Até 2017, os homens vítimas de violência sexual não tinham uma associação direcionada para estes casos, aonde recorrer, caso quisessem fugir da situação em que estavam. Hoje, a Quebrar o Silêncio celebra cinco anos e já ajudou 467 homens e rapazes, dando-lhes apoio psicológico. Segundo Ângelo Fernandes, o seu fundador, também ele uma vítima, “a maioria dos homens que nos procura tem entre 30 e 40 anos”. Quase todos passam duas décadas a sofrer, sem falar com ninguém, e é aqui que expõem, pela primeira vez, as suas histórias de abusos, normalmente por parte de familiares ou amigos próximos. Muitos carregam, às vezes durante uma vida, estereótipos de masculinidade que reforçam crenças interiorizadas (“eu é que tive a culpa”, “fui fraco”, “tenho vergonha de mim”).
“Constatamos que a nossa sociedade continua a não estar pronta para reconhecer e aceitar a ideia de que os homens também são vítimas de violência sexual” refere Ângelo Fernandes. Mas ele sabe bem do que se trata: sofreu abusos sexuais por parte de um amigo da família quando tinha 11 anos. Na altura, sobreviveu aos danos emocionais em silêncio, desenvolvendo sentimentos de culpa, vergonha, raiva, frustração e pensamentos suicidas. Só depois dos 30 anos procurou ajuda para superar estes danos, que moldaram a sua vida. Caso contrário, e por fazer parte dessa imensa minoria, estaria em grande risco de sofrer depressão ou stresse pós-traumático.
Apesar de grande parte dos que aparece nesta associação ter sido abusado na infância ou adolescência, são cada vez mais os casos de pessoas vitimadas na idade adulta. “À medida que vamos criando mais consciência de que este crime também afeta homens, vamos criando também as condições para os sobreviventes se reconhecerem enquanto vítimas e se sentirem validados para procurar apoio. Cada vez mais recebemos pedidos de apoio de homens adultos, abusados nos últimos 12 meses”, refere.
Quando o crime prescreve demasiado depressa
No entanto, nem sempre podem levar a queixa dos crimes adiante, como seria desejável, pois esses prescrevem ao fim de seis meses. O fundador desta associação mostra-se indignado com este impeditivo presente no código penal, por razões que não custam muito a entender: “Para vítimas de violação e de abuso sexual, seis meses é um período demasiado curto para que consigam denunciar. Muitas vezes, quando se
sentem preparados para fazê-lo, já não é possível.”.
Passados cinco anos, o fundador da Quebrar o Silêncio conclui que ainda há muito por fazer e muito preconceito para abolir. “Desconhece-se que 1 em cada 6 homens é vítima de violência sexual antes dos 18 anos e que estes homens são os nossos amigos, irmãos, colegas. Ou seja, fazem parte das nossas vidas, mas sofrem em silêncio sem que os mais próximos se apercebam sequer.”
O estigma associado a este tipo de crime, especialmente no masculino, continua a existir e transforma-se num dos principais obstáculos à procura de ajuda. A verdade é que um homem abusado sexualmente pode ser motivo de troça e essa possibilidade impede-o de contar a sua história, com segurança.
Depois de um ano marcado pela pandemia e um confinamento, que trouxe muitos fantasmas à superfície, a Quebrar o Silêncio continuará a apostar, em 2022, nos workshops para a prevenção da violência sexual contra crianças destinado a pais e mães (12 de fevereiro, sábado, às 9h30).
Para assinalar este quinto aniversário, a associação pediu a vários dos homens que dessem o seu testemunho escrito sobre a importância de terem pedido ajuda e do processo de recuperação do trauma. Estes testemunhos podem ser lidos neste vídeo.