Quando, no dia 30 de dezembro de 2021, o telefone da AVIBOM SA tocou, o interlocutor identificou-se como representante do ministro da Agricultura de Timor-Leste, pedindo uma reunião com José António Santos, conhecido como o “Rei dos Frangos”, um dos arguidos do processo “Cartão Vermelho”. O assunto, referiu o interessado, era “confidencial e urgente”. O encontro foi, então, agendado para o dia 2 de janeiro deste ano, mas quem surgiu na frente do empresário não foi o tal representante, mas sim um “funcionário” da Polícia Judiciária, pedindo um milhão de euros em numerário para garantir o arquivamento do processo.
Este esquema foi, de acordo com uma acusação recente da 8ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, também tentado por Hélio Marcel Tavares Semedo junto de Bruno Macedo, outro dos arguidos da operação “Cartão Vermelho” e de Florêncio Almeida, presidente da ANTRAL, e arguido num processo sobre suspeitas de dissipação de património do antigo banqueiro João Rendeiro.
No caso de José António Santos, a acusação do Ministério Público refere que Marcel Tavares – foi com este nome que se apresentou – terá dito que a quantia em causa seria para ser distribuída por todos os membros da equipa responsável pela investigação. José António Santos recusou fazer qualquer pagamento, mas no próprio dia da reunião o “investigador” enviou-lhe uma SMS, solicitando-lhe o pagamento de 500 mil euros adiantados e o remanescente quando o caso fosse, de facto, arquivado.
Como a operação com o “Rei dos Frangos” não correu da melhor forma, uns dias depois, Marcel Tavares agendou uma reunião com Florêncio Almeida. No encontro, o homem exibiu-lhe um crachá em tudo semelhante ao de um órgão de polícia criminal, afirmando ser investigador no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), departamento onde corre, além do “Cartão Vermelho”, a investigação à mulher de João Rendeiro e à dissipação de património arrestado, na qual o presidente da ANTRAL é suspeito.
Para credibilizar a personagem, Marcel Tavares entregou a Florêncio Almeida um cartão de visita, no qual tinha inscrito “Departamento Central de Investigação e Acção Penal”, uma balança e o nome “Marcel Tavares, investigador”, assim como um email “marcelsilvatavares@dciap.pt”. Ao presidente da ANTRAL, Marcel Tavares fez o mesmo discurso, pedindo 200 mil euros para o arquivamento do seu caso.
A terceira tentativa de burla surgiu junto da defesa do empresário de futebol, Bruno Macedo. Depois de contactar com o escritório da advogada, Paula Lourenço, o “investigador” agendou um encontro entre os três, num hotel em Lisboa. Uma vez mais, Marcel Tavares afirmou estar mandatado pelos investigadores do processo para negociar um eventual arquivamento do caso em relação ao empresário. Para isso, necessitava de 1,5 milhões de euros, os quais seriam repartidos pelo envolvidos no processo, o procurador e o juiz Carlos Alexandre.
O caso acabou denunciado ao Ministério Público pela advogada de Bruno Macedo. Uns dias depois, numa nova abordagem a Florêncio Almeida, Marcel Tavares seria detido pela Polícia Judiciária e presente a um juiz de instrução, que o obrigou a apresentações diárias num posto policial.
Nas buscas efetuadas à sua casa, em Carnaxide, a Polícia Judiciária, além de telemóveis, apreendeu-lhe 100 cartões de visita, identificando-o como investigador do DCIAP.
No final de outubro, o Ministério Público acusou-o de três crimes de tentativa de burla e um crime de falsificação ou contrafacção de documento.