O Ministério Público afirma, no despacho de acusação ao caso das “golas anti-fumo”, que o ex-presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), Mourato Nunes, foi “pressionado” pelo então ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, para justificar a qualidade das golas compradas pela ANPC, depois de o caso ter sido tornado público, em julho de 2019. Os procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal Ana Carla Almeida, Tiago Matos Franco e Ana Vicente Brandão consideraram que a as golas compradas eram “inaptas para o fim a que se destinavam”, o que era “visível e notório para qualquer pessoa que as observasse”.
Esta sexta-feira, o DCIAP acusou o antigo secretário de Estado da Proteção Civil José Artur Neves e o ex-presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) Mourato Nunes de vários crimes de fraude na obtenção de subsídio, abuso de poder e participação económica em negócio. De acordo com a nota divulgada na página do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), resultou na acusação de 19 pessoas (cinco empresas e 14 pessoas singulares).
Segundo a acusação, em julho de 2019, depois de o Jornal de Notícias ter revelado a má qualidade das golas anti-fumo compradas pela protecção civil, o Ministério Público diz na acusação que Mourato Nunes foi “pressionado pelo, à altura, ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, para justificar a qualidade das golas e a situação à volta das irregularidades dos procedimentos de aquisição”. Numa troca de emails com uma adjunta sua, Mourato Nunes referiu que a “descrição sobre a virtualidade das golas é excessiva proteção de pescoço e cara devendo limitar-se à proteção das vias respiratórias”
“No que respeita à invocada proteção do interesse público, relativamente às consultas prévias, deve ser retirado face a tudo o que sabemos agora sobre a tramitação dos procedimentos (…) não devemos continuar a alimentar este assunto pois estamos cheio de fragilidades e, sobretudo, não devemos cair no ridículo”, acrescentou o antigo presidente da ANPC, num email apreendido pela Polícia Judiciária e que consta do processo.
A investigação “identificou ilegalidades com relevo em vários procedimentos de contratação pública abrangidos” na compra das golas, em 2017, co-financiada pelo Fundo de Coesão, adianta o Ministério Público, em comunicado, divulgado esta sexta-feira, acrescentando que em causa estão suspeitas de “crimes de fraude na obtenção de subsídio, participação económica em negócio e abuso de poder”.
Os arguidos são acusados de terem beneficiado diversas empresas, com ligações ao Partido Socialista, na aquisição dos kits de proteção civil, que incluíam as 70 mil golas inflamáveis distribuídas às populações em 2017, e que, de acordo com o Ministério Público, resultaram num prejuízo total para o Estado em quase 365 mil euros. “A investigação contou com a realização de 58 buscas em várias zonas do território nacional, 85 inquirições, 18 interrogatórios, perícias de vários tipos e extensa análise contabilístico financeira que visou, entre o mais, 225 contas bancárias”, adianta ainda o Ministério Público.