Esta quinta-feira, José Alberto Quartau sentou-se numa esplanada em Lisboa para beber um café descansado e as moscas não o largaram um minuto. “Algumas deviam ser moscas-domésticas”, diz, “porque costumam ser extremamente chatas. Não picam, só chateiam. São insistentes. Uma pessoa enxota-as e voltam, isso é típico”, ri-se.
José Alberto Quartau é só o mais experiente dos entomologistas portugueses. Passou a maior parte da sua vida a observar insetos, e hoje, aos 75 anos, continua associado ao CE3C, como é conhecido o Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Embora se apresente como professor catedrático aposentado, não deixa de ser um investigador. E de ser sempre cauteloso nas suas afirmações. “Nunca trabalhei com moscas; nos últimos trinta anos estudei a bioacústica, usando o modelo da cigarra”, começa por lembrar, “mas sei o que é uma Musca domestica e que existem várias espécies parecidas, muitas vezes apenas identificáveis ao microscópio.”
Os minutos em que esteve sentado na esplanada foram suficientes para dar pela grande quantidade de moscas. “Por acaso notei porque estava ao ar livre, e fiquei com a impressão de que havia mais do que noutros anos por esta altura, embora isso aconteça em muitos outonos, depende do sítio.”
Quando fazia trabalho de campo em diversas estações, José Alberto Quartau lembra-se de haver sempre moscas, sobretudo no meio rural, como contou ao Diário de Notícias, numa entrevista de 2019. “Também quando era miúdo, havia muito mais moscas em Portugal”, conta, “mas nos últimos quarenta anos as coisas modificaram-se, a começar por causa das alterações dos sistemas de esgotos.”
‘O LIXO TAMBÉM FAVORECE’
O facto de as ruas de Lisboa andarem ultimamente mais sujas do que era habitual pode explicar a maior quantidade de moscas, concede. “O lixo também favorece”, diz. “É relevante haver produto orgânico em decomposição porque é ali que as moscas põem os ovos”, ensina.
“Mas, em Ciência, a explicação mais simples é aquela que estará mais próxima da verdade, é o princípio da navalha de Occam”, lembra o investigador. “E a explicação mais simples, sem termos mais informação, é a de que estamos com um outono bastante favorável para haver mais moscas do que noutros anos, para as moscas (que parecem ser moscsa-domésticas, mas é um complexo de moscas que deve incluir várias espécies) se tornarem mais atrevidas. O calor está associado ao desenvolvimento de muitos insetos, moscas incluídas. Para mim, encaixa nas condições que estamos a vivenciar – um outono com uns diazinhos a saber a verão.”
Na primeira semana de outubro, as temperaturas estiveram acima da média para o mês em todo o território continental. Em Lisboa, a temperatura vai descer ligeiramente a partir de domingo, mas as previsões para a semana que se segue apontam para mínimas sempre acima dos 14 graus e máximas entre os 22 e os 28.
Ainda no continente, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) prevê que não deverá chover até pelo menos à quarta-feira da próxima semana (dia 12).
Condições mais do que favoráveis para a multiplicação das moscas-domésticas, que um estudo recente demonstrou poderem pôr em perigo a nossa saúde. A nova pesquisa adverte para o perigo do vómito desta mosca também conhecida como mosca-de-casa, como se pode ler aqui.
Recorde-se que as moscas chegam à fase adulta em apenas oito a doze dias, e que uma mosca fêmea pode chegar a pôr quinhentos ovos ao longo da sua vida.