Jéssica, de 3 anos, morreu esta segunda-feira, dia 20, em Setúbal, devido a maus-tratos. Apesar de ter sido assistida e transportada para o Hospital de São Bernardo, do Centro Hospitalar de Setúbal, onde foi sujeita a manobras de reanimação, não sobreviveu aos ferimentos que tinha.
Foi precisamente nessa segunda-feira de manhã que, segundo a avó de Jéssica, Rosa Tomás, a mãe da menina reconheceu os sinais de maus-tratos, quando a foi buscar a casa da inicialmente denominada ama, Ana Cristina. No entanto, só algumas horas mais tarde é que a família pediu socorro às autoridades.
Inicialmente, pensava-se que Ana Cristina tinha ficado com Jéssica durante cinco dias a pedido da própria mãe. Contudo, João Bugia, coordenador da PJ de Setúbal, explicou em declarações à Lusa que a mãe da menina foi “ardilosamente enganada” e levada a entregar a filha devido a uma dívida de 400 euros que tinha para com a suspeita. “A mulher agora detida convenceu a mãe a levar a criança a sua casa com o pretexto de que a menina poderia ficar a brincar com a neta, da mesma idade, enquanto conversavam sobre a dívida”, referiu. No entanto, quando se quis vir embora, não foi permitido à mãe da menina levar a criança de volta para casa.
Essa dívida que Inês, a mãe de Jéssica, tinha contraído era fruto de uma bruxaria encomendada a Ana Cristina, que prometera que todos os problemas da sua relação com Paulo, o padrasto, ficariam resolvidos. A despesa ia aumentando todos os dias, sempre que Ana Cristina ligava para fazer ameaças e dizer que, além do preço, acresciam juros. Ninguém, além das duas envolvidas, sabia da dívida.
A ameaça de Ana Cristina tornou-se real quando esta pediu a Inês que levasse a filha, com algumas mudas de roupa, para sua casa. Jéssica ficou cinco dias em casa da raptora, que não deixou Inês levar a criança. Ao quinto dia de espera, a mãe da menina terá recebido mais uma chamada, em que lhe foi dito que podia ir buscar Jéssica, porque esta teria caído de uma cadeira. A dívida ficaria, então, paga, mesmo sem ter sido entregue qualquer dinheiro.
Cerca de cinco horas depois ter voltado a casa, o estado de Jéssica era grave: a criança terá começado a perder os sentidos e só quando a situação revelou estar no limite é que Inês pediu ajuda médica, sendo já tarde.
O seio familiar de Jéssica
Além da mãe, Jéssica tinha o padrasto, cinco irmãos mais velhos que não via com frequência, a avó materna com quem ficava aos sábados e o pai, que estava no estrangeiro, como descreve o jornal Observador.
A menina esteve sinalizada pela Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), em 2020. Jéssica tinha apenas um ano e já era considerada uma criança em situação de perigo, mas como não foi dado consentimento pelos pais para se dar continuidade ao processo, o caso ficou nas mãos do Ministério Público, que o arquivou.
O pai de Jéssica, que voltou para Portugal depois da morte da menina, acusou, em entrevista à CNN, a mãe da sua filha de entregar a criança “à própria morte” e de parecer querer “desfazer-se” dela. Além disso, Alexandre admitiu que bateu várias vezes a Inês à frente da filha e que esta terá saído de casa por causa de violência doméstica, levando-a a ir para “a rua dormir com a menina, duas, três noites”.
A investigação
A mãe e o padrasto contaram as suas versões dos acontecimentos durante a noite desta quarta-feira à Polícia Judiciária (PJ) de Setúbal. Já na madrugada desta quinta-feira, a PJ deteve três pessoas suspeitas dos crimes de rapto, sequestro e homicídio: a ama que teve ao seu cuidado a criança, o marido e a filha.
“Na sequência da morte de uma criança de 3 anos, ocorrida no passado dia 20 de junho, a Polícia Judiciária, através do Departamento de Investigação Criminal de Setúbal, localizou, identificou e deteve um homem, de 58 anos, e duas mulheres de 52 e 27 anos, por sobre eles recaírem fortes indícios da prática dos crimes de homicídio qualificado, ofensas à integridade física grave, rapto e extorsão”, refere o comunicado da PJ de Setúbal
A autópsia ao corpo da menina foi realizada esta quarta-feira no Gabinete Médico-Legal de Setúbal e, de acordo com o Correio da Manhã, foi revelado que a criança tinha sido mesmo sujeita a maus-tratos, tendo hematomas e lesões internas, mostrando ainda que foi violentamente espancada. De acordo com João Bugia, citado pelo Observador, havia inicialmente suspeitas de eventuais agressões sexuais contra a criança, que não foram confirmadas na autópsia realizada.
Marcelo Rebelo de Sousa apela à “reflexão” da “miséria moral”, sempre tentando perceber “o que pode justificar que pessoas vão tão longe”
Em declarações aos jornalistas, quando questionado sobre a morte de Jéssica, Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou não querer falar de nenhum caso em concreto, mas referiu que “muitas vezes falamos na miséria económica”, nunca esquecendo que essa é acompanhada da “miséria moral, que também merece uma reflexão”.
“É uma preocupação de todos os portugueses há muito tempo, o cuidado das crianças, a proteção, o acompanhamento daquelas que estão mais frágeis, mais dependentes, e portanto mais suscetíveis de serem exploradas”, acrescentou o Presidente da República.
Marcelo acrescentou ainda que importa perceber “o que pode justificar que pessoas vão tão longe (…) não medindo que estão a sacrificar o que é há de mais sagrado que é o respeito da dignidade da pessoa, sobretudo de uma criança“.
Notícia atualizada dia 24 de junho às 16h30