As ucranianas Kate Zubarieva e Asya Varetsa, de 33 e 31 anos, respetivamente, falam à VISÃO a partir de locais distintos e longe do país onde os seus corações pertencem. Zubarieva está, desde fevereiro, na Turquia com o namorado. Já Varetsa encontra-se com o companheiro e o filho na Dinamarca, onde vai ficar durante algum tempo.
Foi ao contemplarem a indumentária da atriz e modelo Kelly Lunch no filme Curly Sue, de 1991, com pijamas e robes exuberantes, e após um sonho, pode dizer-se, premonitório, de Zubarieva na véspera de Natal, que nasceu a Sleeper, uma marca de roupa para dormir que pode – e deve – ser utilizada na rua também e que garante ser ética e amiga do ambiente. Corria o ano de 2014, vivia-se no país o auge da Revolução Ucraniana, também conhecida por Euromaidan, e os protestos nas ruas de Kiev contra o líder autocrático, o então Presidente Viktor Yanukovych, intensificavam-se.
Eleito quatro anos antes com a promessa de aproximar a Ucrânia do Ocidente, Yanukovych decidira renunciar ao Acordo de Associação com a União Europeia e virar-se para leste, procurando estreitar laços com a Rússia de Vladimir Putin. Na altura, ativistas jovens na casa dos 20 anos, tal como as duas criadoras, as duas ex-editoras de revistas de moda, participavam ativamente nos protestos pro-democráticos.
“Nós todos participámos em marchas, mas a Kate foi uma verdadeira ativista do Euromaidan”, diz à VISÃO Varetsa, referindo-se à sua companheira de negócio. “Deixámos de ter medo e preparámo-nos para começar uma nova página das nossas vidas”, explica, por seu lado, Zubarieva, acrescentando que “surgiu a ideia de criar uma empresa com voz própria”, que formasse “beleza e luz”, mas também “amor e cuidado” para as próprias pessoas, “mesmo quando estão sozinhos em casa e ninguém as vê”.
Assim nasceu a Sleeper, num momento em que o pajama dressing, ou pajama look, começava a ganhar força. “O papel da roupa na vida das pessoas mudou. Os relacionamentos tornaram-se menos formais, as pessoas usam jeans no teatro e casam de pijama. A vida tornou-se muito mais confortável”, explicaram as criadoras ao site The Zoe Report, em 2018, quando justificavam o facto de este tipo de look ser cada vez mais bem aceite e desejado.
“Nós venceremos”
Com apenas um mês de existência, a marca de pijamas e roupa de dormir ucraniana, mas também de biquínis, aparecia na Vogue Itália como marca do mês, seleção feita pela editora-chefe da publicação até à sua morte, Franca Sozzani. Em 2017, a publicação norte-americana da Marie Claire escolheu o vestido off the shoulder das criadoras como “a melhor peça de vestuário do ano” e a própria Kelly Lynch encomendou, anos mais tarde, o robe criado pela marca que foi inpirado no filme que protagonizou. Em 2019, as duas criadoras entraram, ainda, para a lista da Forbes dos 30 jovens abaixo dos 30 anos.
Inicialmente, as ambições não eram muito grandes, como explicam as criadoras num filme sobre como nasceu a marca, publicado em fevereiro de 2020. “Pensei que íamos vender estes pijamas às nossas amigas e esquecermo-nos disto [da marca]”. Em dezembro, começaram as vendas no site e, no dia 2 janeiro do ano seguinte, aperceberam-se de que tinham vendido todas as peças. Num espaço novo, começaram a contratar costureiras e, em fevereiro de 2020, 12 “mulheres incríveis” trabalhavam como costureiras da marca num espaço, também sede, em Kiev, capital da Ucrânia, até à guerra começar, a 24 de fevereiro.
“O exército russo quer destruir o povo ucraniano, mas não vai acontecer. O nosso povo luta não apenas pela soberania, mas também por valores que recebemos de movimentos públicos, que evoluíram desde a Segunda Guerra Mundial. Nós venceremos”, garante Zubarieva.
“A maioria dos nossos colaboradores masculinos integrou o exército ucraniano e as Forças de Defesa Territoriais da Ucrânia”
“O nosso escritório em Kiev é um lugar lindo que restaurámos a partir de um prédio antigo abandonado”, diz Asya. “É um local onde estávamos a criar os nossos ensaios fotográficos, a comemorar os aniversários, a nossa equipa reunia-se lá para festas e eventos importantes. Esta é a nossa casa, está à espera de todos nós”, acrescenta ainda, referindo que espera voltar “lá em breve”.
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Em relação ao que se está a viver hoje no seu país, Zubarieva diz que não imaginavam que tal “insanidade pudesse tornar-se real. Mesmo agora, ao ler as notícias, tudo parece um pesadelo”, desabafa. Contudo, a marca conseguiu preparar-se com alguma antecedência para manter o negócio à tona e sem grandes alterações, apesar do contexto. “Quando surgiram as primeiras informações sobre a invasão na imprensa norte-americana, dois meses antes, já tínhamos preparado um plano com possíveis medidas a tomar em caso de guerra. Isso está realmente a ajudar-nos a manter o negócio, a trabalhar nas nossas coleções e a cumprir os nossos acordos”, explica Asya.
Neste momento, as criadoras estão focadas na segurança da sua equipa, constituída por cerca de 120 pessoas, homens e mulheres de diferentes idades, mas também em ações de voluntariado. “Estamos a ajudar as Forças Armadas da Ucrânia e a auxiliar refugiados. A maioria dos nossos colaboradores masculinos integrou o exército e Forças de Defesa Territoriais”, afirma Kate, acrescentando que, apesar de toda a equipa da Sleeper estar envolvida no voluntariado para ajudar quem mais precisa, o trabalho continua a seguir o seu fluxo e os salários têm sido pagos à equipa, asseguram as jovens. “Continuaremos a nossa missão de trazer luz e beleza a este mundo. Esta é a única maneira de derrotar o nosso inimigo e construir um futuro melhor para a nossa equipa”, diz.
O stock da marca disponível nos armazéns dos EUA e Reino Unido continua a ser gerido como habitualmente e, por isso, a Sleeper continua a vender online. Além disso, foi transferida a primeira leva de colaboradores e costureiras envolvidos na produção das peças para a Turquia, com o objetivo de mantê-la a um bom ritmo.
No início de março, a marca tinha planeado inagurar um showroom em Paris, que foi cancelado devido à guerra. Também o lançamento da coleção primavera-verão 2022 da marca, previsto para o dia 1 de março, foi adiado, mas as criadoras esperam que possa acontecer ainda durante o mês de abril. “A maneira distante de trabalhar durante os confinamentos exigidos pelo coronavírus mostrou-nos que também podemos ter um desempenho eficaz desta maneira”, diz ainda Asya Varetsa.
De acordo com a marca, cada peça de vestuário da Sleeper é feita à mão e, na sua produção, utiliza-se o mínimo de equipamento com o objetivo de reduzir as emissões de carbono. Nestas imagens de campanha, realizada em Lisboa, pode ver algumas algumas peças da coleção ainda por estrear.
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