de Felicidade Mundial de 2020 mostra que Estados com populações com elevados níveis de saúde física e mental apresentam níveis de felicidade coletiva mais altos
Felicidade gera saúde e o inverso também é verdadeiro. De acordo com o Relatório de Felicidade Mundial de 2020, que agrega dados de 156 países, é evidente a correlação entre felicidade e esperança de vida. Estados com populações com elevados níveis de saúde física e mental apresentam níveis de felicidade coletiva mais altos do que aqueles com pior desempenho nos parâmetros de saúde. Além disso, outros fatores que influenciam a felicidade também tendem a ter um impacto na saúde – como o nível de vida e o stresse. Ou seja, a saúde e a felicidade andam juntas.
O PIB per capita, a perceção de apoio social, a liberdade de escolha, o nível de democracia, a desigualdade económica e a qualidade ambiental são outros parâmetros que afetam a felicidade, também contemplados no relatório. Desde que foi conhecido o primeiro relatório, em 2012, que o lugar no pódio ter alternado entre quatro países europeus – Dinamarca, Suíça, Noruega e Finlândia, que se tem mantido no topo, nos últimos três anos. Portugal tem vindo a subir posições, estando em 60º lugar.
Se há aspetos que escapam ao nosso controlo, como a organização política de um país ou a segurança, há outros que só dependem de nós. “Quer sentir-se melhor e aumentar a sua saúde? Comece por se focar nas coisas que lhe trazem felicidade”, lê-se no site da Universidade de Harvard. “Há evidência científica de que as emoções positivas podem ajudar-nos a viver mais e de uma forma mais saudável”, sustenta-se.
O que nos faz feliz
“A felicidade, ou de forma mais abrangente, o bem-estar, tornou-se um tema de grande importância em termos de políticas públicas, economia e psicologia, na última década”, escreveu Andrew Steptoe, do University College London, na revista Annual Review of Public Health. “A felicidade está normalmente associada a uma redução da mortalidade, em estudos observacionais, apesar de haver alguns resultados contraditórios”, nota. Também foram identificadas associações entre morbilidade e prognóstico para algumas patologias. “Os mecanismos que potencialmente ligam felicidade e saúde incluem fatores de estilo de vida, como atividade física e dieta, e processos biológicos, que envolvem inflamação e metabolismo”, detalha o investigador no artigo de revisão.
Para tentar averiguar o que nos faz feliz, o investigador da Universidade da Pensilvânia, Martin Seligman, e Chistopher Peterson, da Universidade do Michigan, constituíram um focus group com centenas de pessoas e chegaram a uma espécie de receita para a felicidade: maximizar as atividades que nos dão prazer e minimizar as que nos fazem sofrer, procurando ativamente o bem-estar; envolver-se completamente em tudo o que se faz, já que quanto mais dedicação, maior a sensação de bem-estar; fazer o bem e encontrar um propósito dentro de si mesmo. Os psicólogos também identificaram o que não nos traz felicidade. E a primeira delas é o dinheiro. É certo que, nos países pobres, o nível de felicidade aumenta assim que as necessidades básicas são satisfeitas. Mas a partir daí, os zeros na conta bancária não fazem grande diferença. Outro mito é o da juventude (quem é que quer voltar à adolescência?). Na verdade, os níveis de felicidade vão aumentando com a idade. Só quando começam os problemas de saúde é que estes começam a diminuir. Também não é verdade que os filhos sejam obrigatoriamente uma fonte de felicidade. Apesar da alegria imensa que pode representar um filho, todas as obrigações, cansaço e stresse associados à parentalidade acabam por pesar negativamente, até porque os filhos podem afetar de forma negativa o relacionamento conjugal. Nada que não seja possível de contornar se mantiver em mente este objetivo: ser feliz.
O efeito da Covid na felicidade mundial
A pandemia terá impacto, ao nível global, na saúde e na felicidade, defendem Paul Whiteley, professor da Universidade de Sussex, e Harold D. Clarke e Marianne Stewart, da Universidade do Texas, num artigo publicado no site The Conversation. Para os especialistas em Economia e Ciência Política, as consequências sociais e económicas diretamente associadas à Covid-19 e também às medidas de contenção da própria doença terão impacto no índice de felicidade mundial. “As consequências são desconhecidas. Há forte expectativa relativamente à vacina, mas isto é altamente imprevisível. Num futuro próximo, a felicidade global está em sério risco”, concluem os académicos.
Todos aspiramos (ou devíamos) a um estilo de vida mais saudável. Conheça, ainda, seis pequenas surpreendentes mudanças que podem fazer uma grande diferença: